Rubens Hannun, presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, não vai esquecer tão cedo o dia 17 de março deste ano. A rotina corria como sempre nos escritórios localizados na Avenida Paulista, quando começaram a pipocar as notícias da Operação Carne Fraca, que colocava em xeque a qualidade da fiscalização sanitária sobre a proteína animal brasileira. Em si grave, a notícia tornou-se gravíssima pelas circunstâncias. Naquele momento, Hannun recebia, oficialmente, um representante do Exército do Egito, que tinha vindo ao País com a missão de fechar um fornecimento de 20 mil toneladas de carne bovina por mês. Em perigo, não apenas um negócio de vulto, como também o fornecimento regular de carnes para todos os países do Oriente Médio. Em entrevista à DINHEIRO, ele acaba de contar essa história:

Os países árabes são grandes compradores de proteína animal. O sr. foi surpreendido pelas notícias da Carne Fraca durante uma negociação comercial importante. O que aconteceu?
Os representantes dos países que são nossos clientes ficaram muito preocupados com a qualidade dos produtos. Naquele momento, era estratégico, não só para a Câmara, como também para o País, que os compradores não suspendessem suas encomendas e partissem em busca de outros fornecedores. O prejuízo poderia ser enorme para o Brasil.

O que foi feito?
Agimos em duas frentes, a diplomática e a empresarial. Dias depois que a Carne Fraca foi divulgada, organizamos uma reunião, em Brasília, dos embaixadores dos 22 países árabes que estão representados na Câmara com o Ministério da Agricultura. Demonstramos que a vigilância sanitária brasileira era confiável. No campo empresarial houve um susto. Estávamos recebendo, naquele momento, um emissário do Exército do Egito. Ele tinha vindo negociar um contrato de fornecimento de 20 mil toneladas de carne por mês. Seria péssimo perder o negócio. Então, antes que ele saísse do Brasil, organizamos uma visita a um dos principais abatedouros para mostrar a qualidade do processo. Com isso, a situação voltou ao normal rapidamente.

Por que é tão importante para os empresários brasileiros manter uma boa relação comercial com os países árabes?
Costumamos dizer que, nesses países, só há duas coisas em abundância, petróleo e areia. A produção local de alimentos é insuficiente para atender a população. Assim, garantir um fornecimento regular é absolutamente estratégico. O Brasil é líder na produção de alimentos, e os países árabes são, tradicionalmente, importadores líquidos.

Qual o volume desse negócio?
É uma corrente de comércio grande, e que está crescendo. Neste ano, até outubro, o Brasil exportou US$ 11,4 bilhões, uma alta de 22,3% em relação a 2016. Os maiores compradores são os países mais populosos: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito. As importações brasileiras também vêm crescendo. Elas somaram US$ 5,3 bilhões entre janeiro e outubro, uma alta de 17% em relação a 2016. Ou seja, um superávit comercial de mais de US$ 6 bilhões, sendo que 67% são alimentos. O mais significativo, porém, é que o perfil desse comércio está mudando, e pode mudar mais ainda. Há oportunidades enormes no mercado árabe.

Em quais setores?
Energia é um dos melhores exemplos. Por serem dependentes do petróleo, esses países ficam atentos a qualquer tecnologia que possa alterar a matriz energética. Dubai realiza, todos os anos, uma feira de tecnologia dedicada à geração de energia, à melhor utilização de água e à construção verde. Nossas técnicas de construção, adequadas a climas quentes, funcionam bem na região. Sudão e Egito, por exemplo, são grandes consumidores de chuveiros elétricos brasileiros. E há muitos outros casos, que poucas pessoas conhecem.

Cite alguns.
Cosméticos. A mulher árabe pode usar uma burca quando sai à rua, mas isso não a impede de ser uma grande consumidora de maquiagem. Poucos imaginam que há concursos de miss na Arábia Saudita. As moças desfilam cobertas, e são julgadas pela beleza dos olhos.

E como exportar maquiagem, por exemplo?
Neste ano, antecipando uma feira de produtos de beleza em Dubai, a Câmara reuniu empresas brasileiras desse setor e divulgou os produtos junto a blogueiras de moda árabes. Algo tão simples quanto enviar os produtos para influenciadoras digitais, para que elas cuidassem da divulgação. Como resultado, no dia da inauguração, a fila no stand brasileiro era enorme. Os produtos se esgotaram muito antes do fim da feira.

O empresário brasileiro tem uma visão distorcida desses mercados?
Não diria distorcida, mas sim incompleta. Andando pelas ruas das cidades, você percebe que todos têm smartphones, acessam redes sociais e decidem o que consumir com o apoio dos influenciadores digitais. É semelhante ao que ocorre nos Estados Unidos e na Europa. Com a vantagem de serem mercados amplos, abertos a nossos produtos e com muitos consumidores jovens. Como não pratica uma política externa belicosa, o Brasil é visto com simpatia na região. E também há a possibilidade de o Brasil acessar outros mercados, hoje fechados.

Como isso é possível?
A Comunidade Europeia, por exemplo. Jordânia e Tunísia, só para citar dois casos, têm acordos comerciais com a Comunidade, que reduzem bastante o imposto a pagar. É possível a um empresário brasileiro vender para a Europa em uma operação triangular que envolva um país árabe. Não é possível superar algumas barreiras específicas, como as fitossanitárias, mas é possível atenuar a perda de competitividade causada pelas políticas protecionistas.

Que conselho o sr. daria para o empresário brasileiro que quisesse começar a vender para os árabes?
Ele vai precisar de informação e dedicação. O árabe é um grande negociante, discute bastante preços e condições, mas também é um comprador fiel. Se o empresário brasileiro conquistar uma fatia de mercado e cuidar bem dela, poderá fazer negócios por muito tempo.