Imagine que um desempregado, que ganha a vida vendendo cachorro-quente, entra num banco e pede um financiamento de R$ 1 milhão para comprar um prédio de quatro andares numa área nobre de Brasília. Para surpresa de muita gente, principalmente do Ministério Público, o Banco Regional de Brasília (BRB) deu sinal verde para o empréstimo, que se transformou num dos mais bizarros escândalos da história do sistema financeiro. Estão envolvidos funcionários do BRB, ex-diretores da Mútua, a caixa de assistência de engenheiros, arquitetos e agrônomos, e o homem do cachorro quente. ?Vamos lutar até o fim para que a Mútua não leve prejuízo neste caso?, diz Henrique Luduvice, presidente do fundo, que assumiu o cargo em agosto deste ano.

O escândalo começou em julho de 1998, quando o desempregado Osnir Pereira de Souza apresentou à Mútua uma proposta de venda de um prédio de quatro andares, com 2,6 mil metros quadrados, numa área nobre do Plano Piloto. O preço era de R$ 1,95 milhão. A proposta venceu outras dez e tudo estaria bem não fosse um pequeno detalhe: Souza só comprou o prédio quatro meses depois, ao assinar um contrato de financiamento do imóvel com o BRB, que financiou uma parcela de R$ 1 milhão. Para ter o empréstimo o vendedor de cachorro-quente comprovou, sabe-se lá como, uma renda mensal de R$ 114 mil. DINHEIRO teve acesso ao contrato, no qual constam assinaturas de dois funcionários do banco. Antônio Cardoso de Oliveira, chefe do departamento de crédito imobiliário, e Fernando Célio Rocha Coelho, gerente de operações imobiliárias. Os dois analisaram os documentos de Souza e deram a palavra final sobre o financiamento.

 

A própria mãe de Souza, Marlene Pereira, se diz surpresa ao saber que seu filho tenha comprado um prédio. ?Não sei disso não senhor. Meu filho é ex-militar, ex-vendedor de cachorro-quente e hoje vive de bico?, diz Dona Marlene, uma senhora sexagenária que mora com o filho em uma casa pobre de Sobradinho, cidade-satélite do Distrito Federal. Emocionada, a mãe diz que o filho está muito doente e que viaja sempre ao Rio de Janeiro para fazer tratamento. Por dois dias DINHEIRO tentou fazer contato com Souza, mas ele não respondeu aos recados.

A trama tem mais uma figura estranha. É Zenon Matias da Paz, o primeiro a procurar a Mútua para oferecer o prédio na licitação que escolheu o imóvel. Paz não é sócio de Souza, o homem do cachorro-quente. Em nenhum momento apresentou sequer um documento que esclarecesse a sua função no processo. Ainda assim, é ele quem fecha o negócio com dois ex-diretores da Mútua, Francisco de Paula Neto e Marcos Vinicius Tedesco, respectivamente presidente e diretor-financeiro da caixa de assistência. Os dois foram afastados e responderão a uma ação na Justiça. A Mútua quer de volta os R$ 1,95 milhão que pagou.

Inquérito policial que apura a venda do imóvel mostra uma pilha de irregularidades. A maior é que a sede foi comprada ? e paga ? antes mesmo que Souza assinasse o financiamento. Ou seja, ele e Paz venderam um imóvel que não era deles, o que configura estelionato. Pressionados pela Mútua, eles até apresentaram uma escritura do imóvel. Falsa. Souza não terminou de pagar o empréstimo ao BRB e o prédio, dado como garantia do financiamento, estava alienado. Procurado, Paz preferiu se esconder. ?Foi um bom negócio para o banco. Afinal, recebemos R$ 700 mil e continuamos com a propriedade do imóvel?, disse o advogado do BRB, Alan Lady de Oliveira Costa.

A falcatrua permaneceu oculta até o fim de 1998, quando uma avaliadora do BRB chegou ao prédio e informou que o banco o levaria a leilão para saldar a dívida. A diretoria do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), determinou o afastamento da diretoria da Mútua e a instauração de inquérito. Dois relatórios apontaram o envolvimento de todos os ex-diretores da instituição, mas somente dois deles foram condenados pelo plenário do Confea: Paula Neto e Tedesco.

Os relatórios com as denúncias foram enviados ao governador do Distrito Federal e ao atual presidente do BRB, Tarcísio Franklin, que recebeu Henrique Luduvice, da Mútua, para uma conversa sobre as irregularidades. Franklin mostrou-se atencioso e mandou chamar dois assessores para entender o caso ? inclusive um que atendia por ?Toninho?. ?Constatamos o envolvimento de funcionários do BRB no financiamento irregular?, disse Luduvice. ?Foram os funcionários Fernando Célio Rocha Coelho e Antônio Carlos de Oliveira.? Franklin, chocado, virou-se para um dos assessores e disse: ?Toninho? Esse Antônio é você!? O assessor embaralhou-se, sorriu amarelo e não conseguiu se explicar. A reunião foi encerrada. Cinco meses se passaram, desde que os relatórios foram enviados ao governo do Distrito Federal, e até a semana passada os dois funcionários permaneciam em seus postos. Toninho continua chefe do departamento de crédito imobiliário.