Ao longo de 2002, o nome de Eugênio Staub esteve mais estampado na seção de política do que nas páginas econômicas de jornais e revistas. Primeiro empresário de peso a apoiar publicamente a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, Staub envolveu-se numa polêmica com o colega ?serrista? Antônio Ermírio de Moraes, freqüentou as listas de ministeriáveis e figurou na relação de homens influentes do governo petista. Nunca o nome de Staub esteve em tanta
evidência ? e nunca ele esteve tão ausente de sua empresa, a Gradiente. Mas embora a figura de quase dois metros de altura
fosse pouco vista pelos escritórios da companhia, ele armava silenciosamente uma revolução cujos frutos começam a aparecer.
Nos últimos meses, Staub contratou executivos de renome no mercado de eletroeletrônicos, desenvolveu mais de 50 novos
produtos para lançar ao longo de 2003 e começou a ensaiar passos rumo ao exterior. Em quatro anos, Staub pretende colocar a Gradiente em um patamar inédito para depois recolher-se ao conselho de administração e se afastar do dia-a-dia da empresa fundada por seu pai. ?Ninguém acredita em minha aposentadoria, mas eu estou decidido. Há empresários que querem trabalhar na empresa até o último dia de sua vida?, diz Staub. ?Pode ser divertido para eles, mas não é bom para o negócio.?

O balanço da companhia nos últimos anos também é um forte
estímulo para as mudanças. Os indicadores têm melhorado, mas
estão longe de encher os olhos dos analistas. Em 2002, o prejuízo atingiu R$ 15,8 milhões, para uma receita de R$ 531 milhões. A geração de caixa foi negativa, de R$ 24,8 milhões, o que significa
que a empresa gastou mais para fabricar os produtos do que arrecadou na hora de vendê-los. ?Os números mostram que a Gradiente tem desempenho operacional problemático?, diz Daniel Pasquale, analista do Banco Fator. Os investidores perceberam e ?abandonaram os papéis nos pregões?, como diz Pasquale. Seu valor de mercado é de R$ 53 milhões. ?Só a marca vale muito mais do que isso?, afirma o analista. ?O anúncio das mudanças é um fato positivo, pois revela que a direção está ativa.? Para ele, a Gradiente sofre com o binômio dólar alto (que eleva os custos dos componentes) e demanda baixa (que inibe as vendas).

Há duas frentes de batalha para atacar esses problemas. De um lado, a Gradiente reforçou a área de pesquisa e desenvolvimento para depender menos da importação. O número de pesquisadores foi multiplicado por quatro. No Instituto Genius, fundação patrocinada pela empresa, o quadro de cientistas saltou de 70 para 120 pessoas. Até o fim de 2004, mais de 80% do conteúdo tecnológico será gerado dentro da empresa, contra o índice atual de 50%.

Na outra frente, a Gradiente pretende inundar as prateleiras com novos produtos. Em áreas como a de áudio o foco será na renovação. Equipamentos de som com função de home theater, aparelhos que unem DVD e videocassete, revestimentos sofisticados e design arrojado marcarão os lançamentos dos próximos meses. Para os televisores, os planos são mais ambiciosos. A Gradiente só oferecia aparelhos com telas de 29 polegadas. Agora, o portfólio está sendo ampliado e abrigará desde as populares telas de 14 polegadas até três modelos de monitores de plasma. ?Teremos opções de R$ 499 a R$ 120 mil?, diz Nelson Wortsman, diretor geral da área de multimídia da Gradiente. Wortsman é um dos executivos recentemente contratados pela Gradiente. Em seu currículo, destacam-se passagens bem-sucedidas pela Sharp (quando a empresa era viva e ganhava dinheiro) e pela CCE. Na Gradiente, sua missão é revitalizar a presença da empresa no mercado de som e imagem. ?Só com escala continuaremos competitivos. Ninguém sobrevive com apenas um modelo de TV.? A área comandada por Wortsman é responsável por 80% do faturamento da Gradiente. Trata-se do mais importante mercado para a empresa. Por isso, Staub dedica especial atenção a um tema que dará o tom do setor nos próximos anos, a TV digital. Ele é um dos mais ardorosos defensores de um sistema desenvolvido no Brasil. (leia entrevista na página anterior)

Ao mesmo tempo, porém, Staub procura diminuir a dependência em relação ao mundo do som e da imagem. A mais importante jogada nesse sentido é o retorno ao mercado de celulares, do qual a Gradiente está praticamente afastada desde o final de 2000. Na ocasião, Staub fechou o maior negócio de sua carreira e vendeu por US$ 400 milhões sua fábrica de celulares para a Nokia. Pelo acordo, a Gradiente ficou impedida de vender, durante dois anos, produtos para as operadoras de telefonia, as grandes consumidoras do setor. O prazo de proibição esgotou-se em novembro de 2002. A companhia trouxe de volta Sidnei Brandão, o mesmo executivo que levou a marca a uma participação de 30% nas vendas de aparelhos no Brasil. Aos 47 anos, Brandão é um sujeito falante e bem humorado, mas se retrai na hora de comentar a estratégia para voltar aos bons tempos. Limita-se a se referir a uma certa ?sinergia na logística?. Em bom português: a empresa vai aproveitar a estrutura de distribuição de televisores e aparelhos de som para colocar mn celulares no varejo, poupando as operadoras desse trabalho. A maioria dos outros fabricantes teria dificuldade em oferecer a mesma vantagem, já que vendem só celulares.

A reestréia na telefonia móvel acontece em alto estilo. Em abril, chegou às lojas o Partner, que une celular e computador de mão em um único aparelho. Até o final do ano, três modelos com tecnologia GSM chegarão ao mercado. No mais, Brandão despista e dá pistas. ?Estamos estudando se vamos oferecer CDMA?, diz ele. ?No caso do TDMA, é bom lembrar que em 2002 faltou um milhão de unidades no mercado.? Brandão pretende conquistar 10% das vendas. Pode parecer uma meta distante, mas nada comparado ao mais arrojado projeto em que Staub se envolveu. Meses atrás, um contêiner carregado de DVDokês foi despachado para Miami, nos Estados Unidos. O público-alvo é a comunidade hispânica no País. É a primeira iniciativa da empresa no mercado externo. ?Nossa idéia é levar a marca para fora do País?, diz Staub. ?A partir dessa experiência, vamos estudar a possibilidade de exportar para a América Latina. Temos uma das marcas mais poderosas no Brasil e podemos levá-la para outros mercados.?

?Economizaremos US$ 1 bilhão?

 

  

Criar um sistema brasileiro de TV digital não seria reinventar a roda?
Com sistema próprio, o País economizaria US$ 1 bilhão em pagamento de royalties no prazo de 30 anos. Haveria também a geração de empregos.

Não seria um projeto caro?
Não precisaríamos de mais de R$ 100 milhões para desenvolver o sistema brasileiro. Temos capacidade para isso.

Os críticos dessa idéia dizem que um sistema brasileiro não daria escala à indústria…
Um sistema conjunto com Índia e China seria uma resposta. Mas se isso não for possível, tudo bem. A América Latina tende a seguir o Brasil. Na América do Sul, só Brasil e Argentina fabricam tevês. Seria mais lógico para os demais países seguir o mesmo padrão utilizado por brasileiros e argentinos.

Fabricantes de videocassete que apostaram em sistemas diferentes do VHS se deram mal. O Brasil não pode cometer o mesmo erro?
Não. A novidade na TV digital está no software e não no equipamento. A adaptação de conteúdo gerado em outros países é relativamente simples. Há uma descrença na capacidade do Brasil de gerar tecnologia. A Embraer está aí para desmentir esse temor.

Há quem fale que a Gradiente seria a grande beneficiária de um sistema exclusivamente brasileiro…
Bobagem. Todos os fabricantes teriam acesso à tecnologia. Quem ganha é o País e o consumidor, que pagará menos para ter uma tecnologia moderna.