O ministro da Economia, Paulo Guedes, descartou ontem o uso de recursos de precatórios (dívidas que o governo tem de pagar por determinação da Justiça) para financiar o Renda Cidadã, programa social que o presidente Jair Bolsonaro quer colocar de pé até o fim do ano. Depois das críticas de investidores, Congresso e órgãos de controle que viram a estratégia como “pedalada”, as discussões do substituto do Bolsa Família voltaram praticamente à estaca zero e há avaliação de líderes do Congresso de que a votação deve ficar para 2021.

Na segunda-feira, após uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro e ministros, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), vice-líder do governo e relator da chamada PEC emergencial, anunciou, ao lado de Guedes, que a proposta de emenda à Constituição a ser enviada ao Congresso previa o financiamento do Renda Cidadã com recursos do Fundeb (fundo da educação básica) e com verbas reservadas no Orçamento para pagamentos de precatórios.

O descarte dos precatórios aconteceu menos de dois dias depois do anúncio tumultuado após a reunião no Palácio da Alvorada com líderes dos partidos. Agora crítico da proposta, Guedes estava ao lado de Bittar, sem reclamar e nada falar contra o modelo de financiamento. Essa mudança de posicionamento causou estranheza entre os investidores e serviu para alimentar as incertezas em torno do Renda Cidadã.

Ontem, Guedes disse entender que os precatórios são “dívida líquida e certa” e acrescentou que o governo “vai pagar tudo”. Mas disse que é preciso examinar quando há despesas “subindo explosivamente”. “Não para financiar programas, que não é regular, não é uma fonte saudável, limpa, permanente, previsível. Mas é natural, se estamos querendo respeitar teto, passar uma lupa em todos os gastos”, disse. Os precatórios são dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça – quando alguém ganha um processo na Justiça contra um ente público e tem valores a receber, passa a ter um precatório e entra na fila do pagamento.

Vacina

Guedes afirmou que deu essas explicações para “baixar o barulho”. Nos últimos dias, a possibilidade de limitar o pagamento de precatórios, citada por Bittar, gerou críticas de analistas e resultou na queda da Bolsa de Valores e no aumento na cotação do dólar. Depois da repercussão negativa do anúncio no mercado financeiro e no meio político, assessores próximos ao presidente passaram a defender uma mudança no programa.

Após a má recepção do modelo proposto de financiamento do novo programa, anunciado por Bolsonaro e Guedes como resultado de um acordo com os líderes partidários do Congresso, o presidente vai passar a dizer que tentou ampliar a rede de proteção aos mais vulneráveis, mas não conseguiu – uma espécie de “vacina” para caso o Renda Cidadã não sair do papel.

Bolsonaro, no entanto, rejeitou sugestão anterior da equipe econômica, que incluía cortes de benefícios sociais e congelamento de aposentadorias e pensões. Ele também não demonstrou empenho na aprovação de reformas, como a administrativa, que poderiam abrir espaço no Orçamento para novos gastos.

Para integrantes da equipe econômica, é preciso retomar a discussão do cardápio de medidas antigas, de corte de despesas, reformulação de programas como o abono salarial (benefício de até um salário mínimo pago a quem ganha até dois pisos) e insistir no chamado pacote DDD, as medidas de desindexação (retirada de correções automáticas de gastos), desvinculação (retirada dos “carimbos” das despesas) e desobrigação do Orçamento. Uma das medidas era congelar as aposentadorias e pensões. Foi Bolsonaro que interditou essa proposta com o discurso de “não tirar dos pobres para dar a paupérrimos” e agora está sendo aconselhado a voltar atrás e fazer ajustes.

Fontes envolvidas nas negociações já falam abertamente que a definição do financiamento do Renda Cidadã deve acabar ficando para 2021, mesmo com a sua criação incluída numa Proposta de Emenda Constitucional (PEC). A proximidade das eleições e o cenário belicoso na Câmara e no Senado dificultam as negociações.

Pivô das críticas disparadas contra o novo formato de financiamento do Renda Cidadã, o adiamento de precatórios foi a saída dada pelos parlamentares a uma alternativa considerada ainda pior pela equipe econômica: deixar o novo programa social totalmente fora do teto de gastos. O mecanismo é considerado pela equipe de Guedes hoje uma “superâncora” para manter a credibilidade dos investidores no ajuste das contas públicas. Qualquer drible na regra pode significar um custo ainda maior para o País seguir se financiando, algo crítico num momento em que a dívida se aproxima de 100% do PIB (ontem, o BC divulgou que o indicador a fechou agosto em 88,8% do PIB).

Segundo um integrante da equipe econômica, a ideia dos parlamentares era “furar o teto mesmo”, criando uma espécie de “Fundeb 2”, em referência ao fundo da educação básica.

Reunião

O impasse em torno do programa gerou mal-estar em reunião convocada de última hora no Palácio do Planalto. O recuo de Guedes foi criticado pelos líderes do governo no Congresso porque o ministro acompanhou as discussões do modelo do programa e aceitou as condições. O maior desgaste foi com o relator Marcio Bittar (MDB-AC) que insistiu na medida mesmo após as críticas.

Ontem, em reunião com representantes do mercado financeiro, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defendeu que o uso dos recursos dos precatórios é necessário para não furar o teto de gastos. “Não há parto sem dor”, disse.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.