Basta olhar o calendário. Dia 22 de fevereiro: o presidente Joe Biden faz um pronunciamento oficial na Casa Branca para anunciar a primeira rodada de sanções econômicas contra a Rússia. Elas atingem inicialmente duas grandes instituições financeiras e a dívida soberana do país. Dois dias depois, 24 de fevereiro: a Rússia invade a Ucrânia. Todos conheciam antecipadamente o roteiro, tanto que as sanções nasceram antes da invasão. E todos sabiam que ele daria errado. Pelo menos desde os anos 1990, quando o Ocidente e os EUA, em particular, assistiram à queda da ex-União Soviética. Ali surgiu a oportunidade de colocar todas as ex-repúblicas socialistas sob a Otan. Uma maneira de isolar o que restasse como Rússia.

A estratégia é equivalente a se aproximar mais e mais de um urso dormindo. Tinha tudo para dar errado. E deu. “Nenhum presidente norte-americano conseguiu realmente lidar com Vladimir Putin. Ele está no comando da Rússia desde 1999 e a partir dali foram várias tentativas, nenhuma realmente exitosa”, disse à DINHEIRO Richard van der Ploeg, que é diretor de pesquisa do Centro Oxford para Análise de Economias Ricas em Recursos, vinculado à universidade inglesa.

A reação de Putin era esperada no mínimo desde 2008, quando a então chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês Nicolas Sarkozy vetaram a entrada da Ucrânia na Otan. O russo sabia que a reação ocidental não viria em forma de luta aberta, por isso calculou que a guerra seria curta. Pelo lado de Washington, Biden não calculou que a dependência europeia de gás e petróleo russos e do mundo por alimentos (Ucrânia e Rússia respondem por 30% do trigo do planeta) poderiam fazer Moscou suportar as sanções por mais tempo que o imaginado. Para Emanuel Pessoa, doutor em Direito Econômico pela USP e mestre em Direito por Harvard, “a Rússia vem se preparando há um bom tempo para os custos das sanções e já as precificou antes de iniciar a invasão”. Pessoa afirma que a novidade é como se comporta o resto da economia mundial, e as premissas não são tão boas. “Há uma inflação generalizada e uma tensão mundial, e isso terá um grave efeito no custo de vida das pessoas.” Ele diz que enquanto Biden, Macron e companhia jogam damas, Putin joga xadrez.

NA PRÁTICA Na Rússia, o esvaziamento das prateleiras em supermercados (pela menor oferta de produtos) já era um efeito da guerra esperado por Putin. (Crédito:SOPA Images )

NA PRÁTICA O resultado dessa lambança estratégica foi divulgado no mais recente Outlook Economic da OCDE, divulgado dia 8. A previsão de crescimento do PIB global desacelerou e caiu de 4,46% em dezembro para 3,02%. Um abismo de -32%. “E permanecerá em ritmo semelhante em 2023”, afirma-se no documento. O planeta vai sofrer. Mas uma parte pobre do planeta vai sofrer ainda mais, a América Latina. Lia Valls é pesquisadora associada do FGV-Ibre e diz que o impacto da guerra e das incertezas ainda divide os especialistas. Mas apenas quando a pergunta trata de comércio exterior. Para a maioria (51,7%), as exportações vão crescer. Sobre as importações, a maioria (48,9%) disse que elas ficarão iguais. Quando a pergunta salta para crescimento do PIB e comportamento da inflação as respostas mudam de tom e se tornam mais sombrias. Para 47% o PIB vai ficar menor com a guerra e apenas 12,5% acreditam que melhore. Quanto ao aumento dos preços, 85,5% disseram que eles se elevarão por causa do conflito.

A estratégia de sanções rápidas para uma guerra curta não funcionaram e jogaram o mundo num período fragilizado. E se economicamente o erro de Biden foi brutal, politicamente também não ficou menor. Para Richard van der Ploeg, de Oxford, o que surpreendeu a Europa é que a liderança forte contra a Rússia não é de Biden, é de Volodimir Zelenski. “Essa é uma peça do xadrez que os americanos não esperavam que se movesse. A Europa se une para proteger a Ucrânia. Os EUA ajudam e suportam, mas não serão os protagonistas na luta contra Putin”, afirmou. O tiro do presidente americano saiu pela culatra até dentro de casa. Na mais recente pesquisa Reuters de aprovação, divulgada na terça-feira (14), ele chegou ao segundo nível mais baixo de seu mandato: 39% de aprovação e 56% de rejeição, só superior à aprovação de 36% com rejeição de 59% de 24 de maio.