Historicamente, as manifestações de rua na Argentina são muito mais frequentes e ruidosas do que no Brasil. É comum turistas em Buenos Aires presenciarem panelaços (conhecidos localmente como cacerolazos) em praças e avenidas. Em Brasília, é mais raro. No fim de de dezembro, milhares de argentinos protestaram contra a reforma da Previdência do governo Macri. Em vão. Apesar da enorme pressão dos sindicatos e da violência gratuita, com mais de cem feridos, incluindo policiais, os deputados aprovaram as novas regras por 128 votos a favor, 116 contra e uma abstenção. Na prática, o presidente Mauricio Macri conseguiu o que o presidente Michel Temer vem tentando há meses: melhorar a trajetória fiscal da previdência. Curiosamente, no Brasil, os protestos contra a reforma têm sido bem menos expressivos e, mesmo assim, os parlamentares não aprovam as mudanças. Por quê?

PROTESTO RUIDOSO: Milhares de argentinos se manifestaram contra a reforma da Previdência apresentada pelo presidente Mauricio Macri (à esq.) (Crédito:Divulgação)

Para responder a essa pergunta, talvez seja preciso fazer outra: por que os brasileiros protestam menos que os argentinos? Muitos historiadores defendem, por exemplo, a tese de que a repressão militar na Argentina foi muito maior do que no Brasil, o que explicaria uma tendência a constantes revoltas populares. Há também uma questão geográfica, que facilita as mobilizações dos hermanos. A sede do governo argentino fica na capital Buenos Aires, que é a cidade mais populosa. Já Brasília fica a mil quilômetros da megalópole São Paulo, o que dificulta grandes manifestações na capital federal. Sendo assim, é natural imaginar que a pressão popular sobre parlamentares e o próprio Poder Executivo seja menor no Brasil do que na Argentina.

PROTESTO TÍMIDO: Poucos se manifestaram contra a reforma da Previdência de Michel Temer (à dir.), que recebeu um passe de um pai de santo (Crédito:Divulgação)

Sem o barulho das ruas, o Congresso brasileiro tenderia a aprovar mais facilmente a reforma da Previdência. Por que não o faz? “A covardia dos nossos parlamentares é a única explicação”, afirma um empresário, que pede para não ser identificado. “O argumento de que a reforma tira votos dos candidatos à reeleição é uma falácia.”

Muitos parlamentares que se escondem da opinião pública costumam comentar nos corredores do Congresso Nacional que um governo impopular, como o de Michel Temer, não teria força para aprovar as novas regras. Embora tenha dobrado em relação à pesquisa anterior, a taxa de aprovação do governo realmente é pequena, de apenas 6%, segundo levantamento divulgado pelo Ibope, na quarta-feira 20. Outros 19% o classificam como regular. O argumento da impopularidade, no entanto, se esvai diante do êxito na aprovação da reforma trabalhista e da Proposta de Emenda à Constituição conhecida como PEC dos gastos públicos. Neste último caso, com uma votação superior a 60% dos votos na Câmara dos Deputados e no Senado federal, o mesmo patamar mínimo necessário para aprovar a reforma da Previdência Social.

“Essa não é uma reforma para o mercado, é uma reforma para o bem da sociedade brasileira” Fernando Pimentel
presidente da Abit (Crédito:Gabriel Reis)

Da recente batalha argentina, surgem lições para os brasileiros. A primeira delas é a de que é recomendável mudar as regras do jogo antes de a situação ficar caótica. O déficit na Argentina de 3% do PIB é proporcionalmente menor do que o rombo daqui, superior a 4% do PIB. Embora a Argentina tenha uma maior proporção de idosos em relação aos jovens do que o Brasil, lá se gasta proporcionalmente menos com previdência (7,8% do PIB no período de 2013 a 2015) do que aqui (9,1% do PIB no mesmo período). Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2050, a Argentina gastará 10,4% do PIB com aposentadorias e o Brasil, 16,8% do PIB. Portanto, por qualquer métrica, a situação brasileira é mais grave que a argentina, mas a reforma já foi aprovada lá enquanto, aqui, o tema foi adiado para fevereiro. “Um país com a estrutura demográfica do Brasil gasta 6% do PIB ou menos com a previdência”, afirma Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. “Nós gastamos 13% do PIB.”

“Um país com estrutura demográfica do Brasil gasta 6% do PIB com previdência. Nós gastamos 13% do PIB” Mansueto Almeida
secretário do Min. Fazenda (Crédito:Pedro Ladeira)

As mudanças que ocorreram na previdência argentina não são as mesmas propostas no Brasil. No país vizinho, a prioridade foi alterar a regra de cálculo dos reajustes, item fundamental para uma população que ainda sofre com inflação superior a 20%. Além disso, houve alteração nas idades e foi criada uma aposentadoria mínima (leia quadro ao lado). No caso brasileiro, o pilar da minirreforma defendida pelo governo Temer pressupõe a equiparação de regras entre o setor público e o privado, a adoção de uma idade mínima e uma regra de transição ao longo de 20 anos. “Se não tivesse ocorrido a crise de 17 de maio [divulgação das gravações do presidente Michel Temer feitas pelo empresário Joesley Batista], o governo já teria conseguido aprovar a reforma completa”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Mas vale o esforço para aprovar essa reforma menor.”

A aprovação da minirreforma no Brasil significará uma economia de R$ 50 bilhões, por ano, ao longo da próxima década. Na Argentina, a economia será equivalente a R$ 15 bilhões por ano. “No passado, era muito comum falar sobre o ‘Efeito Orloff’, ou seja, o que a Argentina fazia de errado, o Brasil repetia pouco tempo depois. Nossa expectativa é a de que esse ‘Efeito Orloff do bem’ se materialize com a aprovação, no nosso Congresso, da reforma previdenciária, mesmo que desidratada”, diz Fernando Valente Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). “Essa não é uma reforma para o mercado, é uma reforma para o bem da sociedade brasileira.” Em fevereiro, depois das férias e da folia do carnaval, os parlamentares brasileiros terão a oportunidade de mostrar se aprenderam alguma coisa com os argentinos.