Pouco menos de uma semana. Esse foi o período de duração da negociação entre Cia. Hering e Grupo Soma. O anúncio de compra, por R$ 5,1 bilhões, marcou um novo capítulo – de um livro cada vez mais encorpado – do varejo de moda do Brasil. Essa tendência de fusões e aquisições do segmento tem como base a pulverização do mercado de moda no País e o impacto negativo sofrido pelo setor durante a pandemia, que atingiu empresas menores ou que já passavam por um momento financeiro complicado. A novidade do episódio, na visão de especialistas do mercado, foi a rapidez da negociação entre o grupo detentor de marcas como Animale e Farm com a centenária Hering. Embora tudo tenha sido acordado em menos de uma semana, Fabio Hering, CEO da marca que leva o nome da família, afirmou que a relação de proximidade e identificação com Roberto Jatahy, CEO do Grupo Soma, é de longa data. “Quando nos conhecemos, há mais de cinco anos, comentei com o conselho que poderia ter encontrado um candidato a meu sucessor”, disse Hering, durante conferência com investidores na segunda-feira (26). “Isso demonstra a forte ligação sem compromisso que já existia.”

A aquisição colocou o grupo na quarta posição das maiores companhias do varejo de vestuário do País. Juntando R$ 1,45 bilhão do Soma com o R$ 1,24 bilhão da Hering em 2020, o faturamento da nova companhia alcança R$ 2,7 bilhões. A líder do ranking, segundo a plataforma de análises financeiras Eikon, é a Renner, com R$ 6,6 bilhões de faturamento em 2020. Em seguida está a Guararapes, controladora da Riachuelo, com R$ 4,3 bilhões de receita, e, em terceiro, a C&A , com R$ 4 bilhões. Com a união, o Grupo Soma ultrapassa a Marisa (R$ 2,1 bilhões) e a Arezzo (R$ 1,7 bilhão, sem levar em conta a compra da Reserva).

Em unidades, o crescimento também é grande. Agora são 1.042 lojas, somando as 264 unidades do Soma com as 778 da Hering no País. Para Jatahy, a transação traz o Grupo Soma para um segmento em que não atuava, agregando o mercado mais abrangente à linha premium em que atua a dona das marcas Animale e Farm. “Saímos do vestuário AB, mercado com faturamento aproximado de R$ 30 bilhões no Brasil, para entrar no mercado de vestuário consolidado, que fatura aproximadamente R$ 110 bilhões”, afirmou o executivo.

FORA DA FAMÍLIA Pela primeira vez em 140 anos, Hering deixará de ter um herdeiro no comando das operações. Sucessão acaba com Thiago Hering (de pé) e o pai, Fabio Hering. (Crédito:Divulgação)

MAIS ESPAÇO Especialistas afirmam que ainda há espaço para mais aquisições no mercado da moda. Para Danniela Eiger, analista de varejo da XP Inc., a fragmentação do segmento está entre os motivos de intensificação dessa tendência. “A Renner é a maior companhia e tem somente 7,5% de market share”, disse. “Há bastante espaço para acelerar essa consolidação.” Essa aceleração, na opinião da consultora, é impulsionada pelo momento atual do mercado, com grandes grupos capitalizados e pequenas empresas enxergando oportunidades de crescimento e integração a ecossistemas maiores.

Entre os últimos anúncios estão a compra de 70% da Uni.Co, dona das marcas Imaginarium e Pucket, pela Americanas, e a aquisição da Reserva pela Arezzo&Co. A companhia de calçados chegou, inclusive, a fazer oferta de R$ 3,5 bilhões pela Hering. Mas a proposta foi recusada com o argumento de que ‘não atendia ao melhor interesse da companhia e dos acionistas’. Dias depois, a varejista com 140 anos no mercado anunciou o acordo com o Grupo Soma. Outra movimentação bastante esperada pelo mercado é da Renner, a líder no segmento de vestuário do País. O interesse é motivado pelo anúncio de intenção de aquisições após oferta de ações.

E o mercado deve se acostumar com essas movimentações de compras e fusões, que devem se intensificar ainda mais neste ano. É o que aposta Eduardo Tomiya, CEO da consultoria TM20 branding. “Existe uma demanda reprimida no segmento de moda e que deve ser recuperada no período”, afirmou. “Essas aquisições combinam a boa expectativa das empresas para o segundo semestre com a necessidade de ser competitivo dentro do mercado.” Para Alberto Serrentino, consultor de varejo da Varese Retail, a aquisição da Hering será positiva para o Grupo Soma. “Existe um encaixe entre os dois negócios e que agora será melhor trabalhado”, disse.

PARCERIAS Empresas planejam colaborações entre Farm, principal marca do Soma, e Hering. (Crédito:Divulgação)

Nesse aspecto, o especialista destaca a maturidade digital do Grupo Soma, que deve colaborar para a aceleração on-line, já iniciada, da Hering. Na outra via, a companhia centenária repassa a força que possui no atacado e disponibiliza uma indústria robusta que deve beneficiar os negócios do Grupo Soma. Durante o anúncio de aquisição, Jatahy apresentou o planejamento de disponibilizar área de estamparia para a Hering e dar início ao processo de sinergia, que vai desde colaborações da Hering com a Farm, principal marca do Grupo Soma em faturamento (R$ 614,4 milhões, cerca de 42% da receita total), até parcerias entre Fábula e Hering Kids, as linhas infantis das companhias.

A previsão é de que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) analise o pedido de compra até o fim de junho. Na negociação, o pagamento dos R$ 5,1 bilhões será dividido em ações do Grupo Soma (R$ 3,64 bilhões) e dinheiro em caixa (R$ 1,5 bilhão). No novo cenário, Fabio Hering deixa o cargo de CEO da Cia. Hering para assumir a presidência do conselho do Grupo Soma. Seu filho, Thiago Hering, assume a presidência da Hering. Roberto Jatahy permanece como CEO do Grupo Soma. A continuar nesse ritmo, o horizonte é de muita troca de roupa no varejo de moda brasileiro.