Em 2015, quando o Google dividiu seus negócios em empresas independentes, sob o guarda-chuva da holding Alphabet, o plano era bem claro. De um lado, ficariam as operações ligadas a novas frentes, como o carro autônomo e o óculos inteligente Google Glass. Em outra ponta, as vertentes já estabelecidas, que ajudariam a “pagar a conta” dos projetos inovadores, porém ainda deficitários. A milhares de quilômetros da sede do grupo, em Mountain View (EUA), e sem braços relacionados às soluções em gestação, a subsidiária brasileira do Google ficou distante dessas iniciativas embrionárias.

Em contrapartida, o País começou a ganhar destaque em outro plano: o desenvolvimento e a exportação de inovações incrementais, a partir dos produtos de prateleira da gigante de buscas. Esse avanço no mapa de inovação do grupo está personificado na versão tupiniquim do gTech, divisão global que apoia clientes empresariais no uso do portfólio da companhia. A prioridade são as tecnologias ligadas à publicidade digital, responsável por 88% da receita de US$ 90,3 bilhões da Alphabet. Instalado na sede brasileira do Google, em São Paulo, o time de cerca de 50 engenheiros e analistas está cruzando fronteiras.

“O Brasil se transformou em uma fonte de inovação para o Google”, diz Fábio Coelho, CEO da empresa no País. “O trabalho do gTech está contribuindo para refinar nossos produtos em uma escala global.” A equipe do gTech destoa do estereótipo do profissional enfurnado em uma sala lidando com linguagens de programação. Tampouco se assemelha à visão clássica dos laboratórios de pesquisa. O time trabalha diretamente com as áreas de negócios do Google. “Eles mesclam conhecimento técnico com a capacidade de sentar à mesa com o CEO de um cliente”, diz André Silva, engenheiro-chefe do gTech.

Um dos frutos desse trabalho é a tecnologia apelidada de Vogon. Ela permite criar variações infinitas de uma peça publicitária. A ideia é dar às marcas a possibilidade de trabalhar anúncios “ultra segmentados” no YouTube. No Brasil, a solução foi adotada, por exemplo, pela Claro, que divulgou seus planos pré-pagos com mais de 60 vídeos, nos quais o mote “O preZÃO da Claro dura mais que…” era completado com uma frase relacionada ao vídeo prestes a ser exibido no YouTube.

No mapa: para divulgar o aplicativo Digi Music, a operadora Digi, da Malásia, usou uma das tecnologias criadas pelo time brasileiro

A tecnologia já tem o passaporte carimbado em muitos países. Empresa de telefonia da Malásia, a Digi usou a Vogon em uma campanha do Digi Music, seu aplicativo de música. Os anúncios customizados eram baseados no artista que o internauta estava assistindo no YouTube. A americana Campbell também apostou na solução. Veiculada na Austrália, a ação envolveu 1,7 mil variações de um vídeo e gerou um crescimento de 55% nas vendas de sopas da marca no país.

Tecnologias desse porte são essenciais para o Google combater o avanço de rivais como o Facebook na publicidade. “A propaganda digital está deixando de seguir um modelo de interrupção, para ser contextual”, diz Marcelo Nakagawa, diretor de empreendedorismo da FIAP. Nesse cenário, ele entende que o Brasil pode exercer um papel global cada vez mais relevante, pelo fato de ser um mercado nem tão avançado e nem tão atrasado digitalmente. “O Brasil é mais propenso a desenvolver inovações com potencial de adoção tanto por um varejista na região Norte quanto por um anunciante da Grécia.”

Esse é o caso de um projeto criado com o Magazine Luiza e a Samsung. Batizada de Goop, a iniciativa desafia um modelo tradicional, no qual as indústrias, para impulsionar a venda de seus produtos, destinam parte de suas verbas publicitárias a um varejista. Esse, por sua vez, aplica o montante nas mídias de sua escolha, sem que o parceiro tenha visibilidade sobre o investimento. O gTech criou um painel de informações em tempo real sobre o retorno da campanha, compartilhado pelas duas pontas. É possível acompanhar desde o clique do consumidor nos anúncios na busca do Google até a finalização da compra no site do varejista.

“Essa tecnologia quebra um paradigma na relação entre o varejo e a indústria”, diz Leonardo Marques, coordenador de parcerias de e-commerce do Magazine Luiza. Além da Samsung, a rede já usa o formato com outros parceiros, como LG, Microsoft e Lenovo. Em 2017, a empresa ampliou em 5% seus investimentos em publicidade no Google. Uma prova do potencial global da solução foi dada em junho, em evento do Google e do Boston Consulting Group, em Nova York. O case foi apresentado a empresas do setor e já começa a gerar os primeiros pilotos em países como os Estados Unidos. “Todos ficaram de queixo caído”, afirma Claudia Sciama, diretora de varejo do Google Brasil. “Essa transparência é uma necessidade no mundo inteiro.”

A mais recente candidata a exportação é uma ferramenta que analisa, em todo o acervo do YouTube, dados como descrição, áudio e as menções a uma empresa ou categoria de produtos. A ideia é identificar conteúdos que tenham afinidade com uma marca, para a inserção de anúncios antes da exibição dos vídeos. “Além das ações de marketing e branding, uma possibilidade é veicular campanhas de gerenciamento de crise de uma marca, quase em tempo real”, diz André Silva, do gTech. “Talvez não saia daqui o próximo Gmail. Mas estamos produzindo inovações que trazem resultados e eficiência. E que já estão ganhando o mundo.”