Não vamos continuar direcionando capital para perder dinheiro.” A declaração de Mary Barra, CEO da GM, sobre as operações da montadora na América do Sul, durante recente encontro com investidores, foi recebida no Brasil com susto e incredulidade. Susto devido à sua tradição: a empresa se mantém por décadas, desde que aportou por aqui nos anos 1920, disputando a primeira posição do mercado, contra Volkswagen, Ford e Fiat. Incredulidade porque a montadora ocupou em 2018 a primeira posição do mercado local, com 17,6% de participação, e ainda tem o carro mais vendido do País nos últimos quatro anos, o Chevrolet Onix. Ou seja, a notícia soou tão improvável quanto desprovida de sentido.

Apesar disso, Carlos Zarlenga, presidente da GM no Mercosul, reiterou, por meio de nota aos funcionários e depois em uma série de reuniões com sindicalistas, a necessidade de uma reestruturação. Ele mencionou que seria preciso fazer “sacrifícios”, porque a empresa vive um “momento muito crítico” e que prejuízos como os dos últimos três anos “não podem se repetir”. Mas negou, em encontro na terça-feira 22, que haveria um plano de deixar o País. Um participante da reunião, no entanto, comentou que houve uma ameaça velada, no sentido de que a empresa deixou claro que abandonou a produção nos mercados da Áustria, Rússia, Venezuela e Coreia do Sul e que, agora, promoveria uma série de cortes para não precisar tomar uma medida similar no Brasil. Procurada pela DINHEIRO, a GM se recusou a conceder entrevista ou fazer qualquer comentário sobre o episódio.

Nova direção: Marry Barra, a CEO, anunciou um período de reestruturação mundial

A sensação que ficou entre trabalhadores, concessionárias e fornecedores é de que a declaração de Barra não passou de uma tentativa de adicionar uma variável capaz de criar uma maior força de barganha contra essas três frentes. Seria uma forma de pedir concessões que ajudem a empresa no seu esforço de cortes de custos e de volta à rentabilidade. No mundo das cartas, a estratégia é conhecida como blefe. “Foi uma declaração infeliz. O problema que a empresa precisa resolver é interno”, diz Paulo Cardamone, presidente da consultoria Bright. “A GM tem ociosidade. Se tiver de fechar uma fábrica no Brasil, deveria tomar uma decisão logo. Estamos ainda no início da recuperação do mercado.” Dessa forma, parece difícil que a empresa não faça uma adequação da estrutura. “Mas esse tipo de declaração não é o melhor modo de gestão dessa situação”, acrescenta o consultor. Afinal, não seria o momento de deixar o mercado local, exatamente quando promove uma renovação de linha de produtos. Até 30 novos modelos devem ser lançados no País até 2020, com o investimento de R$ 13 bilhões e a chegada de uma plataforma desenvolvida na China para produzir uma nova geração de carros compactos.

Por trás de toda a reformulação necessária está muito mais do que a operação brasileira. Em novembro, a montadora anunciou uma grande reestruturação que acontecerá nos EUA e Canadá. Ela vai interromper a produção em cinco fábricas e cortar 8 mil postos de trabalho administrativos. A meta é economizar US$ 2,5 bilhões. As operações da América do Norte sofrem com uma migração do consumidor dos modelos sedã para as SUVs, além de terem sido impactadas pelo aumento das taxas de importação de aço definidas pelo presidente americano, Donald Trump, o que teria custado US$ 1 bilhão à empresa. “A GM precisa buscar recursos, que atualmente não tem, para se preparar para o futuro da indústria, no qual o mercado será marcado pela conectividade, por outras formas de propulsão do motor além do combustível fóssil e, mais para frente, pelos carros autônomos”, diz Cardamone.

O negociador: Carlos Zarlenga, presidente no Mercosul, busca barganhar com sindicatos

O Brasil, então, não poderia passar incólume por tantas mudanças. Na quarta-feira 23, a empresa apresentou propostas para os sindicatos de trabalhadores das fábricas das cidades paulistas de São José dos Campos e São Caetano do Sul, onde fica a sua sede no Brasil. Sindicalistas da cidade do ABC paulista dizem que a empresa pede para equiparar a fábrica local às condições de São José, mas que muitos pontos já tinham sido firmados em acordos anteriores e não poderiam ser mudados. Na quinta-feira, após o fechamento desta edição, haveria uma nova reunião com os executivos da montadora antes de as propostas serem apresentadas aos trabalhadores na segunda-feira 28, quando eles voltam de férias. Em São José dos Campos, a companhia pediu a redução do piso salarial de R$ 2,3 mil para R$ 1,6 mil, o fim da estabilidade de emprego para lesionados e a liberação de terceirização em todos os setores.

Junto aos revendedores, a GM divulgou uma nova política de comissões. Elas seriam baixadas para um valor médio em torno de 4%, um ponto porcentual inferior ao atual. A empresa também deve buscar mais incentivos fiscais. Henrique Meirelles, secretário de Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo, declarou que pode discutir benefícios de ICMS para a empresa. Além disso, o governo prepara uma forma de antecipar créditos que deve à companhia. Com tudo isso, parece extremamente improvável que a companhia deixe o País num horizonte próximo. Mas a barganha da GM deve garantir algumas concessões que ajudarão na rentabilidade. Faltará à empresa fazer a lição de casa, com uma gestão aprimorada e produtos atraentes aos consumidores. Assim, não precisará blefar novamente.