Quando o próprio governo estima que o desemprego no País poderá atingir 20 milhões de trabalhadores devido à Covid-19, é de se esperar que as medidas de estímulo à geração de vagas venha rápido. No que depende da equipe econômica, porém, não há pressa. A expectativa é liberar um plano de retomada das vagas de trabalho apenas no início de julho, quando já terão se passado quatro meses desde o início da pandemia. E o ministro Paulo Guedes corre sério risco de que a agenda positiva do governo conflita diretamente com o ponto mais agudo da crise do coronavírus, quando o número de mortes terá ultrapassado de 50 mil. Pelas previsões atuais, até que o plano de criação de empregos seja apresentado, as políticas de flexibilização do isolamento social adotadas por governadores e prefeitos terão elevado o ritmo do contágio da doença e afogado o sistema de saúde. Haverá mais problemas que hoje.

O aumento acelerado no número de desempregados está nas contas do secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar. “No Brasil a gente já estava com taxa de desemprego elevado. Presume-se que esse desemprego anterior possa aumentar entre 50% a 100% do que era a taxa anterior”, afirmou. Segundo Mattar, a confirmação sobre o número real só será verificada em julho, agosto. “Assim teremos uma noção mais clara do tamanho do estrago”. O próprio Messias chegou a dizer, durante uma live, que o País poderá gerar mais 10 milhões desempregados em decorrência da Covid-19. O presidente usou a cifra para atacar governadores, culpando os gestores estaduais e municipais como causadores desse número elevado.

As estimativas de desemprego recorde estão há pelo menos um mês com a equipe econômica, que até agora não desenhou um projeto de retomada. Segundo Paulo Guedes, “a primeira tentativa foi a manutenção [do emprego] por meio das Medidas Provisórias para incentivar as empresas a não demitirem”. Só que elas não deram o retorno esperado. Segundo o IBGE, a crise já produziu 1,3 milhão de desempregados e elevou em 4,5 milhões o número de subutilizados ao fim do trimestre terminado em abril.

EM BUSCA DE VAGAS Segundo o IBGE, a crise já produziu 1,3 milhão de desempregados
e elevou em 4,5 milhões o número de subutilizados ao fim do trimestre terminado em abril. (Crédito:Pedro Ladeira)

Segundo uma fonte ligada ao ministro Paulo Guedes, algumas cartas estão na mesa de debate, entre elas uma nova versão da Carteira Verde e Amarela, que foi lançada ano passado como alternativa mais “branda” para as regras da CLT. O objetivo seria baratear o custo da mão de obra como forma de incentivar os empresários a efetuar contratações assim que a pandemia arrefecer. Focada nos mais jovens, a carteira só poderia ser obtida pelas pessoas que irão entrar no mercado de trabalho. Para os empregadores, os benefícios envolvem isenção da contribuição que incide sobre os salários para bancar o modelo previdenciário atual.

Esse gatilho, também conhecido como capitalização da previdência, chegou a ser incluído no projeto inicial da reforma da Previdência ano passado, mas não foi aprovada no Congresso. O Legislativo manteve o regime de repartição, em que os trabalhadores em atividade contribuem para um fundo que banca os aposentados. Como se trata de uma mudança da Constituição, o governo estuda métodos de apresentar aos parlamentares um novo texto que abarque a capitalização para os mais jovens. “Essa medida seria bem vista pelo mercado, mas há muita resistência dos deputados, principalmente em ano eleitoral”, diz uma fonte próxima a ministro Paulo Guedes.

Na quarta-feira (3), Bolsonaro afirmou o interesse em revisitar a Carteira Verde e Amarela como forma de substituir o auxílio emergencial de R$ 600 pago em três parcelas, sem dar mais detalhes sobre quais cidadãos estariam aptos a aderir ao programa. Para o economista e doutor em Previdência pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Celso Couto, a medida de Guedes seria oportuna pela fragilidade econômica, mas ainda oferece um risco aos brasileiros que vão se aposentar em 50 anos. “Pode ser que haja mais condições de debater o tema, mas ele continua sendo prejudicial para o trabalhador”, disse. Nas contas do acadêmico, em média, um jovem que aderir ao programa com 16, pagando a própria aposentadoria, chegaria aos 60 anos com 45% do rendimento pelo regime de repartição. “Será um dilema no futuro, mas resolverá parte dos problemas imediatos do Brasil”, alerta.

“A gente já estava com taxa de desemprego elevado. Presume-se que esse desemprego anterior possa aumentar entre 50% a 100% “ Salim Mattar secretário de desestatização (Crédito:Washington Alves)

Uma mudança nesse perfil de aposentadoria seria um alívio para as contas públicas, principalmente porque desobriga o empregador de contribuição previdenciária e, na teoria, facilita a contratação de mão de obra, tirando a pressão do governo em garantir renda para população mais vulnerável ao desemprego. Para tentar conduzir essa política, o governo estaria, inclusive, negociando com sindicatos, abrindo a possibilidade de essas organizações gerirem os fundos de capitalização. Para o economista Roberto Loureiro, assessor técnico Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos deputados, o plano dispensaria, por exemplo, a necessidade de recriar uma CPMF e ainda assim compensaria a renúncia fiscal que o governo propõe com a modalidade de contratação.

A professora de economia da Unicamp, Marilane Teixeira, entende que a medida seria mais uma das dezenas do atual governo que prejudicam o trabalhador. “Guedes e Bolsonaro têm uma concepção moralista, conservadora, preconceituosa e retrógrada de achar que o problema para o crescimento do País são as pessoas, não a falta de política pública, de projeto de desenvolvimento”, afirma. “Eles colocam na conta do trabalhador problemas amplos de uma nação com histórico escravocrata”. A acadêmica ressalta ainda outro dado do IBGE: ao fim de abril, cerca de 5 milhões de trabalhadores informais haviam perdido a fonte de renda. Na avaliação de Fausto Augusto Junior, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) esse número causa preocupação e exige que medidas sejam tomadas para contenção de danos. Ele ressalta, no entanto, que o indicador de abril pegou apenas quinze dias de pandemia, o que significa que essa cifra já está bem maior. “Precisamos ficar alertas porque a taxa de desemprego cresceu mais nos estados mais pobres, entre os negros e jovens”, disse. O economista afirma que além da pandemia, o movimento de demissões já vinha ocorrendo, principalmente os de carteira assinada, processo que irá crescer nos próximos meses caso nada seja feito.

NOVA PROPOSTA Uso da Carteira Verde e Amarela poderia ser uma forma de rever o pagamento de auxílio emergencial pela Caixa Econômica. (Crédito:Erbs Jr.)

ROTA DE COLISÃO Se na teoria os projetos de estímulo ao emprego podem atender empresários, governos e sindicatos de classes, além de reparar parte do emprego perdido durante a pandemia, um fato determinante pode jogar por terra os planos de Guedes: a Covid-19. Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) o Brasil ainda não chegou ao pico da pandemia, que está prevista para acontecer, justamente, no período em que o governo vai lançar o programa de retomada do emprego, em cerca de 40 dias. Para economistas, como Sérgio Leitão de Sá, professor da Universidade de São Paulo, a chegada do pico da doença pode inviabilizar uma aprovação. “Primeiro porque haverá forte pressão da opinião pública, com a oposição mostrando os números altos da doença, segundo porque o estado de incerteza sobre o futuro estará em seu ponto mais alto, desestimulando empresários a contratar”, diz.

Na avaliação de Sá, o momento ideal seria agora. “Com São Paulo afrouxando as regras [de isolamento social], esse era o momento de apresentar um projeto de retomada do emprego. Mesmo que não mexesse na Constituição, ou na aposentadoria, algo teria que ser feito agora”, disse. Por enquanto o maior movimento em prol do emprego veio do Congresso, que pretende aumentar o período de isenção da folha de pagamento, medida que, sozinha, custará caro aos cofres públicos. “O governo perde a chance de contra atacar antes que a percepção negativa do presidente e equipe econômica aumentem”, afirma. Quando o assunto é a reação a uma crise sem precedentes, o governo mostra que tardar pode, sim, significar falhar.