“Ser ou não ser, eis a questão.” O clássico Hamlet, de William Shakespeare, escrito na virada do século 16, expõe os conflitos existenciais de um príncipe dinamarquês, que, ao tentar vingar a morte do pai, é levado a tomar uma série de decisões perigosas, em um contexto de disputa entre seu país e a vizinha Noruega. Na dúvida entre tomar uma atitude ou permanecer inerte frente aos acontecimentos Hamlet, como um grande estrategista, usa a sua capacidade de observação para elaborar um plano de ação. Ainda que a história não tenha um final feliz, ela apresenta situações e personagens que podem servir de exemplo e inspiração para os líderes atuais, especialmente no mundo dos negócios.

Afinal, o dia a dia da vida corporativa, com seus dilemas, questionamentos e reflexões, poderia servir de enredo para uma peça de teatro. É justamente nos palcos que executivos brasileiros de companhias de primeira linha como Bematech, Qualcomm, Mars, BNP Paribas, Santander e Policard descobriram uma maneira de aprimorar suas habilidades e incorporar um papel de liderança e protagonismo, atributos indispensáveis para conduzir equipes em meio às vicissitudes da economia. As técnicas utilizadas nos palcos estão ajudando os profissionais envolvidos a superar a timidez, aprimorar a oratória e a comunicação, desenvolver qualidades de trabalho em grupo e fortalecer os elos com seus liderados.

Não se trata de construir um tipo, mas sim de tomar para si o personagem principal desse show business da vida real. Esse foi o objetivo de Cleber Morais, presidente da Bematech, de Curitiba, empresa de tecnologia que fornece sistemas de automação comercial. Engenheiro eletrônico de formação, resolveu procurar um curso de técnicas de teatro para melhorar sua oratória, considerado por ele próprio como um de seus pontos fracos. “Queria ser eu mesmo, achar o meu estilo e dominar o palco”, afirma o executivo. Morais realiza apresentações semanalmente para investidores, clientes e funcionários.

As técnicas de teatro, que vão desde controle da respiração, concentração e autoconhecimento, aumentam a confiança e dão-lhe mais conforto na posição de alto comando na companhia. “O grande líder deve estar preparado para ser um grande showman”, diz o executivo, que se inspira em nomes como os americanos Bill Gates, da Microsoft, Steve Jobs, da Apple, e no britânico Richard Branson, da Virgin. À frente da empresa paranaense, que faturou R$ 365 milhões em 2013 (último balanço consolidado),ele diz almejar ser uma fonte de inspiração. O presidente da Bematech não é exatamente o pioneiro na absorção e aplicação das técnicas de teatro no universo corporativo.

No País, um dos primeiros a enxergar a força das artes cênicas como ferramenta de gestão e liderança foi o empresário Antônio Ermírio de Moraes, comandante do grupo Votorantim, falecido no ano passado. O “doutor Antônio”, como era chamado respeitosamente no mundo dos negócios, escreveu três peças, a Brasil S/A (1996), SOS Brasil (1999) e Acorda Brasil (2006). “Aprendi que o sucesso eleitoral depende basicamente da manipulação competente das emoções dos eleitores. O script precisa ser bom, mas a interpretação é decisiva”, escreveu o empresário, na apresentação de sua primeira obra, ao comentar sobre sua experiência como candidato ao governo do Estado de São Paulo, nas eleições de 1986.

Orador inspirado, Antônio Ermírio ficou conhecido por seus discursos de impacto, principalmente sobre a lentidão das mudanças do Brasil, a corrupção e a inação dos governantes, um desabafo feito também através dos palcos. No começo de 2001, ao participar de um seminário sobre economia brasileira, o empresário proferiu um discurso contundente alertando as autoridades presentes sobre o risco da escassez de energia, o que poderia afetar profundamente a vida das empresas e dos cidadãos. Recebidas com reservas pelas autoridades presentes, sua palavras revelaram-se proféticas: meses depois, para enfrentar o apagão energético, o governo foi obrigado a decretar um severo racionamento.

Inspirar pessoas é um objetivo perseguido por grande parte dos executivos que buscam conhecimento no teatro. Como protagonistas e condutores da cena, o que eles querem é engajar as pessoas em seus objetivos e, por consequência, atingir os resultados desejados. “Se eu tenho um sonho, quero trazer as pessoas para esse sonho”, afirma Morais, da Bematech, que foi aluno do professor de oratória teatral Leonardo Calixto, criador de um curso de artes cênicas voltado, exclusivamente, para homens de negócios. “O líder precisa ter a sensibilidade de perceber o que acontece ao seu redor, analisar e transformar”, afirma Calixto.

“Por isso, ele precisa saber quais são seus valores.” Abandonar o papel de chefe carrasco, transformando-se em um líder inspirador, tem se tornado uma exigência cada vez maior do mercado, dadas as mudanças de paradigmas trazidas pelas novas gerações, que buscam um sentido para o trabalho que vai além da compensação financeira. A juventude traz para a sociedade atual muito mais questionamento, provocando mudanças nas companhias. É o que afirma Sandrine Ferdane, presidente do banco francês BNP Paribas no Brasil. “As pessoas não aceitam mais uma ideia pela força, mas sim pela inteligência”, afirma Sandrine. “Isso só é possível por meio da informação.”

Essa mudança, segundo ela, passa também pela vida familiar, já que a relação entre pais e filhos vem mudando rapidamente, influenciada pelas facilidades de comunicação proporcionadas pelas novas tecnologias. “O jovem não quer mais uma comunicação vertical, onde há chefes e subordinados”, diz Sandrine. A comandante do BNP Paribas e mais 11 executivos do banco fizeram, no final do ano passado, um curso intensivo de teatro, no qual simularam situações encontradas no cotidiano da companhia, buscando formas de superar os desafios. “A vida é feita de improvisação”, diz ela, que também estudou piano e regência de orquestras. “Não queremos criar momentos de estresse, mas momentos de oportunidade nas situações mais adversas.”

A opinião de Sandrine é compartilhada pela atriz Lígia Cortez, diretora do Teatro-escola Célia Helena. Segundo ela, o maior desafio para os profissionais no ambiente corporativo, assim como no teatro, é a improvisação. “É como um raio-x, pois a pessoa precisa escutar, falar e se expor, o que exige autoconhecimento”, afirma Lígia. Um dos objetivos da diretoria do BNP Paribas com o teatro foi melhorar a comunicação e, ao final do dia, os resultados da equipe. Trata-se de um pedido feito pelos funcionários da instituição, cujo lucro líquido, no Brasil, foi de R$ 187 milhões em 2013. Segundo Sandrine, o teatro contribuirá para tornar as relações no ambiente de trabalho mais transparentes, algo fundamental neste momento dramático que atravessa a economia brasileira.

“As pessoas precisam sentir confiança que estão em uma instituição forte e só conseguimos isso com uma comunicação clara.” A melhora da comunicação também foi o foco do administrador Luciano Penha, vice-presidente da gestora de programas de benefícios Policard, ao aventurar-se nos palcos. “Sempre acreditei que podia fazer melhor quando precisava me comunicar”, afirma Penha. Com as aulas, ele passou a perceber suas falhas e a se sentir mais confiante nas reuniões com clientes, chefes e subordinados. “Houve uma mudança clara na minha forma de agir. Fiquei muito mais leve, mais solto”, diz. A Policard, que fatura R$ 70 milhões por ano, movimenta cerca de R$ 14 bilhões em benefícios.

EMOÇÃO X RAZÃO O teatro também tem a função de desenvolver o lado emocional e humano em setores que, tradicionalmente, demandam mais do lado racional e técnico do executivo. A humanização das relações profissionais foi o que motivou o economista Ronaldo Morimoto, diretor de gestão financeira do Banco Santander, a tomar aulas de teatro uma vez por semana. “Vivemos em uma sociedade com muito medo da crítica, com muito estresse e tensão”, afirma Morimoto, que encontrou nos palcos uma forma de aprimorar suas relações no trabalho. Segundo ele, embora o banco exigisse que cada vez mais ele colocasse a sua personalidade e valores em seu trabalho, não estava conseguindo atingir esses objetivos.

“Passei a explorar muito mais a minha intuição nos momentos de decisão”, diz o executivo. O teatro também ajudou John Ament, presidente na América Latina da americana Mars, fabricante dos chocolates M&M’s, a turbinar seu lado emocional. “Eu sempre fui muito racional, adepto dos gráficos e dos números”, afirma Ament, que também dirige as divisões de alimentação animal da empresa. “Eu sabia que não conseguiria ser menos introvertido apenas com o coaching tradicional.” Formado em medicina veterinária e à frente da subsidiária de uma companhia que fatura US$ 33 bilhões no mundo, ele conseguiu encontrar nos palcos uma forma de se aproximar dos seus 2,3 mil subordinados.

“O que eu busco é ser um líder verdadeiro, mais transparente, e assim me conectar com as pessoas.” A interação e colaboração entre as personagens é uma das lições mais enriquecedoras da dramaturgia, segundo Nany di Lima, professora de teatro para executivos da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). “Ninguém faz nada sozinho”, diz Nany. “Hamlet só é esse personagem marcante, há séculos, porque contracena com outros, tão importantes, na peça”. Ricardo Carvalho, pós-doutor em arte e gestão e pesquisador da Fundação Dom Cabral, afirma que a tendência de procurar nas artes uma forma de crescimento tem raízes, também, na crise econômica mundial. “O conhecimento instrumental da matemática financeira, planejamento e estratégia não traz todas as respostas ao mundo dos negócios”, afirma Carvalho.

“A criatividade precisou entrar em cena para buscar novas saídas.” Atualmente, lembra Carvalho, escolas de negócios renomadas como Harvard, nos Estados Unidos, já trazem no currículo as matérias do setor de humanidades, como artes, filosofia, psicologia e história. “É preciso acabar com essa ideia do racional versus emocional e trabalhar mais com as complexidades que o momento exige dos líderes.” No entanto, há um risco, saudável, por sinal, em procurar os palcos para dar uma guinada na carreira: o de se apaixonar pelo teatro. Foi o que aconteceu com o engenheiro argentino Rafael Steinhauser, presidente da fabricante americana de semicondutores Qualcomm no Brasil.

Aos 42 anos, ele descobriu nas artes cênicas sua grande vocação. Hoje, Steinhauser divide seu tempo entre as obrigações à frente da empresa, dona de um dos maiores portfólios de patentes do mundo, com os estudos e ensaios de um ator profissional. No ano passado, o executivo fez parte do elenco da peça Karamázol, encenada pela trupe SP Escola de Teatro. “Aprendi não só a me comunicar melhor, mesmo com gestos, mas a também ouvir as pessoas”, diz Steinhauser. “O trabalho em equipe e o mundo criativo ajudam a superar os momentos de crise.” Como diria Hamlet, há algo de podre no reino do Brasil – e o teatro pode ajudar sua empresa a superar as tragédias na economia.

Agradecimentos: Theatro Net São PauloItaú Cultural e Reino dos Orixás

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