A invasão de tropas russas sobre o território ucraniano nesta madrugada (24) já causa impactos econômicos: as cotações de dólar, ouro e petróleo dispararam. Economistas temem consequências negativas no Brasil, mas também apontam aspectos que podem ser positivos para o País, com a ressalva de que guerras nunca são justificáveis.

“Guerra sempre tem um resultado: todo mundo perde, ninguém ganha. Estamos longe geograficamente, mas muito perto economicamente”, avalia Simão Silber, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

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Entre os impactos à economia brasileira, especialistas temem um aumento da inflação puxado pela elevação no preço internacional do petróleo e de alimentos, queda de investimentos no Brasil e uma redução na atividade econômica europeia, o que pode comprometer a exportação de produtos brasileiros. Entre os aspectos que podem ser considerados positivos à economia nacional estão uma valorização das commodities brasileiras e uma eventual desvalorização do dólar.

Petróleo e combustíveis

O principal temor do mercado é que a elevação no preço do barril de petróleo, que passou dos US$ 105, contribua ainda mais com o aumento dos combustíveis e impacte na inflação brasileira. Os combustíveis tiveram aumento de 40% em 2021 e, ao lado dos alimentos, é um dos grandes vilões da inflação.

Na avaliação do professor Paulo Feldman, também da FEA-USP, o preço no barril de petróleo não deve subir muito além do patamar atual. Como a Petrobras adota a política de Paridade de Preços Internacionais (PPI), o Brasil está sujeito às variações do mercado de petróleo.

“Em um conflito (armado entre nações), o ritmo da atividade econômica vai diminuir na Europa devido à dependência do gás natural russo, que gera uma demanda menor por petróleo. Fornecedores de petróleo, como os países árabes, sabem que, se o petróleo chegar a US$ 120, por exemplo, os países irão comprar menos petróleo”, observa Feldman.

“O Brasil é um caso estranho porque a gente exporta petróleo bruto e importa refinado na forma de combustíveis porque não temos capacidade de refinar o petróleo (que consome). Se subir o petróleo, sobe o preço do combustível”, complementa Silber.

Questão cambial

Com a Taxa Selic a 10,75% ao ano, aumentaram os investimentos estrangeiros no Brasil, o que fez o dólar ficar abaixo de R$ 5 nesta semana. A valorização do real ante o dólar é fundamental ao controle da inflação neste ano.

“Taxa de juros alta atrai investimento estrangeiro. Quando tem conflito, os investidores podem diminuir a migração de dólares ao Brasil. Com o real forte temos mecanismo de controle da inflação neste ano. Se o real desvalorizar, a inflação será alta”, afirma Feldman.

Investimentos

O mercado financeiro já registra expressiva queda em ações globais, títulos do Tesouro americano e criptomoedas em geral, sobretudo Bitcoin e Ethereum. A incerteza quanto à duração do conflito na Ucrânia pode gerar fuga de capitais de risco.

“A taxa de juros mais alta do que nos EUA traz bastante fluxo estrangeiro de dólar, o que deve continuar ocorrendo, apensar da aversão ao risco. Se for um conflito rápido, a tendência é o dólar arrefecer”, analisa Paulo Cunha, CEO da iHUB investimentos, que aconselha que o momento “não é o melhor momento para tomar decisões desesperadas”.

Valorização das commodities brasileiras

A Ucrânia é um país cuja economia, assim como o Brasil, é baseada na exportação agrícola, sobretudo de soja, milho e minério de ferro. Com a iminente redução da produção, os produtos brasileiros tendem a se valorizar no mercado internacional e gerar ainda mais lucro ao agronegócio.

Por outro lado, a Rússia é a principal exportadora de fertilizantes para o Brasil, o que impacta também no agronegócio.

“O preço das commodities de maneira geral vai subir. Bom para as exportações e ruim para a inflação, que já está muito alta. A receita de exportação deve aumentar, mas os insumos à produção de carne ficarão mais caros”, disse Silber.

Se a alta das commodities injeta dólar no mercado brasileiro, ela eleva também a inflação dos alimentos. O resultado é a balança pender mais para o lado da inflação do que da valorização do real.

Exportações brasileiras

Se durar ainda por um tempo, a guerra no leste europeu também tende a reduzir a atividade econômica europeia, sobretudo dos países mais dependentes do gás natural fornecido pela Rússia, como a Alemanha. Com a redução da atividade econômica da Europa as exportações brasileiras devem sofrer uma queda.

“Se houver queda na atividade econômica europeia, que é uma possibilidade, isso tratá impacto negativo ao Brasil por a Europa ser grande compradora de produtos brasileiros. A Rússia também está entre os maiores consumidores de produtos brasileiros”, pontua Feldman.

“De qualquer forma, o conflito tem impacto sobre a economia mundial e será pelo lado da inflação, com queda na atividade econômica e juros mais altos em vários países”, acredita Silber.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Economia disse que “não irá se pronunciar sobre o assunto neste momento”.