Mais movimentados do que de costume, os supermercados, os postos de combustível e as distribuidoras de botijão de gás prenunciavam no último fim de semana de janeiro que algo estava por vir. E veio. Na segunda-feira (1º), caminhoneiros bloquearam algumas das mais importantes rodovias do País – desde a BR-304, no Rio Grande do Norte, até a Rodovia Castello Branco, em São Paulo. O levante acendeu o sinal de alerta sobre a insatisfação de parte da categoria com a política de preços do óleo diesel e a falta de fiscalização do valor do frete, duas bandeiras de campanha de Jair Bolsonaro. “A situação está tão difícil, ou até pior, do que na última paralisação”, afirmou Wallace Landim, presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava). Apesar do clima tenso, o que se desenhava como um tiro de canhão contra o governo foi só um tiro de festim. As entidades que lideraram o movimento disseram que o protesto foi um alerta. “Na campanha, Bolsonaro atacava o preço dos combustíveis, o custo do pedágio e a indústria das multas. Agora, queremos que as promessas sejam cumpridas”, disse Landim.

A insatisfação tende a aumentar nas próximas semanas, com a alta prevista para o diesel e a gasolina. O mais recente levantamento da Ticket Log constatou que o preço do diesel subiu 2,3% em janeiro, a terceira alta consecutiva, com o litro comercializado a R$ 3,93. De janeiro do ano passado até agora, ele ficou 15,5% mais caro. “O diesel comum está cada vez mais próximo dos R$ 4”, disse Douglas Pina, Head de Mercado Urbano da Edenred Brasil.

VIAGEM CADA VEZ MAIS CARA Variação do preço do combustível atrelado ao mercado externo fez com que o valor do diesel subisse 15% em um ano. O governo estudou reduzir impostos, mas a conta não fecha — e novos aumentos virão. (Crédito:Eduardo Anizelli)

A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e sindicatos anunciaram união aos colegas transportadores e afirmaram que usar o preço internacional como parâmetro de valores no Brasil é abusivo. O presidente Bolsonaro chegou a falar em reduzir os impostos sobre o diesel para aliviar o bolso dos trabalhadores e compensar a alta de 4,4% do preço do combustível, mas recuou ao ser alertado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que retirar impostos agravaria a situação fiscal. Ele também foi alertado pelo presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, que qualquer movimento populista de interferência nos preços dos combustíveis prejudicará a estatal.

Cada centavo na redução do PIS/Cofins sobre o diesel impacta em R$ 800 milhões as contas públicas, que já estão no vermelho há seis anos. Na avaliação de Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, o impasse está instalado. “A categoria recebeu a solidariedade de Bolsonaro em 2018, agora, eles se sentem traídos”, afirmou.

A exemplo do que ocorre com os petroleiros e parte dos caminheiros, os funcionários dos Correios rascunham uma nova greve para 2021, enquanto se aproxima a provável privatização da estatal. Depois da paralisação nacional em setembro passado, entidades ameaçam cruzar os braços novamente caso o plano de privatização reduza direitos e não proporcione estabilidade para a categoria. Segundo o presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas dos Correios e Similares (Fentec), José Rivaldo da Silva, “haverá resistência sem precedentes se o governo seguir com sua política de vender os Correios.”

VAI AJUDAR OU NÃO? O auxílio aos motoristas de caminhão foi uma promessa do candidato Bolsonaro. A categoria quer que ele cumpra. (Crédito:Mateus Bonomi)

CALMA, LÁ A tentativa de pressionar o governo a cumprir promessas de campanha só não foi mais forte porque, diferentemente do que ocorreu em 2018, a entidades que representam os transportadores não aderiram. A Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), se disse “frontalmente contrária a toda e qualquer paralisação.” Entidades como a Confederação Nacional dos Caminhoneiros e Transportadores Autônomos (Conftac) e a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) divulgaram nota afirmando que o movimento não era oportuno, “apesar de a categoria sofrer com os altos preços do combustível”. Contrária aos aumentos, a Abrava também informou que não entraria na paralisação, já que alguns grupos aproveitam o movimento de luta para incluir pautas como fora Bolsonaro e João Doria. “Estão tentando utilizar a categoria de caminhoneiros como massa de manobra”, afirmou a Abrava, em nota. Foi o que Bolsonaro fez durante a campanha de 2018.