O ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, é o pivô de uma crise na cúpula do Banco do Brasil. A candidatura de uma empresa ligada a ele, a Mercúrio, para administrar um fundo imobiliário de R$ 1,6 bilhão, gerou um racha na diretoria do banco, em meio a ameaças de demissão e acusações de favorecimento. O BB vai criar um fundo para administrar o patrimônio em imóveis que recebeu como pagamento de dívidas. Como não possui experiência nessa área, precisa contratar um gestor especializado. Diferente do que costuma acontecer em um banco público, porém, não houve publicação de edital de concorrência ? apenas uma seleção por meio de convites. O projeto, de cuja elaboração o próprio Gustavo Franco participou, não foi submetido à diretoria do banco. E os parâmetros da concorrência, pouco claros, tendem a empurrar o resultado para a Mercúrio.

O BB diz que enviou cartas-convite para os cinco maiores gestores do ramo. Quatro são bancos: Unibanco, Itaú, BBM e Schain Cury. Além deles, uma única corretora, a Mercúrio. Vicente Diniz, o diretor de mercado de capitais do BB, deixa claro que o critério decisivo na escolha do gestor será a chamada reciprocidade. O administrador terá de trazer a movimentação bancária do fundo para o BB. ?Quanto mais reciprocidade, melhor a proposta?, diz. Esse item reduz desproporcionalmente as chances dos quatro bancos convidados, que teriam de abdicar de várias receitas para assumir a administração do portfólio. Sintomaticamente, restaria a corretora Mercúrio. Quanto aos outros critérios, ele relativiza. Menor taxa de administração? ?Preço não é tudo, vamos escolher pelo pacote mais atraente?, diz. E o chamado track record, o histórico de rentabilidade das carteiras administradas pelo candidato? ?Ainda não sabemos se esse será um critério?, explica o diretor. ?Estamos estudando o assunto?, disse, dois dias após o encerramento do prazo de entrega das propostas.

Diniz admite que, no ano passado, convidou Gustavo Franco para ajudá-lo a planejar a montagem do fundo. Os dois se conheciam há muito tempo. Quando Franco foi presidente do Banco Central, Diniz era seu subordinado, cuidando do Departamento de Dívida Pública. O atual presidente do BB, Paolo Zaghen, também ? era diretor de Bancos Estaduais. Até aí, tudo bem. O conflito ético surge quando Franco, um ano depois, aparece como candidato a administrar o fundo que ajudou a criar. Isso lhe garante, no mínimo, acesso a informações que os concorrentes não têm. Franco concorre através da Mercúrio, corretora com a qual se associou este ano ? depois, portanto, de haver participado da criação do fundo do BB. A Mercúrio, no ano passado, quase se retirou da área de fundos de imóveis. Chegou a ser oferecida a possíveis compradores. Mas no início do ano firmou acordo operacional com o grupo Rio Bravo, que pertence a Franco. No mercado é voz corrente que uma empresa da Rio Bravo, a Finpac, comprou a Mercúrio por R$ 2 milhões. O negócio não foi oficialmente divulgado porque depende de uma auditoria, além de aprovação do Banco Central. Questionada sobre a compra, a assessoria de imprensa da Finpac responde apenas: ?Não confirmamos essa informação?. Procurado por DINHEIRO para falar sobre a concorrência, Franco não retornou as ligações.

Na semana passada, encerrado o prazo para as propostas, sete candidatos haviam aparecido ? além dos convidados iniciais, outros dois que souberam da disputa por canais informais, decidiram se inscrever à revelia. ?Chamamos os principais administradores de fundos imobiliários, mas se outros quisessem participar, não havia problema?, defende-se Diniz. Os concorrentes reclamam que o processo não foi tão transparente assim. ?Como saberíamos da concorrência se ela não foi anunciada??, indignou-se um gestor que havia ficado de fora. O BB só convocou entrevista para falar do fundo depois que informações sobre ele vazaram à imprensa. Mesmo para os que haviam sido comunicados, o processo pareceu heterodoxo. O executivo de um banco chamado diz que não houve carta-convite, apenas um telefonema, um tanto em cima da hora, na qual um funcionário do BB perguntou se ?haveria interesse? em participar da seleção. Ele apresentou proposta, mas admite que sem grandes esperanças.

A criação do fundo causou atritos na cúpula do BB. Um executivo da instituição conta que o projeto não foi submetido à diretoria do banco, que ficou sabendo do ?anúncio? pelos jornais. A notícia desencadeou uma crise. De um lado estavam Zaghen e Diniz, e do outro lado, os diretores de carreira da instituição. O bate-boca foi intenso. Dois diretores, Marcelo Teixeira e Leandro Martins, ameaçaram pedir demissão. Preocupado com as brigas, o presidente Paolo Zaghen convocou uma reunião para a quinta-feira, 19 de outubro, para apaziguar o ânimo dos executivos. Ele dirimiu as desavenças e firmou um pacto de sangue: ninguém mais divulga nada para a imprensa antes que o assunto tenha sido discutido e aprovado em diretoria. Procurado por DINHEIRO na semana passada, Martins disse: ?Nunca tive desentendimentos além do normal com Vicente Diniz e nunca pedi demissão?. Nesta segunda-feira, Zaghen deve anunciar o gestor do fundo à diretoria. Resta saber se a paz persistirá.