Para o especialista no segmento, fundador da Dínamo e CIO da Sirius, o futuro será de empresas cada vez mais ultrassegmentadas.

A retomada da economia em 2022 foi um mero sonho que logo virou pesadelo: o ano foi marcado pelas demissões no segmento de startups — e nenhum crescimento acontece com gente em casa sem renda. Foram mais de 4 mil colaboradores desligados somente no Brasil. Para Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), 2023 continuará a ser um ano de ajustes no setor, tanto econômico como estrutural. Para ele, continuaremos a ter menor captação de investimentos. Ou seja, uma quebra de expectativa para empresas que planejavam crescer e ganhar tração e agora terão de se adequar a esse novo cenário. Mesmo assim, essa não é a realidade para as startups-camelo, termo popularizado também no ano passado e que remete a projetos com crescimento mais estratégico. “A gente vai ver muito mais empresas nichadas e especializadas”.

DINHEIRO – Como você vê o cenário geral das startups em 2022 e qual o futuro de curto prazo para elas?
FELIPE MATOS – O que a gente viveu em 2022 foi um reajuste pós-pandemia. Um reajuste grande e que ainda está acontecendo. Tivemos uma mudança na economia mundial, com bastante aumento na taxa de juros, inclusive em países mais desenvolvidos, caso do Estados Unidos e da Europa. Isso basicamente muda o fluxo de capitais internacional, o que afeta de forma muito importante o cenário de venture capital que investe nas startups.

Sobrou menos dinheiro?
Sim. E com menos dinheiro disponível, a gente viu muitos ajustes, layoffs (demissões) e menos investimento, diferente do cenário da pandemia, quando os investimentos triplicaram. Em 2022 eles voltaram para o patamar próximo do pré-pandemia, no máximo um pouco maior. Então o saldo ainda é positivo, mas a gente voltou para condições pré-pandêmicas.

Você acredita numa retomada dos investimentos no médio prazo, mesmo com a incerteza política e econômica?
Estamos em um momento de muita incerteza e não só no ecossistema de startups, mas na economia mundial. O que vai acontecer mais especificamente no cenário brasileiro é uma mudança importante na economia. Então está todo mundo em compasso de espera para entender o que vai acontecer. Isso significa também que os investimentos estão menores e os investidores estão esperando o cenário se estabilizar para tomar decisões, seja em startups ou em empresas no geral. E essa incerteza explica um pouco também essa nova onda de layoffs, que no caso são empresas se ajustando a um cenário econômico potencialmente mais prejudicial.

“Com menos dinheiro disponível, a gente viu muitos ajustes, layoffs (demissões) e menos investimento, diferente do cenário da pandemia” (Crédito:Istock)

Há alguma instrução para esses momentos de incerteza?
Muitos fundos de investimento têm escrito para suas startups cartas e recomendações dizendo para preparem-se para o pior, porque se o pior não vier pelo menos você está preparado. Então a gente tem visto empresas fazendo esses ajustes recentemente, no sentido de se preparar para o pior.

Enquanto a maioria das empresas faz demissões, outras no entanto continuam crescendo e abrem vagas. O que elas têm de especial?
É difícil explicar, porque cada empresa tem uma estratégia. Por exemplo, às vezes ela decidiu investir em um novo produto e ele não está vendendo, então reduz o time de vendas e aumenta o time de produto para criar algo melhor que vai vender mais. Investir num produto melhor significa diminuir, demitir gente lá de vendas e contratar da área de produto. As estratégias podem ser muito diferentes.

Algumas categorias de startups enfrentam ainda muitos problemas regulatórios. Como está essa situação?
Depende muito do mercado onde elas estão inseridas. Mercados muito regulados sempre vão apresentar riscos regulatórios maiores. A Uber, por exemplo, mexe com mobilidade urbana nas cidades, onde já havia a regulação de táxis. Foi um bom exemplo de startup que chegou rompendo os modelos legais, inclusive forçando muitas cidades a modernizarem o seu marco regulatório para dar conta dessa inovação.

Não há outro caminho? A lei deve correr atrás da inovação e nunca o inverso?
O grande problema é isso. A inovação sempre vem primeiro em relação à legislação e muitas vezes você vai ter startups numa zona cinzenta porque criaram um serviço tão inovador que ele não se encaixa na legislação atual. E aí essa legislação precisa ser modernizada, o que depende de um lobby de interesse político e aumenta o risco para essa startup.

Quais são outros segmentos que também sofrem com isso e por quê?
Um exemplo mais recente são as startups de saúde, ou healthtechs, que trouxeram durante a pandemia o teleatendimento, que não era liberado no Brasil. Agora chegou o momento em que ele está sendo regulado. Outro exemplo, na mesma área, é o das receitas médicas. Há uma nova regulamentação, que propõe que as receitas on-line não podem vir com recomendação de compra de remédio, que é o modelo de negócios de algumas startups e isso quebra essa dinâmica. No segmento alimentício há aplicativos de delivery de comida para cozinheiros que preparam em casa as refeições que serão entregues, o que também mexe com a regulação sanitária. Essa pessoa que cozinha na própria casa e vai vender comida para um terceiro deveria ter uma extensão da agência de regulação sanitária, ter alvará de funcionamento, e esse é um desafio regulatório novo por uma situação que antes não existia.

Como novas startups devem abordar esse tema regulatório no seu modelo de negócio?
Na Associação Brasileira de Startups aconselhamos os órgãos reguladores a utilizarem o conceito que a gente chama de sandbox regulatório.

Do que se trata?
Um espaço de inovação que permite que algumas empresas selecionadas possam operar sendo observadas de perto pelo regulador e a partir dessa experiência entender os problemas e formatar regulamentos e legislações pertinentes. É uma forma de você não barrar a inovação. É algo que tem sido implementado em vários países do mundo e também por alguns reguladores aqui no Brasil.

Poderia dar um exemplo?
A Susep, que é o órgão que regulamenta os seguros no Brasil, criou seu próprio sandbox regulatório no qual algumas startups podem fazer microsseguros e outras modalidades que antes não seriam possíveis, porque elas não cabiam dentro da regulação atual.

“A inovação sempre vem primeiro em relação à legislação e muitas vezes você vai ter startups numa zona cinzenta por não se encaixarem nas leis atuais” (Crédito:Istock)

Que tipo de novidade elas trazem?
Um exemplo é o seguro on-line e que não precisaria de um corretor, profisional que pela legislação ainda é obrigatório, mas que não faz sentido para uma venda de microsseguro on-line. Então, na hora que ela faz esse sandbox regulatório, eu posso vir com o modelo que propõe o diferencial e o regulador observa aquela inovação e, a partir da experiência, moderniza o seu marco regulatório. Esse é o formato que a gente acha o mais adequado para os governos enfrentarem esses dilemas.

Quais são os principais segmentos de startups em crescimento hoje?
Eu diria que as edtechs e as healthtechs, até por conta da pandemia. As áreas de saúde e de educação foram muito afetadas o que, simultaneamente, gerou oportunidades e necessidades de inovação tecnológica. Eu tenho visto também um crescimento nas áreas de segurança da informação, seguindo uma tendência muito forte de digitalização de tudo. E quanto mais digitalizada está a sociedade, mais vulnerável ela está a ataques cibernéticos. Isso cria espaço para o crescimento de soluções voltadas para isso. Também estamos vendo uma tendência forte do uso de inteligência artificial em tudo e em algumas áreas a gente vê essa tecnologia como diferenciador do negócio.

Nesse cenário desafiador, o boom do setor deve continuar?
A gente está vendo várias empresas de nicho. Por exemplo, não se fala mais fintech. O que você fala agora é credtech, paymentech, lendtech, insurtech, que são segmentos dentro de fintech para pagamentos, crédito, seguros e financiamento. Estamos vendo fintechs muito específicas. Outro dia eu vi um banco especializado para escolas, para o modelo de negócio dela, que é baseado em mensalidade. E aí tem uma régua de crédito e um atendimento muito específicos. Acredito que, como acontece hoje com as fintechs, a gente vai ver muito mais empresas nichadas e especializadas.