A startup financeira Guiabolso foi criada em 2012, quando o termo fintech mal existia. A proposta era organizar as finanças pessoais dos usuários. Para conseguir isso, porém, os fundadores tinham de fazer algo inédito. Seus sistemas precisariam ser capazes de acessar os dados bancários dos clientes e consolidar suas contas. A novidade provocou a ira de alguns bancos. Um dos gigantes do varejo até apelou para o judiciário na tentativa de travar o processo. Sem sucesso. Apesar do choro e do ranger de dentes, o Guiabolso prosperou. Conquistou 6 milhões de clientes. Já intermediou a concessão de R$ 1 bilhão em empréstimos. E participou do grupo que discutiu as bases do open banking com o Banco Central (BC) ao longo de 2020. Esse novo marco regulatório permitirá aos correntistas compartilhar os dados bancários entre diversas instituições financeiras, em busca da melhor oferta.

A fintech conta os minutos para o dia 15 de julho, quando vai entrar em vigor a segunda fase do open banking. A partir dessa data, as informações poderão ser efetivamente compartilhadas entre os bancos, desde que o cliente autorize. E o marketplace, que começou a ser desenhado em 2017, e está maduro, será a ferramenta do Guiabolso para acelerar o crescimento.

Desde os primeiros protótipos já foram originados 100 mil contratos de crédito e foi emitido um número não revelado de cartões. Toda essa atividade rendeu à empresa seu maior ativo. Como um autêntico Big Brother financeiro, a fintech já processou mais de 2,5 bilhões de informações dos seus usuários, entre saldos de contas correntes, faturas de cartões de crédito, investimentos e recargas de celular.

De posse desse oceano de dados, a ideia é ir além e tornar-se um marketplace de serviços bancários, unindo os dois lados. Vai oferecer aos bancos seu conhecimento e gestão de informações, avaliando melhor os usuários. E permitirá aos clientes pesquisar as melhores ofertas de serviços financeiros dentro de seus perfis de renda e risco. “Queremos ajudar os bancos e os usuários a aproveitar o melhor do open banking”, disse o CEO e um dos fundadores do Guiabolso, Thiago Alvarez.

Graças à base parruda de clientes, é possível saber, por exemplo, o número de viagens realizadas pelo Uber e a forma como são pagas. O cliente descobre quanto do seu orçamento é dedicado à compra de remédios ou a viagens. E as estatísticas permitem aos bancos desenhar estratégias comerciais assertivas e agressivas. Sabendo, por exemplo, que o cliente é um usuário intensivo de viagens por aplicativos, o banco pode desenhar um cartão de crédito que capriche na pontuação no caso dessas despesas. Já foi fechada uma parceria para compartilhar informações com o Banco Pan, especializado em clientes de renda mais baixa.

O foco será o B2B. A empresa já tentou conceder empréstimos pessoais diretamente, por meio da plataforma Just. Lançada em 2016, a Just concedia empréstimos pessoais sem garantia, com base nos modelos de avaliação de risco do Guiabolso. Porém, a inadimplência superou as expectativas e o empreendimento acabou sendo vendido no fim de 2019, por um valor não revelado para a BV Financeira, do banco Votorantim. A derrapada aumentou a distância do Guiabolso para o cobiçado posto de unicórnio, que é como são chamadas as startups de capital fechado com avaliação de mercado acima de US$ 1 bilhão.

BANCO NÃO Legalmente, a empresa de Alvarez é um correspondente bancário. Ou seja, uma empresa não-financeira que faz a ponte entre bancos e os seus clientes. Isso garante um modelo mais leve, em que os sócios não precisam aportar grandes quantidades de capital para atender às exigências do Banco Central. E Alvarez não quer que isso mude. “Se me tornar uma instituição financeira, não conseguirei mais oferecer um serviço isento”, disse ele. “Vai ficar uma coisa enviesada, porque vou querer vender o meu produto e não o dos parceiros.”