Num país com as dimensões do Brasil, os valores e volumes envolvidos nas ações públicas de prevenção de doenças são colossais. Somente este ano, o Ministério da Saúde, chefiado por José Gomes Temporão, vai gastar R$ 1 bilhão com o Programa Nacional de Imunização. Será distribuída uma cesta de 120 milhões de doses de vacinas e os grandes grupos farmacêuticos vêem nisso um gigantesco filão de negócios. Neste exato momento, os laboratórios americanos Wyeth e Merck Sharp & Dohme fazem gestões para incluir no calendário oficial de imunização duas vacinas. O Merck tenta emplacar a Gardasil, contra o HPV, doença sexualmente transmissível que OCTÁVIO COSTA atinge principalmente mulheres adolescentes. E o Wyeth propõe a adoção universal da Prevenar, que combate doenças pneumocócicas de crianças, como meningite, pneumonia, sinusite e otite. As negociações estão em andamento – as do Merck um pouco mais avançadas – e o lobby é muito forte. Na terça-feira 18, passou por Brasília o gerente mundial de vacinas do Wyeth, James Connoly, acompanhado do presidente no Brasil, Victor Mezei. Os dois reuniram-se com Gerson Pena, secretário de Vigilância da Saúde, e saíram otimistas. “Nossa vacina já foi testada em 90 países e será adotada pelo governo brasileiro”, prevê Connoly.

Os dois dirigentes do Wyeth usam argumentos fortes. Advertem que dez crianças morrem diariamente no Brasil com problemas pneumocócicos. E informam que a Prevenar foi incorporada, com êxito, aos programas nacionais de imunização de 16 países, entre os quais Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, França e Austrália. Na América Latina, o Peru e a Costa Rica estão prestes a adotar a vacina. No Brasil, 100 mil doses anuais da Prevenar já são distribuídas pelo governo em centros de tratamento intensivo. A proposta da Wyeth é imunizar 3,5 milhões de crianças, com três doses no primeiro ano de vida e uma dose no segundo ano. Connoly reconhece que a Prevenar, que já é distribuída na África com apoio da Gates Foundation, tornou-se um grande negócio. Do faturamento anual do Wyeth, de US$ 20 bilhões, a Prevenar já responde por US$ 2,5 bilhões. Essa cifra vai aumentar se o governo brasileiro der seu aval, pois cada dose custa cerca de US$ 50. Connoly teme, porém, que o Ministério da Saúde não tenha recursos para adotar as vacinas simultaneamente. “Existem limitações orçamentárias”, admite.

No Ministério da Saúde, o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Reinaldo Guimarães, esclarece que não há qualquer disputa entre as vacinas do Wyeth e do Merck. “São problemas de saúde igualmente relevantes. O HPV é um dos principais responsáveis pelo câncer no colo de útero. E o pneumococo tem grave incidência sobre as crianças. Estamos realizando estudos sobre as duas vacinas”, explica ele. No caso da vacina do Merck, a avaliação do Instituto Nacional do Câncer está adiantada e indica que é de grande importância para as mulheres jovens brasileiras de vida sexual ativa. O problema maior para a Gardasil ser integrada ao Programa Nacional de Imunização, segundo Guimarães, é o preço alto. O diretor de comunicação do Merck, João Sanchez, discorda: “Estão considerando o preço de fábrica, que é de R$ 370 a dose. Mas é óbvio que o preço, no caso da inclusão no PNI, será diferente. Há margem ampla para negociar”. Quanto à Prevenar, o secretário explica que a inclusão no calendário ainda vai depender de se comprovar a eficácia da vacina. “Temos de avaliar se os recursos empregados vão efetivamente reduzir os riscos.” Quando se fala da adoção por outros países, Guimarães lembra que no Brasil o governo banca as despesas através do SUS. Ou seja, aqui a adoção de uma vacina é universal e não tem participação do setor privado. Mas Guimarães, com isso, não tira as esperanças dos dois laboratórios na fila: “Nada está decidido. Podemos adotar as duas vacinas, podemos adotar uma delas, ou nenhuma”.