05/06/2020 - 10:00
Quando o próprio governo estima que o desemprego no País poderá atingir 20 milhões de trabalhadores devido à Covid-19, é de se esperar que as medidas de estímulo à geração de vagas venha rápido. No que depende da equipe econômica, porém, não há pressa. A expectativa é liberar um plano de retomada das vagas de trabalho apenas no início de julho, quando já terão se passado quatro meses desde o início da pandemia. E o ministro Paulo Guedes corre sério risco de que a agenda positiva do governo conflita diretamente com o ponto mais agudo da crise do coronavírus, quando o número de mortes terá ultrapassado de 50 mil. Pelas previsões atuais, até que o plano de criação de empregos seja apresentado, as políticas de flexibilização do isolamento social adotadas por governadores e prefeitos terão elevado o ritmo do contágio da doença e afogado o sistema de saúde. Haverá mais problemas que hoje.
O aumento acelerado no número de desempregados está nas contas do secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar. “No Brasil a gente já estava com taxa de desemprego elevado. Presume-se que esse desemprego anterior possa aumentar entre 50% a 100% do que era a taxa anterior”, afirmou. Segundo Mattar, a confirmação sobre o número real só será verificada em julho, agosto. “Assim teremos uma noção mais clara do tamanho do estrago”. O próprio Messias chegou a dizer, durante uma live, que o País poderá gerar mais 10 milhões desempregados em decorrência da Covid-19. O presidente usou a cifra para atacar governadores, culpando os gestores estaduais e municipais como causadores desse número elevado.
As estimativas de desemprego recorde estão há pelo menos um mês com a equipe econômica, que até agora não desenhou um projeto de retomada. Segundo Paulo Guedes, “a primeira tentativa foi a manutenção [do emprego] por meio das Medidas Provisórias para incentivar as empresas a não demitirem”. Só que elas não deram o retorno esperado. Segundo o IBGE, a crise já produziu 1,3 milhão de desempregados e elevou em 4,5 milhões o número de subutilizados ao fim do trimestre terminado em abril.
Segundo uma fonte ligada ao ministro Paulo Guedes, algumas cartas estão na mesa de debate, entre elas uma nova versão da Carteira Verde e Amarela, que foi lançada ano passado como alternativa mais “branda” para as regras da CLT. O objetivo seria baratear o custo da mão de obra como forma de incentivar os empresários a efetuar contratações assim que a pandemia arrefecer. Focada nos mais jovens, a carteira só poderia ser obtida pelas pessoas que irão entrar no mercado de trabalho. Para os empregadores, os benefícios envolvem isenção da contribuição que incide sobre os salários para bancar o modelo previdenciário atual.
Esse gatilho, também conhecido como capitalização da previdência, chegou a ser incluído no projeto inicial da reforma da Previdência ano passado, mas não foi aprovada no Congresso. O Legislativo manteve o regime de repartição, em que os trabalhadores em atividade contribuem para um fundo que banca os aposentados. Como se trata de uma mudança da Constituição, o governo estuda métodos de apresentar aos parlamentares um novo texto que abarque a capitalização para os mais jovens. “Essa medida seria bem vista pelo mercado, mas há muita resistência dos deputados, principalmente em ano eleitoral”, diz uma fonte próxima a ministro Paulo Guedes.
Na quarta-feira (3), Bolsonaro afirmou o interesse em revisitar a Carteira Verde e Amarela como forma de substituir o auxílio emergencial de R$ 600 pago em três parcelas, sem dar mais detalhes sobre quais cidadãos estariam aptos a aderir ao programa. Para o economista e doutor em Previdência pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Celso Couto, a medida de Guedes seria oportuna pela fragilidade econômica, mas ainda oferece um risco aos brasileiros que vão se aposentar em 50 anos. “Pode ser que haja mais condições de debater o tema, mas ele continua sendo prejudicial para o trabalhador”, disse. Nas contas do acadêmico, em média, um jovem que aderir ao programa com 16, pagando a própria aposentadoria, chegaria aos 60 anos com 45% do rendimento pelo regime de repartição. “Será um dilema no futuro, mas resolverá parte dos problemas imediatos do Brasil”, alerta.
Uma mudança nesse perfil de aposentadoria seria um alívio para as contas públicas, principalmente porque desobriga o empregador de contribuição previdenciária e, na teoria, facilita a contratação de mão de obra, tirando a pressão do governo em garantir renda para população mais vulnerável ao desemprego. Para tentar conduzir essa política, o governo estaria, inclusive, negociando com sindicatos, abrindo a possibilidade de essas organizações gerirem os fundos de capitalização. Para o economista Roberto Loureiro, assessor técnico Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos deputados, o plano dispensaria, por exemplo, a necessidade de recriar uma CPMF e ainda assim compensaria a renúncia fiscal que o governo propõe com a modalidade de contratação.
A professora de economia da Unicamp, Marilane Teixeira, entende que a medida seria mais uma das dezenas do atual governo que prejudicam o trabalhador. “Guedes e Bolsonaro têm uma concepção moralista, conservadora, preconceituosa e retrógrada de achar que o problema para o crescimento do País são as pessoas, não a falta de política pública, de projeto de desenvolvimento”, afirma. “Eles colocam na conta do trabalhador problemas amplos de uma nação com histórico escravocrata”. A acadêmica ressalta ainda outro dado do IBGE: ao fim de abril, cerca de 5 milhões de trabalhadores informais haviam perdido a fonte de renda. Na avaliação de Fausto Augusto Junior, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) esse número causa preocupação e exige que medidas sejam tomadas para contenção de danos. Ele ressalta, no entanto, que o indicador de abril pegou apenas quinze dias de pandemia, o que significa que essa cifra já está bem maior. “Precisamos ficar alertas porque a taxa de desemprego cresceu mais nos estados mais pobres, entre os negros e jovens”, disse. O economista afirma que além da pandemia, o movimento de demissões já vinha ocorrendo, principalmente os de carteira assinada, processo que irá crescer nos próximos meses caso nada seja feito.
ROTA DE COLISÃO Se na teoria os projetos de estímulo ao emprego podem atender empresários, governos e sindicatos de classes, além de reparar parte do emprego perdido durante a pandemia, um fato determinante pode jogar por terra os planos de Guedes: a Covid-19. Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) o Brasil ainda não chegou ao pico da pandemia, que está prevista para acontecer, justamente, no período em que o governo vai lançar o programa de retomada do emprego, em cerca de 40 dias. Para economistas, como Sérgio Leitão de Sá, professor da Universidade de São Paulo, a chegada do pico da doença pode inviabilizar uma aprovação. “Primeiro porque haverá forte pressão da opinião pública, com a oposição mostrando os números altos da doença, segundo porque o estado de incerteza sobre o futuro estará em seu ponto mais alto, desestimulando empresários a contratar”, diz.
Na avaliação de Sá, o momento ideal seria agora. “Com São Paulo afrouxando as regras [de isolamento social], esse era o momento de apresentar um projeto de retomada do emprego. Mesmo que não mexesse na Constituição, ou na aposentadoria, algo teria que ser feito agora”, disse. Por enquanto o maior movimento em prol do emprego veio do Congresso, que pretende aumentar o período de isenção da folha de pagamento, medida que, sozinha, custará caro aos cofres públicos. “O governo perde a chance de contra atacar antes que a percepção negativa do presidente e equipe econômica aumentem”, afirma. Quando o assunto é a reação a uma crise sem precedentes, o governo mostra que tardar pode, sim, significar falhar.