Mais de seis meses depois do início da pandemia no Brasil, duas certezas se impõem de forma clara e incontestável. A primeira, que esta é a mais aguda queda que se tem registro na economia do País. A segunda, de que seria muito pior sem o auxílio emergencial de R$ 600, que até agora colocou R$ 186,9 bilhões nas mãos de 67,2 milhões de trabalhadores de baixa renda, segundo dados da Caixa Econômica Federal. Mas as certezas no retrovisor começam a se embaralhar com as incertezas que surgem no horizonte, diante das perspectivas de redução do auxílio emergencial, de R$ 600 para R$ 300 como quer o governo, ou mesmo como será a vida pós-auxilio, em 2021. “É muito difícil mensurar o real impacto do corte ou do fim do auxílio porque esse não é o único ponto que se deve levar em consideração na economia”, disse o economista Paulo Froes, diretor da SRM Asset. “O governo está entre fazer o que é economicamente viável e o que é politicamente correto. Mas é evidente que as famílias vão perder uma renda de suporte importe em um momento tão crítico.”

O difícil cálculo do impacto da redução do auxílio emergencial a partir deste mês, que deverá ser debatido no Congresso nos próximos dias, consta em um estudo realizado pela Universidade de Pernambuco (UFPE). O benefício de R$ 600 pago nos últimos quatro meses representa 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), considerando o valor de 2019. Com isso, é possível dimensionar o estrago que a provável redução de 50% ou mesmo a extinção da ajuda federal terá em 2021, especialmente na economia da região Nordeste, onde o benefício deve representar 6,5% do PIB. “Esse cenário faz com que as empresas coloquem o pé no freio para esperar o horizonte ficar mais claro”, disse Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio, Serviços e Turismo (CNC). “A imprevisibilidade sobre as reformas econômicas e outras incertezas no campo político desestimulam investimentos.”

Para os economistas que elaboraram o estudo UFPE, Ecio Costa e Marcelo Freire, o auxílio tem ajudado a manter a roda da economia girando, já que se trata de um programa de transferência de renda direta, sem nenhuma contrapartida à população. “Com efeito pulverizador e multiplicador em todos os segmentos econômicos, esses recursos vão para o consumo de alimentos, vestuário, eletrodomésticos e quitação de dívidas”, afirmaram.

Apesar de o Nordeste ser a região mais beneficiada proporcionalmente ao tamanho de suas economias, todos os 16 estados das regiões Norte e Nordeste terão neste ano percentuais acima de 2,5% (medida nacional). No Maranhão, o impacto do benefício chegará a 8,6% do PIB, à frente do Piauí (7,9%), Paraíba (6,7%) e Ceará (6,4%). Depois aparecem Acre (5,9%), Bahia (5,8%), Pernambuco (5,5%), Rio Grande do Norte (5,3%), Roraima (4,8%), Amazonas (4,3%), Tocantins (4%), Rondônia (3,2%) e Goiás (2,6%). Embora São Paulo tenha sido o estado que mais recebeu recursos do auxílio, com cerca de R$ 30 bilhões, terá impacto de apenas 1,3%, um dos mais baixos proporcionalmente ao PIB (veja lista completa no ranking ao lado).

FUTURO INCERTO Enquanto os beneficiários do programada aguardam mais uma parcela na agência da Caixa, governo define como se dará o auxílio nos próximos três meses. (Crédito:udu Contursi)

A redução do auxílio emergencial entre setembro e dezembro, além quase inevitável extinção do socorro da União aos mais pobres em 2021, não preocupa apenas as famílias que dependem desse quase meio salário mínimo para viver, mas acende o sinal de alerta em praticamente todos os principais setores econômicos. Dados divulgados pelo IBGE mostram que, puxado pelo auxílio, a produção industrial cresceu 8% em julho, na comparação a junho, com ajuste sazonal. Das 26 atividades pesquisadas pelo IBGE, 25 tiveram aumento da produção por esse tipo de comparação. Foi a melhor disseminação da série histórica, iniciada em 2002. Para André Macedo, gerente da Coordenação da Indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a recuperação da indústria brasileira ainda depende do avanço da demanda interna do País, o que depende da recomposição do mercado de trabalho. “Não é certo que o setor industrial continuará com taxas positivas nos próximos meses. Precisamos acompanhar o mercado de trabalho.”

PROPOSTAS Enquanto beneficiários do auxílio emergencial e empresários que dependem desse fluxo de dinheiro fazem as contas, até a terça-feira (8) – prazo limite para apresentação das emendas – deputados e senadores apresentaram 262 sugestões de alteração à medida provisória que prorrogou o auxílio até dezembro. O “auxílio emergencial residual”, como vem sendo chamado pelo governo o novo benefício cortado pela metade, serão pagos automaticamente aos atuais beneficiários, que não vão precisar requerer as novas parcelas. A medida provisória, porém, proíbe o pagamento para quem mora no exterior, esteja preso em regime fechado ou tenha bens de valor total superior a R$ 300 mil. Também não terá direito quem recebeu, em 2019, rendimentos superiores a R$ 40 mil e alguns tipos de dependentes de contribuinte do Imposto de Renda, como cônjuge e filho ou enteado com menos de 21 anos ou menos de 24 ainda estudando. A MP limita o recebimento do auxílio a duas cotas por família, mas garante duas cotas para a mulher provedora de família monoparental.