O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta terça-feira (30) pedir informações ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a decisão que garantiu foro privilegiado ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no âmbito do Caso Queiroz. Na prática, ao pedir informações à Justiça antes de decidir, Gilmar Mendes adiou o desfecho do caso, postergando uma definição sobre qual instância deve investigar o filho do presidente da República.

O Ministério Público do Rio entrou com uma ação no STF para cassar a decisão da 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ e exigir que o processo de Flávio continue na primeira instância. Para o MP fluminense, os desembargadores da 3ª Câmara contrariaram o atual entendimento do STF sobre o alcance do foro privilegiado.

Em 2018, o Supremo decidiu que o foro privilegiado só vale para crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo. A situação do filho do presidente Jair Bolsonaro não se enquadra nesses novos critérios, porque os fatos apurados não dizem respeito a suspeitas envolvendo seu atual cargo, mas, sim, a seu gabinete na época em que ele era deputado estadual no Rio.

Mesmo assim, os desembargadores fluminenses deram ao senador o direito de ser julgado pelo Órgão Especial do TJ, onde os deputados estaduais do Rio têm foro. Isso porque ele exercia essa função durante o período em que teria cometidos os crimes apontados pelo MP ao longo do inquérito das “rachadinhas” (recolhimento de parte do salário de assessores para devolvê-los ao político responsável pelo gabinete). Atualmente, contudo, o entendimento do STF é de que, uma vez fora do cargo, o político não tem mais direito ao foro especial – mesmo que, como é o caso de Flávio, ele tenha sido eleito para outro cargo eletivo.

“Solicitem-se informações à 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (autos do HC nº 0011759 58.2020.8.19.0000), acerca do alegado na petição inicial da reclamação. Em seguida, ouça-se a Procuradoria-Geral da República”, escreveu Gilmar nesta terça-feira.

A ação do MP fluminense foi distribuída a Gilmar “por prevenção”, ou seja, não foi sorteada livremente entre os ministros do tribunal. O processo foi encaminhado diretamente ao magistrado porque o ministro já é relator de uma outra ação, movida pela defesa de Flávio, no âmbito das mesmas investigações.

Na reclamação, os promotores citam uma série de decisões recentes do Supremo que desautorizam o que foi aprovado pela Justiça do Rio. E, com tons de ironia, ressaltam o caráter supostamente inovador da decisão dos desembargadores. “(…) a decisão da 3ª Câmara Criminal promoveu uma ‘inovação’ indevida em nosso ordenamento, pelo que não merece prosperar”, diz um trecho do recurso.

Entre decisões do STF citadas na reclamação está uma sobre o próprio caso de Flávio Bolsonaro: o ministro Marco Aurélio, do STF, já havia determinado no ano passado que o atual senador não tem direito a foro especial, dado que perdeu o cargo no qual teria cometido os crimes. Portanto, o MP entende que a 3ª Câmara “usurpou” a competência do STF para definir os limites do foro por prerrogativa de função, já que estendeu o benefício para um ex-ocupante do cargo de deputado estadual.

Integrantes do STF que pediram reserva também apontam que a jurisprudência da Corte é clara no sentido de que, quando se deixa uma determinada função pública, também acaba o foro garantido por aquele cargo.

Foro

Desde que o STF restringiu a prerrogativa, dezenas de inquéritos que investigavam políticos foram encaminhados para a primeira instância. No ano passado, por exemplo, Marco Aurélio Mello enviou para a Justiça Federal de São Paulo um inquérito que investigava o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG). As acusações, levantadas na delação da JBS, diziam respeito ao período em que o tucano era senador. Tanto deputados federais quanto senadores possuem prerrogativa de foro perante o STF. No entanto, com a mudança na carreira política de Aécio, Marco Aurélio concluiu que a investigação não era mais de competência do STF, por não dizer respeito ao atual cargo do tucano.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes também enviaram outros inquéritos que investigavam Aécio para a Justiça Eleitoral com base no novo entendimento do foro privilegiado.