A comida vai ficar mais cara. Esse é o impacto mais relevante do envio de tropas russas para as regiões separatistas da Ucrânia de Donetsk e Luhansk. Na segunda-feira (21) o presidente russo Vladimir Putin fez um longo discurso televisionado em que justificou a movimentação militar.

Putin afirmou que a Ucrânia e a Rússia eram próximas tanto em termos geográficos quanto históricos. Foi o suficiente para deixar claro que, apesar de todos os esforços diplomáticos, a Rússia vai seguir o caminho da força. Se isso parece uma história distante, literalmente do outro lado do mundo, as consequências serão sentidas rapidamente, no Brasil inclusive.

Rússia reconheceu regiões separatistas da Ucrânia no limite de suas fronteiras, diz Ifax

O impacto mais imediato ocorreu nos preços do petróleo. A Rússia é um grande fornecedor de energia para a Europa. Sem rios de grande porte nem espaço para ter usinas hidrelétricas, países como a Alemanha e outros dependem dos gás russo para gerar eletricidade em usinas termelétricas.

Não há um fornecedor alternativo. Sem o gás russo, a economia alemã desaba pela falta de eletricidade. Os alemães sabem disso, e os russos sabem que os alemães sabem. Daí a postura mais conciliadora do chanceler alemão Olaf Scholz, que quer evitar a todo custo uma interrupção no fornecimento.

Como não poderia deixar de ser, os preços do petróleo dispararam com a notícia. Os contratos futuros para abril do barril de petróleo do tipo Brent subiram 3,6% para US$ 98,83. É o nível mais alto desde os US$ 114 de maio de 2014, coincidentemente a data da invasão russa à Crimeia.

Porém, o efeito das sanções ocidentais sobre a Rússia vai muito além do petróleo. A Ucrânia e a Rússia são grandes produtores e exportadores de alimentos. Combinados, os dois países representam cerca de 29% do comércio mundial de trigo. A Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de grãos e óleos vegetais e um importante exportador de milho.

Os preços já refletem o temor do mercado de uma interrupção na produção. O bushel (medida de peso usada nos Estados Unidos e que equivale a 27,2 quilos) do trigo subiu 2,7% e as cotações do milho avançaram 2,37%.

Há outras implicações. A Rússia é um grande exportador mundial de fertilizantes, e eventuais sanções econômicas de outros países podem reduzir o fornecimento. Com isso, a produtividade agrícola vai piorar, com pressão adicional sobre os custos.

Na avaliação do economista-chefe da plataforma global de negociação de commodities StoneX, Arlan Suderman, o mercado de commodities se aproxima de uma tempestade perfeita. Além dos problemas na Rússia, a seca na América do Sul reduziu a produção de grãos, exercendo uma pressão de alta adicional sobre os preços. Isso vai elevar também as cotações da soja, cujos subprodutos – óleo e lecitina – são empregados na produção de quase todos os alimentos industrializados.

Por isso, a marcha das tropas terá impactos muito mais amplos. A elevação dos preços da comida e da energia terá uma forte pressão inflacionária global, que deverá sustentar uma alta das taxas de juros mais intensa e mais precoce do que se esperava.