Área de livre comércio com receita de R$ 90 bilhões por ano e responsável pela geração de quase 600 mil empregos diretos e indiretos, a Zona Franca de Manaus (ZFM) vive incertezas em relação ao futuro. Teme perder os incentivos fiscais com a reforma tributária proposta pelo governo federal ao mesmo tempo em que vê empresas de renome deixarem o polo industrial e de serviços na capital amazonense – são cerca de 500 no total. Depois de CCE, Gradiente, Nokia e Philips, é a vez de a Sony anunciar, na terça-feira (15), o encerramento a partir de março de 2021 das atividades no local onde operava havia 48 anos. A decisão marca também o fim das vendas diretas das linhas de áudios, câmeras e televisores no País. Com a medida, a companhia japonesa “visa fortalecer a estrutura e a sustentabilidade de seus negócios, para responder às rápidas mudanças no ambiente externo.”

A empresa informou, também, que serão mantidos os serviços de garantia e de assistência técnica, a exemplo das áreas de games, soluções profissionais, música e entretenimento. Presidida no Brasil pelo executivo Kenichiro Hibi, a Sony deve manter um escritório para a importação do PlayStation, o seu principal produto no País.

O superintendente da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), Algacir Polsin, e representantes da Sony estiveram reunidos ainda na terça-feira. Em nota, a autarquia lamentou a decisão da empresa de encerrar a produção no Brasil e disse que as portas do polo estão abertas para uma eventual retomada das atividades. A Suframa não informou quanto financeiramente deixará de ser movimentado na ZFM (entre encargos e salários) com a saída da companhia. Já a Sony disse não revelar movimentações financeiras por questões estratégicas.

O certo é que o fim das operações vai custar o emprego de 220 pessoas e, indiretamente, de outras 200. A situação gera críticas do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas, Valdemir Santana. “O Brasil não tem política industrial. As empresas continuam saindo da Zona Franca de Manaus e o governo federal e o estadual não fazem nada para impedir”, afirmou. “A empresa vai produzir em outro lugar e mandar para o Brasil. É muito mais barato trazer de fora.”

O sindicalista citou a própria situação da Sony para explicar as dificuldades encontradas por algumas empresas no País nos últimos anos. Santana lembrou que a planta da companhia na Zona Franca chegou a faturar R$ 1 bilhão anualmente e a ter 3 mil funcionários, número que caiu para cerca de 1,4 mil há quatro anos. “Agora, encerra as atividades com apenas 220 empregados.”

O governador do Amazonas, Wilson Miranda Lima (PSC), atribuiu a saída da Sony à estratégia da própria empresa que, segundo ele, decidiu investir em outras regiões do mundo. “Desde 2018, a Sony está em um processo de diminuição da fabricação de alguns produtos e essa é uma decisão de mercado de sair não só do Amazonas, mas também do Brasil para começar a fazer investimentos em outras áreas, em outras regiões do mundo.”

FUTURO AMEAÇADO? O vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), Nelson Azevedo, afirmou ao portal A Crítica, de Manaus, que a saída da Sony não representa uma crise no modelo Zona Franca de Manaus. Ele destacou que o segmento eletrônico é, hoje, o de maior expressão dentro do polo industrial, impulsionado pela produção de televisores. O fato sinalizaria que a decisão da empresa não denota de um problema no modelo em si, mas da crise enfrentada por todas as indústrias no primeiro semestre por causa da pandemia. Uma crise sazonal, no entanto, dificilmente resultaria na decisão de uma corporação sair depois de 48 anos no País.

Para complicar, empresas da ZFM podem ser afetadas pela reforma tributária, já entregue pelo governo federal ao Congresso. Com a unificação de impostos proposta, seriam extintos tributos que isentam ou beneficiam com geração de crédito as indústrias locais. São os casos do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), além da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que seriam transformados em Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A expectativa é que as isenções e os créditos sejam mantidos com a adoção da CBS. Já o futuro do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), os principais da cesta de estímulos fiscais à Zona Franca, serão discutidos numa segunda etapa do processo.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou recentemente que a reforma tributária não deve atingir, em primeiro momento, a Zona Franca de Manaus. “Minha visão, após conversas com o ministro da Economia (Paulo Guedes), é que não haverá um avanço imediato em relação às isenções praticadas na Zona Franca de Manaus”, disse ele, durante reunião remota com representantes da indústria do Amazonas.

Mourão afirmou ainda que a ZFM poderá ter um papel importante na recuperação econômica do Brasil pós-pandemia. Segundo o vice-presidente, novas indústrias devem se interessar pelo Brasil em um cenário que chamou de desglobalização. “Haverá uma certa desglobalização ocorrendo após o domínio do vírus, quando tivermos uma vacina. E o Brasil nessa hora vai ter que se apresentar como um parceiro confiável para receber essas indústrias”, afirmou o vice-presidente. “O nosso pólo industrial de Manaus é um lugar que pode absorver a chegada de novas indústrias.” Falta ao estrategista explicar como essa tal desglobalização vai inverter o fluxo de debandada corporativa.