Praticante de caratê há mais de uma década e apresentado há dois anos ao universo da escalada de montanha, o mineiro Gustavo Werneck, CEO da gigante do aço Gerdau, já sabe o que pretende fazer quando passar a crise provocada pelo crescimento significativo de casos da Covid-19 no Brasil: planejar a aventura de superar os 5.895m do monte Kilimanjaro, ponto mais alto da África, na fronteira da Tanzânia com o Quênia. Antes disso, uma missão menos literal, mas não menos árdua, se coloca: contribuir para que os números da companhia voltem ao patamar mais próximo do topo da montanha, como os registrados nos últimos dois anos. Em 2018, a empresa registrou receita líquida recorde de R$ 46,2 bilhões. Em 2019, ela ficou 14,1% menor, R$ 39,6 bilhões. O Brasil responde por 46,4% do faturamento da companhia, que tem 30 unidades industriais em 10 países. Estados Unidos, Canadá e México representam 27,7%.

No primeiro trimestre deste ano, o resultado já mostra parte dos impactos da quarentena que afetou o Brasil, a partir da metade de março, mas já provocava estragos pelo mundo desde o fim de janeiro. Nos primeiros três meses de 2020, a Gerdau registrou receita líquida de R$ 9,2 bilhões, redução de 8% em relação ao obtido entre janeiro e março de 2019. O tombo foi maior no lucro líquido, com R$ 221 milhões neste ano e queda de 51% em relação ao mesmo trimestre do ano passado. O trimestre pandêmico atrapalhou bastante os planos de retomada rápida. No dia primeiro dia útil de março, as ações da companhia estavam negociadas a R$ 17,31. No fim do mês, a R$ 10,05 – redução de 42%. Na quarta-feira 13 fechou a R$ 11,63. A Gerdau busca agora testar sua resiliência.

Para o CEO da companhia, o maior solavanco nos números foi motivado pela paralisação quase total das montadoras no País, que usam aços especiais como insumos e representam 14% da receita da Gerdau (nesse segmento, os números são globais e não por regiões). Nesse cenário, as cenas foram de filme de terror. Os efeitos do vírus devastador. “O pior momento se deu no fim de março, quando nossa entrada de pedidos caiu 60% em relação a fevereiro, antes da crise”, diz. “A queda no licenciamento de veículos em abril, em comparação ao mesmo mês do ano passado, foi de 76%. Então, tivemos redução desse patamar nesse segmento.”

MEDIDA PROVISÓRIA: Usina da Gerdau em Minas Gerais, onde está a principal operação da companhia. Parte dos 15 mil funcionários no Brasil teve o contrato de trabalho suspenso. (Crédito:Arquivo/Istoé Dinheiro)

Para maio, a perspectiva é de melhora, com a ligeira retomada do setor de construção civil. Werneck acredita que a queda de pedidos, de uma forma geral, deve atingir, ao fim deste mês, o patamar de 25%. A indústria está entre os setores considerados essenciais, sem qualquer tipo de interrupção por causa da pandemia. Numa empresa global como a Gerdau, o estrago não se dá apenas pelo mercado interno. “Um exemplo é a nossa operação no Peru, onde estamos há dois meses sem produzir e vender por causa do isolamento social.” A expectativa é de retomada das operações em junho, além do retorno gradual na indústria argentina.

O cenário impactou o fluxo de caixa, o que provoca efeitos em cadeia. A entrada menor teve reflexo imediato no plano de investimentos da companhia, que previa R$ 7 bilhões entre 2019 e 2021. Foram estacionados projetos que envolviam recursos da ordem de R$ 1 bilhão nas plantas de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, e em Michigan, nos Estados Unidos, reduzindo om plano inicial para o patamar de R$ 6 bilhões. O resultado também foi sentido por acionistas, em função da decisão da empresa de não antecipar o pagamento dos dividendos referentes ao primeiro trimestre, “em virtude das incertezas provenientes dos efeitos da Covid-19 no resultado do exercício de 2020”, conforme consta no balanço divulgado pela companhia.

COMBATE À COVID-19 Paralelamente à busca por melhores resultados para o pós-pandemia, a empresa auxilia no combate à Covid-19. São R$ 20 milhões aplicados principalmente na construção de dois hospitais, em São Paulo e em Porto Alegre. Ao todo, foram criados, de forma fixa, 236 leitos públicos, somadas as ações em outras unidades médicas no País. Na capital paulista, a empresa forneceu 100 toneladas de aço, além de recursos, para erguer o centro de tratamento anexo ao hospital municipal do bairro M’Boi Mirim, na periferia da cidade, em parceria com a Ambev e o Hospital Israelita Albert Einstein, que gerencia a unidade. No Sul, a unidade municipal foi construída em parceria com Hospital Moinhos de Vento, Ipiranga e Grupo Zaffari. As duas construções levaram 33 dias.

AJUDA FEDERAL: O presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, defende mecanismo de defesa à indústria nacional. (Crédito: Leo Pinheiro)

Outra ponta de ação está em Minas Gerais, onde fica a principal operação da companhia. No estado foram R$ 7 milhões em ajuda humanitária, que inclui reforma em hospitais dos municípios de Conselheiro Lafaiete, Ouro Branco e compra de equipamentos para unidade hospitalar de Divinópolis. A Gerdau também importou da China 100 mil máscaras descartáveis e contribuiu para a produção de 10 mil protetores faciais reutilizáveis, a partir de impressoras 3D. Gustavo Werneck entende que as ações como as de combate ao coronavírus são de responsabilidade tanto do poder público como da iniciativa privada. “O Brasil tem necessidade de que as empresas contribuam mais para o desenvolvimento da sociedade. Nosso papel é fazer com que as gerações futuras possam enfrentar os desafios com menos dificuldades.”
Com 30 mil funcionários no mundo, dos quais 15 mil no Brasil, a Gerdau aderiu à Medida Provisória 936 e suspendeu o contrato de trabalho de cerca de 2 mil colaboradores por 60 dias. “A nossa expectativa é que depois desse período a gente possa ter esses colaboradores de volta”, afirma o CEO, com a aposta pela retomada de pelo menos parte da economia brasileira após o pico das contaminações da Covid-19 no País. O que ainda não parece ter acontecido até agora. O impacto do coronavírus no caixa foi sentido não apenas na empresa e sim em toda a siderurgia brasileira. Em abril, as vendas caíram em média 50% e a previsão é de que a queda se consolide em 20% ao final de 2020. O presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, diz o setor precisa de ajuda federal para se reerguer assim que o cenário mais crítico da contaminação se afastar. “Precisa ser estudada uma forma de defesa, em caráter emergencial”, afirma. “Para proteger a indústria, que está em vulnerabilidade. Caso contrário, os muitos países que já estiverem em operação irão querer exportar para cá e diminuir nosso espaço.”

No primeiro trimestre de 2020, o segmento produziu 8 milhões de toneladas de aço bruto, com queda de 7% em relação ao mesmo período do ano passado. O consumo aparente (vendas internas mais importação) foi de 5,1 milhões de toneladas, queda de 0,6%. Outro indicador que exemplifica esse resultado é o Índice de Confiança da Indústria do Aço, que em abril chegou a 16,3. Em março esse número era de 37,4, contra 73,4 registrado pelas empresas do setor em janeiro. Segundo Mello Lopes, o Brasil começou o ano com apenas 62% de produção da capacidade instalada, que é de 51 milhões de toneladas ao ano, pela baixa velocidade da economia. Ele aponta a discussão sobre a reforma tributária como um dos caminhos para a volta da movimentação da engrenagem. “Temos acúmulo de resíduo tributário, que chega a 7% do preço. Essa questão precisa ser discutida.”

RETOMADA O dirigente da entidade esteve com executivos no grupo conduzido pelo presidente Jair Bolsonaro para conversar com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, na quinta-feira 7. O objetivo foi discutir possibilidades de retomada gradual de diversos setores. “Temos um potencial enorme de crescimento, principalmente no setor de infraestrutura, saneamento básico e por conta do déficit habitacional. O aço é estratégico e imprescindível”, afirma o presidente do Instituto Aço Brasil.

Para a Gerdau, o caminho vislumbrado para sair mais forte da crise é acelerar o plano de diversificar os negócios na fatia das receitas da companhia. Até então, o horizonte era garantir, em até 10 anos, que 20% das receitas saíssem de novos negócios. Mas o start teve de vir antes. Uma das medidas antecipadas é adotar uma política de oferecer serviços agregados. “Com a crise, veio a decisão de acelerar essa transformação”, diz Werneck. A companhia está criando uma empresa para atuar no serviço de fundações, já que a Gerdau vendia o material para a própria construtora fazer essa fundação. Agora, ao invés de vender o aço, vão entregar a fundação pronta. “Nossa proposta é sair do formato de ser uma empresa que vende aço para a que entrega solução completa. E mais preocupada com a rentabilidade do que com o tamanho em si.”

Outra ação é estudar formatos de utilização do grafeno (uma das formas cristalinas do carbono e mais resistente que o aço) na construção, para que sejam resistentes a fogo, por exemplo. Também está atuando para reduzir o desperdício da construção civil.
Para o CEO da Gerdau, que em janeiro do ano que vem completa 120 anos, o momento é de resiliência, sim, mas também de otimismo em relação ao futuro. Praticante da meditação – rotina que entrou em sua vida no período em que morou na Índia, em 2013 e 2014 –, Werneck acredita que a prática milenar, muito presente nos países orientais, contribui muito para, em situações de crise como a que mundo vive no momento, ter a calma necessária e realizar a travessia no menor sofrimento possível.

Até por conta disso, talvez nunca tenha sido tão necessária, como nos dias atuais, a filosofia da arte marcial da qual o chefe da Gerdau é faixa marrom. O mestre japonês Ginchin Funakoshi, considerado o pai do caratê moderno, definiu, entre seus 20 ensinamentos, que “a falha surge quando ocorre a acomodação física e mental”, o que, na prática, significa que sem um bom equilíbrio não há como seguir adiante. “Pratico muito o kata, que é uma sequência de movimentos e representa a luta com o inimigo invisível”, diz Gustavo Werneck. Em tempos de coronavírus, isolamento social e retomada ainda em ritmo lento da economia, talvez nunca tenha sido tão verdadeira a expressão “nervo de aço”.

ENTREVISTA
“Tudo se recupera, menos as vidas perdidas”
Gustavo Werneck, Ceo da Gerdau

Claudio Gatti

DINHEIRO – Como foi o momento inicial do isolamento social para a Gerdau até tomar a decisão de realizar iniciativas de combate à Covid-19?
GUSTAVO WERNECK – Um dos valores muito fortes da Gerdau é o da segurança das pessoas. Tudo se recupera, mas a vida das pessoas não tem preço. A gente quis adotar ações que poderiam virar um legado para a sociedade. Para isso, empregamos R$ 20 milhões. Decidimos então fazer hospitais que não seriam não só de campanha. Também fizemos máscaras, a partir de impressora 3D, e álcool em gel em nossas usinas.

Um ponto que provoca muita discussão é a escolha entre economia versus saúde. Como o senhor enxerga isso?
Temos usado pouco as referências internacionais e estamos querendo inventar nossas próprias soluções. Não são duas escolhas que devem ser feitas. A saúde precisa estar em primeiro lugar.

Como está a situação dos funcionários da Gerdau?
São 15 mil funcionários no Brasil e adotamos suspensão de contrato de trabalho por 60 dias, para cerca de 2 mil funcionários. A nossa expectativa é que depois desse período a gente possa ter esses colaboradores de volta. Até lá, vai haver recuperação de segmentos da economia, como já está acontecendo na construção civil.

E como foi essa queda?
O pior momento para nós se deu no fim de março, quando nossa entrada de pedidos caiu 60% em relação a fevereiro, antes da crise. Na segunda quinzena de abril, começou a melhorar, como em maio. A gente espera fechar o mês com queda de 25% nos pedidos em relação a fevereiro. Nos Estados Unidos foi menos, mas houve queda de 15% desde o início da crise.

Houve redução no plano de investimentos da empresa?
Como o setor automotivo vai demorar mais para se recuperar, a gente tomou a decisão de postergar investimentos nas duas maiores usinas de aços especiais, que são a de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, e outra em Michigan, nos Estados Unidos. E voltaremos quando o mercado mostrar essa retomada. Então, os R$ 7 bilhões do programa de investimentos até 2021, foram reduzidos para R$ 6 bilhões. Mas somos otimistas e sempre usamos momentos de crise para sair mais fortes.

Como veem o mundo pós-pandemia?
A gente imagina que haverá impactos importantes, como as relações de trabalho e os hábitos de consumo. O Brasil tem necessidade de que as empresas contribuam mais para o desenvolvimento da sociedade. Nosso papel é fazer com as gerações futuras possam enfrentar os desafios com menos dificuldades.