Não se fala em outra coisa, seja no Twitter ou no cafezinho do escritório: quem conquistará o Trono de Ferro ao final da saga medieval de oito anos produzida pelo canal pago HBO? Foram 17,2 milhões de espectadores em uma única noite (5 de maio), mas o número certamente subirá ainda mais no episódio final, que vai ao ar mundialmente no domingo 19. É um fenômeno considerável para um canal pago que não veicula comerciais e cuja única receita vem do número de assinantes.

Povoado de gigantes, dragões e mortos-vivos, “Game of Thrones” poderia muito bem ter descambado para uma fantasia barata. Mas desde o início da série, em 2011, o foco sempre esteve nas intrigas políticas para tomar o fictício reino de Westeros, uma reimaginação da Europa durante a Idade Média. A estratégia deu certo. A série abriu com 2,52 milhões de espectadores em 2011 e certamente fechará com dez vezes isso. Ou até mais.

No período, o número mundial de assinantes da HBO subiu 50 milhões, atingindo atualmente 130 milhões, maior carteira da TV paga. Já o lucro da emissora passou dos 4 US$ bilhões anuais na estreia da série para US$ 6,6 bilhões em 2018. Os resultados ao final deste ano certamente serão ainda melhores. Para efeito de comparação, a série mais vista na TV aberta americana em 2018, o revival “Roseanne”, teve 18,84 milhões de espectadores na estreia, mas minguou para 10,58 milhões no restante da temporada. Já na TV paga, “The Walking Dead”, exibida nos Estados Unidos pelo canal AMC, alcançou 17,30 milhões de espectadores no seu melhor momento, mas registra atualmente média de 4,95 milhões. “Game of Thrones”, ao contrário, continuou em rota ascendente.

CONTEÚDO ORIGINAL Basicamente um canal de filmes até os anos 90, a HBO passou a investir no conteúdo original em séries como “Os Sopranos”, “Sex and the City” e “Six Feet Under”. Com o fim de “Sopranos” em 2010 – cujo pico de audiência foi de 13,43 milhões – havia espaço para uma nova produção. O sucesso da trilogia cinematográfica “O Senhor dos Anéis” e da série “Harry Potter” fez o canal mirar o universo da fantasia. Os produtores David Benioff and D. B. Weiss adquiriam os direitos dos livros “As Crônicas de Gelo e Fogo”, de George R.R. Martin, e a HBO encomendou uma primeira temporada, que foi ao ar em 2011. “Foi necessário um pouco de sorte, mas a adaptação deu certo”, diz Paul C. Hardart, professor de Mídia e Entretenimento da Universidade de Nova York. “A trama não é clichê, os personagens são ambíguos e o inesperado pode acontecer, inclusive com a morte de protagonistas, ao contrário da maioria das histórias de fantasia.”

Claro, existem dragões e mortos-vivos, mas o drama humano é que dá o tom da trama. Aos poucos, o público ficou viciado nas armações e desilusões das casas feudais Stark, Lannister e Targaryen, sedentas pelo poder – ou pela sobrevivência. Com o sucesso, o orçamento de cada episódio subiu de US$ 6 milhões para US$ 15 milhões. A série se encerra no domingo depois da destruição total de Kingslanding, a cidade disputada ao longo de toda a saga, e ainda com uma pergunta: quem assumirá o cobiçado Trono de Ferro? De garantido mesmo, só um spin-off já anunciado pela HBO com a atriz Naomi Watts no papel principal.


Como ser maquiavélico sem perder a cabeça

Foto: Angela Weiss / AFP

A trama de “Game of Thrones” é levemente inspirada na Guerra das Rosas, que contrapôs três casas feudais inglesas no século 15. Mas George R.R. Martin (acima), autor dos livros que são a base da série, “As Crônicas de Gelo e Fogo”, nem é britânico. Ele nasceu em Nova Jersey, nos EUA, em 1948. Formado em jornalismo, sua paixão sempre foi a literatura, em especial a de fantasia. Ele publicou algumas obras no gênero, mas o sucesso só veio nos anos 90 com as “Crônicas”.

A história se passa em Westeros, um continente medieval compartilhado por famílias que tentam destruir umas às outras e ascender ao Trono de Ferro, símbolo máximo de poder. Nada óbvia em sua execução, a trama traz armações e intrigas maquiavélicas, diálogos muito bem escritos e uma análise ferina do poder e suas consequências. A trapaça e a estratégia são as principais armas de alguns dos personagens mais interessantes: Tyrion Lannister (Peter Dinklage), Lorde Beylish (Aindan Gillen) e Lorde Varys (Conleth Hill).

Numa das cenas mais lembradas, a rainha Cersei (Lena Headey) é confrontada por Lorde Beylish, que sabe da relação incestuosa que ela mantém com o irmão, Jaime, e que põe em risco o reinado do filho deles, Joffrey. “Informação é poder”, diz Lorde Beylish. Ela imediatamente ordena que a guarda real corte o pescoço dele. Quando a ordem está prestes a ser executada, ela a cancela e comenta: “Informação não é poder. Poder é poder.”

Os últimos volumes de “As Crônicas de Gelo e Fogo” ainda não foram publicados e R.R. Martin já avisou que o final será diferente do mostrado na TV. É uma maneira de manter a atenção dos fãs que ficarão órfãos quando o Trono de Ferro foi finalmente ocupado – ou destruído.