Por Marcela Ayres

BRASÍLIA (Reuters) – O fundo alimentado com venda de ativos do governo previsto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios não prevê destinação de recursos a programas de transferência de renda, em contraste com falas do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que os mais pobres seriam contemplados com a medida.

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De acordo com apresentação divulgada pelo Ministério da Economia nesta terça-feira, os recursos do fundo irão apenas para o pagamento da dívida pública e dos precatórios que seriam parcelados –o texto não especifica em qual percentual se dará essa destinação.

Ao acompanhar o presidente Jair Bolsonaro ao Congresso na véspera, Guedes afirmou que o fundo da PEC traria “conexão com programas sociais”, assegurando a implementação dos programas.

Segundo o secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, o pagamento aos mais pobres ficou de fora do texto da PEC porque o acréscimo desse tema iria aumentar a complexidade do pagamento.

“Por que está fora? Basicamente, a discussão de precatório já tem uma complexidade por si só. E a gente acredita que adicionar esse tema agora ia aumentar essa complexidade e a gente precisa avançar nessa discussão para viabilizar a nossa regra fiscal, viabilizar o Orçamento de 2022”, disse Funchal.

A versão da PEC finalizada na semana passada pelo Ministério da Economia previa, segundo fontes, que os recursos do fundo iriam para o pagamento da dívida pública (60%), transferência para os mais pobres (20%) e antecipação de pagamentos de precatórios que foram parcelados (20%). A totalidade dessas despesas, pelo esboço do texto, ficaria fora do teto de gastos.

O modelo gerou críticas pois, além de enfraquecer a âncora fiscal do teto de gastos, ele implicaria desrespeito à regra da Lei de Responsabilidade Fiscal que proíbe o financiamento de gastos correntes com receitas de privatizações.

Na nova fórmula apresentada, as despesas do fundo seguem fora do teto, mas o governo argumenta que não há desobediências às regras fiscais consolidadas. Isso porque, pelo arcabouço atual, o eventual pagamento da dívida pública com recursos de venda de ativos já não entra no teto. Para a equipe econômica, os precatórios também são vistos como títulos de dívida e a antecipação do pagamento daqueles que foram parcelados não precisaria se sujeitar à regra.

Para motivar o envio da PEC, contudo, Funchal reiterou em diversos momentos que o governo buscou compatibilizar o pagamento das despesas com precatórios com a regra do teto de gastos, que é considerada hoje a única âncora fiscal do país.

ESPAÇO FISCAL

Requisições de pagamento expedidas pela Justiça após derrotas definitivas sofridas pelo governo em processos judiciais, os precatórios são despesas obrigatórias. Como têm crescido vertiginosamente, eles têm na prática comido espaço, sob a regra do teto, para outros gastos públicos.

Para 2022, a perspectiva era de um gasto de 89,1 bilhões de reais nessa linha, ante 54,7 bilhões de reais para este ano, crescimento incompatível com o que seria possível acomodar dentro do teto, frisou Funchal.

Tal qual proposto na PEC, o parcelamento dos precatórios atingirá 3,3% do total dos pagamentos previstos para 2022 e implicará economia de 33,5 bilhões de reais no ano, espaço que o governo terá para realizar outros gastos no ano.

Funchal argumentou ainda que simplesmente retirar o pagamento dos precatórios do teto de gastos –solução que tem sido aventada por lideranças políticas– não seria uma boa alternativa de partida, já que assim há menos incentivo para tratar e entender o crescimento dessas despesas.

Segundo Funchal, a alternativa também poderia soar “muito oportunismo”, já que abriria um espaço fiscal maior para gastos “num momento como esse”.

“A gente acredita que, nesse momento, essa proposta que traz essa previsibilidade para o crescimento (dos precatórios) e compatibiliza com o teto é uma proposta melhor do que retirar o precatório do teto e rebaixar o teto”, afirmou o secretário.

Funchal também negou haver contradição entre essa posição e o fato de o governo defender que o pagamento de precatórios parcelados com recursos do fundo criado na PEC seja tratado como uma despesa fora do teto.

“Acho que é muito, muito, muito diferente”, disse ele. “Você está pegando um ativo que está subutilizado para poder pagar um passivo, é uma outra coisa totalmente diferente.”

Também presente na coletiva de imprensa, o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, afirmou que o Brasil como ente soberano tem capacidade de honrar o pagamento na íntegra dos precatórios, mas que o governo propôs uma PEC para parcelar essa conta para casar o crescimento “extraordinário” dessa despesa com a regra do teto de gastos.

POTENCIAL DO FUNDO

O fundo criado pela PEC será alimentado por alienação de imóveis da União, venda de participação societária de empresas e dividendos recebidos de empresas públicas deduzidas as despesas de estatais dependentes.

Também vão compor as receitas do fundo outorgas de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial, antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo e arrecadação decorrente do primeiro ano de redução de benefícios tributários.

As estimativas do governo são de que, de um universo potencial de privatizações de 369 bilhões de reais, em torno de 122 bilhões de reais são considerados prováveis, disse Funchal, pontuando que essa conta não é para o ingresso imediato de recursos, mas “ao longo do tempo”.

De concreto, ele citou uma estimativa de receita com concessões de 5,1 bilhões de reais e de comercialização do excedente em óleo de 2,4 bilhões de reais para 2022 –ambas entrariam no fundo pela redação da PEC.

PARCELAMENTO

Segundo informações divulgadas nesta terça-feira pelo Ministério da Economia, o parcelamento proposto na PEC não vai atingir nenhum precatório abaixo de 455 mil reais no ano que vem.

A PEC abrirá o caminho para que o pagamento dos superprecatórios, de mais de 66 milhões de reais, seja escalonado, com entrada e mais nove parcelas. Por outro lado, o pagamento integral de causas de até 60 salários mínimos (66 mil reais) será garantido.

No intervalo entre uma ponta e outra, os pagamentos serão feitos pelo governo conforme disponibilidade orçamentária, obedecendo ao teto para pagamento de sentenças judiciais no ano. Pelo texto finalizado pela equipe econômica, esse limite será correspondente a 2,6% da receita corrente líquida dos 12 meses anteriores.

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