É questão de tempo até a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China refletir na economia brasileira. O País, por ser um grande exportador de commodities, pode se beneficiar por um breve momento no vácuo deixado pelas taxações entre as duas potências. Porém, a longo prazo – e assim como para o resto do mundo -, as consequências serão negativas.

A guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo se agravou na segunda-feira (24), quando o governo americano começou a aplicar tarifas de 10% sobre produtos chineses no valor de US$ 200 bilhões por ano.

As tarifas americanas afetam todo tipo de produtos chineses, desde memórias para computadores até fotocopiadoras e caixas eletrônicos. As medidas de retaliação chinesas afetam 5.200 produtos americanos, incluindo gás natural liquefeito (GNL), componentes eletrônicos e preservativos.

Venda da soja pode ser beneficiadas com a briga entre os dois países

Exportações devem aumentar até 30%

De acordo com especialistas, as barreiras mútuas impostas entre EUA e China podem refletir em um crescimento de 30% nas exportações no Brasil a partir dos próximos meses. O aumento é justificado pela preferência do mercado chinês aos produtos nacionais, principalmente a soja e o minério de ferro, em comparação aos itens taxados dos norte-americanos.

“Este aumento depende dos acordos comerciais que o Brasil fizer. Dois fatores podem influenciar: a alta do dólar (e até onde ele vai chegar), e a capacidade de exportação do País”, afirma Alexandre Chaia, professor de economia do Insper.

Para Chaia, a alta nas exportações se limitará ao tempo do governo norte-americano tomar medidas para controlar a economia interna. No próximo ano, a taxação aos produtos chineses implicará no aumento da inflação nacional, e, subsequentemente, o aumento dos juros para combatê-la, afirma o especialista.

“Esse impacto vai ser passado em 2019 para 2020. Os países emergentes vão precisar subir os juros para conter a disparada do dólar e esse conjunto todo vai fazer com que economia mundial desacelere”, afirma.

Os reflexos da redução econômica serão sentidos por todo o mundo, diz o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Como consequência, o fluxo de comércio deverá despencar, justamente em um momento que vinha em franca ascensão.

“Há uma total integração do comércio. Quando se atinge um, se atinge todos, alguns mais e outros menos. Mas há uma preocupação com o que de fato pode vir a acontecer. O mundo hoje não está buscando reduzir o comércio, muito pelo contrário”, ressalta.

No último ano, a Organização Mundial do Comércio (OMC) registrou um crescimento de 4,7%, o melhor em seis anos. Para 2018, a expectativa era de 4,4%, porém, com a atual situação entre EUA e China, os número poderão ser revistos para baixo.

“As luzes de alerta estão piscando. Uma contínua intensificação das tensões representará uma ameaça adicional à estabilidade, aos empregos e ao tipo de crescimento que estamos vendo hoje”, disse o diretor-geral da OMC, Roberto Azevedo, em entrevista à agência de notícias Reuters.

O Brasil se apoiava nas exportações para conter a baixa nas vendas internas, afirma Castro. Com a redução do fluxo internacional, os reflexos devem ser ainda mais graves para a economia nacional.

“O Brasil não está preparado para uma guerra efetiva entre EUA e China. Ele apenas acompanha, mas não tem instrumento para que possa se prevenir em relação ao que possa acontecer”, afirma.

Para especialistas, gestão de Trump é a principal responsável pelo impasse

Uma guerra sem vencedores

Ainda é cedo para estimar até que ponto esse embate entre China e EUA refletirá na equação econômica mundial, afirmaram os analistas. No entanto, o que esta certo é que dificilmente um dos lados sairá como vencedor.

“Os EUA estão colocando em cheque as regras de um jogo que eles foram os principais arquitetos. E hoje ninguém tem a capacidade de substituir a liderança dos EUA”, afirma o professor de economia da Fundação Dom Cabral, Carlos Braga.

O presidente da AEB também vê no governo norte-americano a maior responsabilidade pela escalada de tensão entre os dois países. “O que se sentiu nas últimas semanas é que a China não quer brigar com os EUA. Quando os EUA colocavam sobretaxa de 10 a 20%, a China estava colocando de 5% a 10%.”

Para Castro, o cenário tende a piorar com a falta de interesse de ambos os lados em propor uma solução ao impasse. Para o Brasil, a queda na quantidade de demanda pode se tornar um perigo real com o prolongamento da briga.

Sem precisar data, o especialista afirma que a retração pode vir antes do esperado. “Pode acontecer ano que vem. Basta ter uma queda mais forte de um determinado produto para gera apreensão e cautela, e isso pode se transformar em retração”, diz Castro.

“Quando se tem queda de quantidade, para se recuperar o mundo tem que voltar a ter confiança. Principalmente para o Brasil, por ser um grande exportador de commodities e não ter nenhum controle sobre isso, seja sobre quantidade ou cotação.”