Os escândalos deflagrados em empresas estatais nos últimos anos despertaram suspeição por parte do povo brasileiro. Não foram poucas as companhias públicas que, ao serem acusadas de aparelhamento político, viram seu modelo de gestão colocado em xeque. O Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) não passou ileso por essa crise de reputação. Em meados de 2016, quando Michel Temer (MDB) assumiu a presidência da República, a estatal acumulava problemas como denúncias de vazamento de dados e prejuízos que chegavam a R$ 310 milhões. Foi diante desse cenário caótico que Maria da Glória Guimarães foi nomeada diretora-presidente da companhia, em 23 de maio de 2016. A mudança surtiu efeito.

Maria da Glória recolocou o Serpro no prumo. Durante sua gestão, a empresa acelerou os investimentos em tecnologia e inovação e diversificou a carteira de negócios. Com isso, o Serpro colheu ótimos resultados em 2018, com receita de R$ 2,7 bilhões, um aumento de 13,96% se comparado a 2017; e lucro líquido de R$ 459,70 milhões, avanço de 273,41% em relação ao ano anterior. A robustez vista nos números fez com que a empresa garantisse a liderança do ranking setorial de Serviços Públicos do anuário AS MELHORES DA DINHEIRO 2019.

Fundado em 1964 pelo Ministério da Fazenda, para gerir o processamento de dados da Receita Federal, o Serpro ganhou relevância a nível nacional com o passar dos anos. Hoje, a estatal controla mais de 3 mil sistemas de informação que incluem a declaração do imposto de renda, a emissão de passaportes e carteiras de motoristas, o pagamento do Bolsa Família e os registros sobre veículos roubados ou furtados no País. Talvez você não saiba, mas toda a tecnologia para o armazenamento desses dados passa pelo Serpro. Uma nova modalidade de atuação, no entanto, tem ganhado cada vez mais espaço no portfólio da companhia.

Caio Mario Paes de Andrade / Empresa: SERPRO / Cargo: presidente / Principal realização da gestão: criação do Serprolabs para desenvolver novas tecnologias e parceria com empresas privadas (Crédito:Divulgação)

Para não ficar tão dependente dos serviços voltados ao governo, o Serpro passou a desenvolver softwares que atendessem às necessidades da iniciativa privada. Um exemplo disso é o Datavalid, sistema que utiliza as bases originais do governo federal para validar dados de pessoas físicas e jurídicas. O intuito do serviço, utilizado atualmente por 37 empresas, é reduzir fraudes de identidade e agilizar o processo de confirmação de informações para bancos, locadoras de veículos e redes varejistas que trabalham com a concessão de crédito. Hoje, alguns dos parceiros são os bancos Original e Votorantim, a Uber e a rede de lojas Havan.

Para desenvolver acordos com a iniciativa privada e romper as barreiras tradicionais para uma estatal, a companhia lançou, em 2018, o SerproLabs, um espaço de inovação físico para estimular o desenvolvimento de novas tecnologias. “O Serpro sempre foi, como uma empresa de governo, muito impermeável, fechado e pouco participativo, mesmo sendo muito inovador. Agora, nós estamos abrindo-o um pouco mais, fazendo hackatons e trabalhando com startups”, diz Caio Mario Paes de Andrade, que assumiu a presidência do Serpro no início de 2019. “Vamos oxigenar o Serpro com novas ideias e mostrar para o mercado, para as startups e para a sociedade que aqui também se faz muita inovação”.

Para Pietro Delai, analista da consultoria americana IDC, a busca por inovação deve ser uma constante a ser seguida pela estatal para competir em pé de igualdade com outras gigantes do mercado de tecnologia da informação. “O Serpro é um player robusto, que tem passado por uma profunda personalização, mas ainda não se sabe o quanto ele pode absorver fora dessa área governamental”, afirma. “Os mercados de serviços de TI e o de soluções para cloud já contam com concorrentes estruturados e com poder para investir. Esse será um dos desafios”, aponta Delai.

Se Maria da Glória encontrou uma empresa em estado de tempestade perfeita em 2016, pode-se dizer que Paes de Andrade assumiu o Serpro num verdadeiro céu de brigadeiro. A prova desse turnaround é de que a companhia obteve pontuação máxima na categoria Sustentabilidade Financeira, deixando para trás a DataPrev, vencedora da última edição do prêmio. Além dos valores já citados, ressalta-se que a riqueza gerada por cada um de seus mais de 9 mil funcionários passou de R$ 392,66 mil em 2017, para R$ 462,16 mil em 2018. “Estamos melhorando a nossa oferta para o Estado e desenvolvendo mais produtos e serviços para a iniciativa privado. Isso vai nos permitir a continuar crescendo de maneira sólida para o setor público e de uma maneira exponencial para o setor privado”, diz Paes de Andrade.

Escolhido a dedo pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, Paes de Andrade tem carreira feita no setor privado. Formado em Comunicação Social pela Universidade Paulista, com pós-graduação em Gestão pela Harvard University e Mestrado em Administração de Empresas pela Duke University, o executivo foi um dos pioneiros a surfar no mercado da internet brasileira. Foi presidente da PSINet Brasil, em 1999, e fundou diversas empresas de tecnologia, como a aceleradora WebForce Networks, no começo dos anos 2000.

Uma de suas missões no Serpro é preparar a estatal para uma privatização. “Os estudos para uma eventual privatização do Serpro começam em breve, ainda este ano, e serão conduzidos pelo BNDES”, afirma. “O programa de privatização do governo pretende deixar o Estado mais leve, mas preservando o valor das companhias e os ativos que, no fim do dia, são os dados dos cidadãos”. Para Delai, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPDP), que começa a valer no segundo semestre de 2020, protegerá essas informações. “Esses dados são do povo sob a gestão do governo federal, não de uma entidade privada. A privacidade tem que ser garantida, qualquer que seja o provedor que o governo adote”, explica. A única coisa certa é que para aqueles que desacreditam da gestão pública, o Serpro mostra que é exemplo a ser seguido.