Um, dois, cinco, vinte… Pela janela do avião que acaba de decolar de Ulsan, o maior pólo industrial da Coréia do Sul, a conta dos navios recém-lançados ao mar lotados de contêineres não chega ao fim. São dezenas abarrotados de computadores a roupas, madeira a comida industrializada, numa cena marinha que retrata as estatísticas: o tigre voltou a rugir. Alto e forte. ?É impressionante?, diz à DINHEIRO um passageiro do mesmo vôo, o ministro do Desenvolvimento Sérgio Amaral, convidado de honra do governo coreano para assistir ao primeiro jogo do Brasil na Copa do Mundo. ?Atualmente, há muito poucos países do mundo com uma economia tão dinâmica e aquecida.?

Graças à Copa, a Coréia e seu espetacular renascimento econômico estão marcando gols numa vitrine olhada com interesse hipnótico por 3 bilhões de pessoas ao redor do planeta ? e há tanto para ver nos estádios, entre os mais modernos já construídos, quanto lições a extrair fora deles. Os coreanos, em sua esmagadora maioria polidos e solícitos, gostam de aprender com o passado. Desde 1999, quando a crise asiática fez a economia do país retroceder 6% e o estrondo da queda reverberou no mundo, as mais agudas feridas do tigre asiático foram tratadas com ungüentos ardidos, porém eficazes. ?As regras em relação às grandes corporações estão mudando?, ressalta o diretor do Banco Mundial Chung Hoon Mok, a respeito de alterações na antiga relação paternalista entre o Estado e as grandes empresas, chamadas Chaebols. A soltura das amarras do financiamento estatal para prejuízos milionários, ao contrário de quebrar o parque industrial, vai resultar em lances sensacionais. O time das indústrias coreanas é, simplesmente, o campeão mundial de produtividade, segundo o placar divulgado pela revista inglesa The Economist. Nos últimos seis anos, contra 5,5% em Taiwan, 4,5% nos Estados Unidos e 2% na Alemanha e na Inglaterra, a produtividade industrial coreana deu um salto de impressionantes 11,5%. O gol contra representado pelo desemprego de 8% em 1997, véspera da eclosão da crise, está minimizado atualmente a 3,1%.

Seul, a capital, é emblemática dos reflexos práticos desses porcentuais. Com a mesma constância com que, infelizmente, se esbarra em pedintes numa grande cidade como São Paulo, ali, naquele outro lado do mundo, se depara com estudantes sorridentes durante os intervalos das aulas. O Estado coreano investe cerca de US$ 10 mil anuais por aluno matriculado nas escolas públicas de ensino fundamental, cuja extensão é de seis anos. Obras de engenharia igualmente estão por toda a parte. O trânsito comumente congestionado, as lojas repletas de consumidores até as dez horas da noite e a multiplicação de galerias de arte e restaurantes sofisticados são outros sinais aparentes de riqueza da economia.

Impostos. A organização da Copa começou oito anos atrás. Os frutos desta antecipação já vão sendo colhidos. As autoridades locais calculam em 320 mil o número de turistas. As receitas em impostos que a Copa irá proporcionar ao país são estimadas em US$ 20 bilhões. Das vendas de ingressos para os 10 estádios que sediam jogos do mundial, o Fisco coreano recolherá entre 10% e 15% do valor de cada bilhete vendido. Haverá três partidas em cada um deles, com capacidade variável entre 35 mil e 55 mil pagantes. O palco da disputa entre Brasil e China, Seogwipo, numa das 3 mil ilhas que foram o território nacional, foi construído a um custo de US$ 2 bilhões totalmente financiados pelo governo. Sem pressa, as autoridades reconhecem que o retorno do investimento só virá, em impostos, nos próximos anos. O que não significa uma caixa-registradora silenciosa agora. Para a partida de abertura realizada na sexta-feira 31, um bilhete para uma cadeira central custava US$ 500, dos quais US$ 50 foram recolhidos aos cofres oficiais. A Fifa vendeu dez cotas de patrocínio por US$ 25 milhões cada, e também nesse ponto o Estado abocanhou seu quinhão.

Nos gabinetes governamentais, os coreanos também jogam no ataque contra um adversário indigesto, conquistando vitórias contra a corrupção inimagináveis em outros países do mundo. No mês passado, os coreanos assistiram pela tevê à detenção do filho mais jovem do presidente Kim De-jung, Kim Homg Gul, acusado de mexer pauzinhos em troca de US$ 1,2 milhão para conseguir uma licença oficial de funcionamento para a empresa de um amigo. O pai não deu um piu. E lemas como ?Exportar ou morrer?, noutras plagas apenas uma expressão quente que se esboroa na frieza do mundo dos negócios, ali foram praticados com sucesso. Em 1995, para importações equivalentes a US$ 135 bilhões, a Coréia exportava
US$ 125 bilhões. Seis anos depois, o déficit de US$ 10 bilhões se transformou num saldo de US$ 12 bilhões, com US$ 172 bilhões de exportações. Em maio, a indústria coreana exportou 7,8% mais do que no mesmo mês do ano passado, chegando a um total de
US$ 14,3 bilhões, o melhor resultado dos últimos 14 meses. A indústria automobilística, com 3 milhões de unidades produzidas anualmente, ocupa lugar de destaque na pauta exportadora.

Tanto na capital como em Ulsan, onde nos arredores ficam algumas das mais importantes indústrias do País, a exemplo da gigante de eletroeletrônicos LG e suas principais fornecedoras, essa pujança está sendo desfrutada pela grande maioria dos 47 milhões de habitantes do país. O crescimento demográfico é, atualmente, de apenas 0,6%. Com 1 dólar igual a 1,2 mil wons, a moeda local, o salário-mínimo é de 300 mil wons. Um trabalhador registrado na indústria pode receber 1 milhão de wons mensais logo após sua efetivação. Um semestre numa faculdade de engenharia, carreira muito procurada atualmente, ao lado de direito e medicina, chega a custar 1,5 milhão de wons. A mortalidade infantil está em 7,1 por 1.000 nascidos vivos, número de causar rubor em países que apresentam uma relação de 29/1.000, caso do Brasil. Enquanto o chamado país do futuro ocupa o 69º lugar na tabela do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, a Coréia do presente está no 27o posto. O que parece ser um milagre, capaz de atrair para as ruas comerciais lojas de todas as mais refinadas grifes do planeta, de Chanel a Versace, é, na verdade, resultado de organização. Uma política industrial com bases lançadas no início dos anos 60 elevou o Produto Interno Bruto de US$ 2,3 bilhões em 1962 para US$ 459 bilhões em 2000. No mesmo período, a renda per capita saiu do rés do chão para a altura das nuvens: de US$ 87 no ano em que o Brasil foi bicampeão mundial para US$ 9,7 mil.

Sorrisos. Quem visita o país durante a grande festa da Copa do Mundo percebe facilmente onde está essa riqueza. O aeroporto de Incheon, na cidade vizinha a Seul, não pode ser comparado, pelo tamanho e materiais de primeiríssima classe empregados em sua construção, com nenhum aeródromo brasileiro. É maior, melhor, mais bonito e funcional. A auto-estrada que o liga à capital não tem buracos e, muito menos, favelas em suas margens. Taxistas trabalham com seus celulares ligados ao viva-voz, pelo qual um serviço de tradução do coreano para o inglês possibilita a comunicação que o choque lingüístico tornaria, sem o auxílio da tecnologia, impossível. Como se tudo isso fosse pouco, o
mais novo amor nacional, a seleção coreana de futebol, estreou
na Copa com a chuteira direita, ao bater a Polônia por 2 a 0 na terça-feira 4. Bem antes, porém, o governo bancou uma campanha publicitária para estimular os coreanos a sorrirem diante dos
turistas. Nem precisava.