11/09/2020 - 10:30
Mais de seis meses depois do início da pandemia no Brasil, duas certezas se impõem de forma clara e incontestável. A primeira, que esta é a mais aguda queda que se tem registro na economia do País. A segunda, de que seria muito pior sem o auxílio emergencial de R$ 600, que até agora colocou R$ 186,9 bilhões nas mãos de 67,2 milhões de trabalhadores de baixa renda, segundo dados da Caixa Econômica Federal. Mas as certezas no retrovisor começam a se embaralhar com as incertezas que surgem no horizonte, diante das perspectivas de redução do auxílio emergencial, de R$ 600 para R$ 300 como quer o governo, ou mesmo como será a vida pós-auxilio, em 2021. “É muito difícil mensurar o real impacto do corte ou do fim do auxílio porque esse não é o único ponto que se deve levar em consideração na economia”, disse o economista Paulo Froes, diretor da SRM Asset. “O governo está entre fazer o que é economicamente viável e o que é politicamente correto. Mas é evidente que as famílias vão perder uma renda de suporte importe em um momento tão crítico.”
O difícil cálculo do impacto da redução do auxílio emergencial a partir deste mês, que deverá ser debatido no Congresso nos próximos dias, consta em um estudo realizado pela Universidade de Pernambuco (UFPE). O benefício de R$ 600 pago nos últimos quatro meses representa 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), considerando o valor de 2019. Com isso, é possível dimensionar o estrago que a provável redução de 50% ou mesmo a extinção da ajuda federal terá em 2021, especialmente na economia da região Nordeste, onde o benefício deve representar 6,5% do PIB. “Esse cenário faz com que as empresas coloquem o pé no freio para esperar o horizonte ficar mais claro”, disse Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio, Serviços e Turismo (CNC). “A imprevisibilidade sobre as reformas econômicas e outras incertezas no campo político desestimulam investimentos.”
Para os economistas que elaboraram o estudo UFPE, Ecio Costa e Marcelo Freire, o auxílio tem ajudado a manter a roda da economia girando, já que se trata de um programa de transferência de renda direta, sem nenhuma contrapartida à população. “Com efeito pulverizador e multiplicador em todos os segmentos econômicos, esses recursos vão para o consumo de alimentos, vestuário, eletrodomésticos e quitação de dívidas”, afirmaram.
Apesar de o Nordeste ser a região mais beneficiada proporcionalmente ao tamanho de suas economias, todos os 16 estados das regiões Norte e Nordeste terão neste ano percentuais acima de 2,5% (medida nacional). No Maranhão, o impacto do benefício chegará a 8,6% do PIB, à frente do Piauí (7,9%), Paraíba (6,7%) e Ceará (6,4%). Depois aparecem Acre (5,9%), Bahia (5,8%), Pernambuco (5,5%), Rio Grande do Norte (5,3%), Roraima (4,8%), Amazonas (4,3%), Tocantins (4%), Rondônia (3,2%) e Goiás (2,6%). Embora São Paulo tenha sido o estado que mais recebeu recursos do auxílio, com cerca de R$ 30 bilhões, terá impacto de apenas 1,3%, um dos mais baixos proporcionalmente ao PIB (veja lista completa no ranking ao lado).
A redução do auxílio emergencial entre setembro e dezembro, além quase inevitável extinção do socorro da União aos mais pobres em 2021, não preocupa apenas as famílias que dependem desse quase meio salário mínimo para viver, mas acende o sinal de alerta em praticamente todos os principais setores econômicos. Dados divulgados pelo IBGE mostram que, puxado pelo auxílio, a produção industrial cresceu 8% em julho, na comparação a junho, com ajuste sazonal. Das 26 atividades pesquisadas pelo IBGE, 25 tiveram aumento da produção por esse tipo de comparação. Foi a melhor disseminação da série histórica, iniciada em 2002. Para André Macedo, gerente da Coordenação da Indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a recuperação da indústria brasileira ainda depende do avanço da demanda interna do País, o que depende da recomposição do mercado de trabalho. “Não é certo que o setor industrial continuará com taxas positivas nos próximos meses. Precisamos acompanhar o mercado de trabalho.”
PROPOSTAS Enquanto beneficiários do auxílio emergencial e empresários que dependem desse fluxo de dinheiro fazem as contas, até a terça-feira (8) – prazo limite para apresentação das emendas – deputados e senadores apresentaram 262 sugestões de alteração à medida provisória que prorrogou o auxílio até dezembro. O “auxílio emergencial residual”, como vem sendo chamado pelo governo o novo benefício cortado pela metade, serão pagos automaticamente aos atuais beneficiários, que não vão precisar requerer as novas parcelas. A medida provisória, porém, proíbe o pagamento para quem mora no exterior, esteja preso em regime fechado ou tenha bens de valor total superior a R$ 300 mil. Também não terá direito quem recebeu, em 2019, rendimentos superiores a R$ 40 mil e alguns tipos de dependentes de contribuinte do Imposto de Renda, como cônjuge e filho ou enteado com menos de 21 anos ou menos de 24 ainda estudando. A MP limita o recebimento do auxílio a duas cotas por família, mas garante duas cotas para a mulher provedora de família monoparental.