Em comparações estatísticas nacionais, o México guarda semelhanças com o Brasil. O país ostenta o segundo maior PIB da América Latina, atrás apenas do brasileiro, e uma população de 122 milhões de habitantes, ante os 208 milhões do parceiro sul-americano. Na política econômica, os dois países devem, em breve, tomar rumos distintos. A eleição do esquerdista Andrés Manuel Lopéz Obrador, do Movimento da Regeneração Nacional (Morena), em 1o de julho, iniciará um mandato mais voltado à área social e pautado por uma presença maior do Estado na economia. A gestão brasileira, por outro lado, segue os esforços para alcançar uma redução estatal. O novo líder mexicano chegou a defender em sua campanha a reestatização de companhias do setor elétrico que foram privatizadas. Agora, eleito com 53% dos votos, abranda seu discurso para tentar amainar a desconfiança do mercado. Qual lado prevalecerá?

A vitória do esquerdista Obrador vai na contramão dos principais países da América Latina, onde nomes como Maurício Macri, na Argentina, Sebastian Piñera, no Chile, e Iván Duque, na Colômbia, venceram os pleitos com uma defesa do ideal liberal que agrada os investidores. Com uma economia dependente das exportações aos Estados Unidos, o México se tornou um grande produtor de manufaturas baratas, após integrar o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, na sigla em inglês), em 1994. Dessa forma, superou a média de crescimento dos pares latinos nos últimos anos, sem conseguir, porém, garantir uma melhoria de qualidade de vida da população. A criminalidade explodiu nos últimos 20 anos com o fortalecimento dos cartéis internacionais de drogas, transformando-se num dos principais desafios do governo. Somente em 2017, foram assassinadas no país 23 mil pessoas.

Não à toa, o discurso de Obrador focou o tema da violência, além da melhora nas aposentadorias e do esforço para ampliar o acesso dos jovens ao mercado de trabalho. Ex-governador do Distrito Federal da Cidade do México, ele se mostrou resistente às pressões empresariais ao criticar as privatizações e se opor à construção de um novo aeroporto na Cidade do México com recursos públicos que poderiam ser usados em outras áreas. Sua vitória passou a ser temida por investidores internacionais com receio de mais intervenções na economia num momento em que a onda de incertezas globais já afeta os indicadores mexicanos (leia mais aqui). O tom mudou, porém, após o resultado das urnas. “As mudanças serão profundas, mas com apego à ordem estabelecida”, afirmou o novo presidente, após a confirmação da vitória. “Haverá liberdade empresarial, de expressão, de associação e de crenças.” Trata-se de um tema que interessa também ao Brasil, que tem o México como seu sétimo parceiro comercial.

Fora do padrão: o sentimento antipolítico entre a população mexicana, como no Estado de Michoacan, explica a vitória de Obrador com 53% dos votos (Crédito:AFP Photo / Enrique Castro)

Dois dias depois da vitória, após uma reunião com o atual presidente Enrique Peña Nieto, Obrador fez um novo aceno ao mercado financeiro, detalhando um plano econômico mais conservador. Nele, estão contidos a independência do Banco Central, a legalidade dos contratos de privatizações já realizados e a importância de investimentos estrangeiros. O mandatário também agendou de imediato um encontro com empresários e nomeou para o cargo de ministro da Fazenda Carlos Urzúa, economista que trabalhou na gestão de Obrador na Cidade do México e com credibilidade no empresariado. A dúvida é como os acenos serão recebidos pelo seu eleitorado e sua base de apoio no Legislativo.

Os discursos do novo mandatário, que incluíram temas como o combate à corrupção, o ajudaram a se dissociar do desgaste político de siglas tradicionais, apesar de já ter concorrido sem sucesso a outras duas eleições presidenciais. Há mais de 70 anos, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), do atual presidente, possuía hegemonia quase completa no poder, com exceção das eleições de 2000 e 2006, que colocaram o Partido de Ação Nacional (PAN) na presidência. As duas siglas, de centro-direita, acabaram se tornando símbolo do establishment mexicano. “Obrador soube aplicar a importância de se conectar com as pessoas”, afirma Duncan Wood, diretor do Mexico Center, braço mexicano do instituto americano de relações internacionais Wilson Center. Os candidatos dos partidos tradicionais, Ricardo Anaya (PAN) e José Antonio Meade (PRI), obtiveram, respectivamente, 22% e 16% dos votos na última votação.

Manter um diálogo com o mercado pode acabar parecendo uma contradição, não só para a população quanto para os novos membros do Legislativo, compostos, em sua maioria, por candidatos da coligação do seu partido, o Morena. “A base do congresso será esquerdista. Se ele começar com medidas mais neutras, talvez enfrente algum conflito”, afirma Patrícia Krausse, economista da seguradora de crédito Coface. “Por um lado parece que ele quer acalmar os investidores, mas, por outro, quer continuar com um viés populista.”

A preocupação externa dos mexicanos é o que deve definir o sucesso ou não de seu governo, na turbulenta relação com os Estados Unidos. Além da imigração, a renegociação do Nafta, um dos temas favoritos do presidente Donald Trump, estará na pauta de discussão. Se Obrador fizer concessões demais ao vizinho, poderá perder o apoio que o colocou no cargo. Até agora, o contato entre os dois presidentes foi amigável, com direito a um parabéns público de Trump no Twitter e uma conversa por telefone, descrita por ambos como agradável. “Se ele não souber negociar o Nafta, terá problemas com o público mexicano”, afirma Wood.“Tudo foi bem, mas há muito que pode dar errado.” Só a partir da posse, em 1o de dezembro, é que será possível saber qual Obrador sentará na cadeira de presidente.