Depois de uma falha da sua própria articulação política, o governo teve de entrar em campo ontem para barrar a votação pelo plenário da Câmara de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pode retirar R$ 4 bilhões do caixa da União por ano. Em 12 anos, valor pode chegar a R$ 43 bilhões.

A proposta defendida até mesmo por parlamentares da base do governo foi incluída, de última hora, na pauta da votação pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e acabou colocando mais uma saia-justa para o presidente Bolsonaro e sua equipe econômica depois do impasse em torno da concessão do 13.º para os beneficiários do Bolsa Família. A votação está prevista para hoje.

A PEC aumenta em 1% escalonado em quatro etapas o repasse de recursos para os prefeitos via o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Atualmente, de 49% da arrecadação total do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), 22,5 pontos porcentuais são direcionados aos municípios por meio do FPM. A proposta prevê que a parcela aumente para 23,5 pontos porcentuais, subindo o repasse global de 49% para 50% da arrecadação. O aumento é em fases: 0,25% no primeiro e segundo anos; 0,5% no terceiro e 1% a partir do quarto ano.

A equipe econômica tratou o assunto como uma “bomba fiscal” nas chamadas “votações do fim do mundo”, quando deputados e senadores votam propostas no fim de ano com grande impacto nas contas públicas. No total, o impacto é estimado em R$ 43 bilhões em 12 anos. Mas a perda é permanente. O texto já foi aprovado no Senado e em primeiro turno pelos deputados. Ou seja, se aprovada nesta votação, a PEC é promulgada. Neste caso, não há possibilidade de vetos pelo presidente da República.

O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi, disse que a pressão dos prefeitos sobre os deputados será intensificada hoje. Ele diz que não está prevista nenhuma ajuda federal para as prefeituras em 2021, quando ainda precisarão de recursos para o combate à covid-19. Além disso, segundo ele, os municípios têm assumido cada vez mais responsabilidades que antes eram do governo federal e, por isso, é natural que precisem aumentar a sua participação no bolo tributário.

Ontem, Maia chegou a discutir com o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), e se negou a retirar da pauta a proposta, mas depois acabou cedendo para ganhar tempo. Ao Estadão, Maia revelou que foi um parlamentar da base governista que pediu a inclusão na pauta, o deputado Julio César (PSD-PI). “O governo tem que ter responsabilidade sobre as coisas, segurei 12 meses.”

Maia defendeu a votação da PEC dos municípios. De acordo com ele, a proposta foi aprovada em primeiro turno no plenário no ano passado e não é uma surpresa. “Não foram cinco sessões de espera, foram 12 meses de espera.”

Preocupado com mais essa perda de receita, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, fez uma alerta das consequências para as contas públicas, caso seja aprovada a PEC.

Segundo ele, é preciso ter esforço de todos para que o governo consiga o equilíbrio fiscal. Na sua avaliação, a aprovação da PEC contribuiria para a desorganização fiscal, minando a confiança e colocando em xeque a credibilidade na capacidade de o País buscar sustentabilidade das contas públicas. “Acaba sendo ruim para todo mundo. Isso reflete nos juros e a nossa retomada fica prejudicada”.

Funchal evitou falar se a articulação política do governo que foi surpreendida pela colocação em pauta da PEC. O secretário enfatizou que o governo não tem mais de onde tirar recursos para repassar a Estados e municípios e defendeu o que chamou de “arrumação fiscal”.

Articulação

Para barrar a votação, a articulação do governo tem destacado que a União já arcou com o impacto financeiro das medidas de combate à pandemia. Como mostrou o Estadão, a maioria dos novos prefeitos eleitos nas eleições municipais vai herdar um caixa mais cheio de dinheiro no dia primeiro de janeiro de 2021.

O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, classificou de “jabuti” a colocação em pauta a PEC. Para ele, é um “abuso e despropósito” a proposta. “Ao invés de fazerem a lição de casa, os prefeitos querem jogar conta para União”, disse Megale.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.