No dia 7 de abril, o empresário mineiro Walfrido dos Mares Guia, fundador da rede Pitágoras, origem da Kroton Educacional, resolveu ligar para o professor paulista Gabriel Mário Rodrigues, fundador da Universidade Anhembi Morumbi, para parabenizá-lo por sua eleição para a presidência do conselho de administração da rede de universidades Anhanguera, da qual Rodrigues era um dos principais acionistas. Amigos há 40 anos, eles acertaram uma visita ao escritório de Rodrigues, no dia 17, para tomar um cafezinho e colocar o papo em dia. 

 

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Ricardo Scavazza, presidente da Anhanguera: “Estudamos as opções do mercado e vimos que

as companhias poderiam ser complementares” / Rodrigo Galindo, presidente da Kroton

Educacional: “Tínhamos as informações na mão, o que permitiu estruturar

o negócio de forma muito rápida”

 

A visita de cortesia tinha outro objetivo por parte do mineiro, que cumpria uma missão outorgada pelo conselho de administração da Kroton. Tanto que acabou com um desfecho inesperado para Rodrigues: a troca de amabilidades inicial do encontro e as conversas sobre o mercado educacional desembocaram na proposta, feita por Mares Guia. “E por que a gente não cria uma empresa única, fundindo a Kroton com a Anhanguera?” Aceito imediatamente, o negócio bilionário começou a ser discutido por representantes dos dois lados, liderados por Rodrigo Galindo, presidente da Kroton, e Ricardo Scavazza, presidente da Anhanguera. 

 

Foi fechado no tempo recorde de três dias. Às 19 horas do dia 20, os acionistas dos dois grupos foram convocados para assinar o contrato que selava a transação. Estava criada a maior empresa de educação do mundo, em valor de mercado. Avaliada em cerca de R$ 13 bilhões (US$ 6,3 bilhões), a nova gigante vale mais que o dobro da chinesa New Oriental, a segunda colocada. A transação foi baseada na troca de ações, num valor de R$ 5 bilhões. Apesar de o negócio ter sido feito na base da fusão, a preponderância da Kroton é evidente. 

 

Prova disso é que o modelo societário da Kroton Educacional, nome com o qual a nova empresa se apresentará na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), garante uma fatia maior das ações aos controladores do grupo mineiro. Dos 24,1% de ações que formam o bloco de controle, 57,48% ficaram com o pessoal da Kroton, e 42,52% com os acionistas da Anhanguera. Os restantes 75,9% do capital estão pulverizados no mercado. Além disso, ficou definido que Galindo será o presidente, enquanto a chefia do conselho de administração ficará com Rodrigues. 

 

A pressa de Mares Guia, segundo se comenta nos bastidores, se deveu ao temor dos controladores da Kroton de ver a atual parceira se bandear para o lado da carioca Estácio, a terceira maior entre os grupos educacionais com ações negociadas na Bovespa. O ranking é encabeçado pela Kroton, seguida pela Anhanguera. “Tínhamos as informações na mão, o que permitiu estruturar o negócio de forma muito rápida”, afirma Galindo, nomeado CEO da nova empresa cujo faturamento combinado atinge a marca de R$ 4,2 bilhões. “Antes a Kroton era pequena. Ambas possuíam diversos ativos para integrar e ainda havia o descolamento de preço das ações das duas empresas”, diz Galindo. “Só agora atingimos a maturidade para a fusão.” 

 

Na verdade, o mais correto é dizer que os dois grupos vivem situações distintas. Apesar de terem debutado no mesmo ano na Bovespa, em 2007, a Anhanguera conseguiu, num primeiro momento, imprimir um ritmo mais vigoroso de crescimento, graças às aquisições. Foram 15 transações apenas em 2008, incluindo a rede paulista Microlins, especializada em ensino profissionalizante. Por outro lado, a Kroton via sua “nota” cair no boletim dos investidores. Fechou 2009 com prejuízo de R$ 8,1 milhões. Em 2008, o lucro foi de R$ 30,5 milhões. O mau desempenho fez com que, nessa época, o valor de mercado da Kroton equivalesse a apenas 20% do da Anhanguera. A situação começou a virar em 2010, com a compra, por R$ 200 milhões, do grupo IUNI, de Mato Grosso.

 

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Aula high tech: sala do Objetivo em São Paulo. Kroton investirá mais no ensino digital

 

QUEIXAS NO PROCON No pacote de aquisição do IUNI, a empresa liderada por Mares Guia, ministro do Turismo do governo do presidente Lula, herdou o executivo Galindo, hoje com 36 anos. Graduado em direito e com especialização em educação, ele é filho de Altamiro Galindo, fundador da IUNI, e começou a trabalhar aos 13 anos como operador de máquina de fotocópia. Seu maior mérito foi ter desenvolvido um modelo de gestão capaz de fazer, no tempo máximo de 90 dias, a integração das empresas que seu pai foi comprando ao longo dos anos. No setor, a média é de pelo menos o dobro do tempo para se cumprir essa etapa. 

 

Para rentabilizar o negócio, a abertura de turmas era condicionada à existência de um número mínimo de alunos e todas as despesas, controladas na ponta do lápis. Já a Anhanguera, ágil para comprar concorrentes, nem sempre conseguiu digerir com eficiência suas transações. Um caso clássico foi o da Uniban, pela qual pagou R$ 510 milhões, em 2011. Ao mesmo tempo que o negócio permitiu se consolidar no rico mercado da Grande São Paulo, a Anhanguera herdou problemas na mesma intensidade. A Uniban possuía uma imagem desgastada por conta de autuações do MEC e também liderava a lista de queixas no Procon. 

 

“A Uniban tinha uma gestão centralizada na figura do dono e práticas não convencionais para esse mercado”, afirma o presidente da consultoria paulista CM, Carlos Antonio Monteiro, especializado em gestão educacional. “Eles tiveram dificuldade em mudar a cultura.” Os cortes, de acordo com o sindicato da categoria, atingiram 680 docentes. Ricardo Scavazza, presidente da Anhanguera, discorda dessa avaliação. “Quando se faz um negócio em São Paulo, tudo tem mais visibilidade”, afirma Scavazza. Em 2012, o MEC suspendeu a realização do vestibular para 15 cursos, a maioria em área técnicas, alegando falta de qualidade. A união dos dois grupos educacionais foi bem recebida pelo mercado financeiro. 

 

No acumulado da semana até quinta-feira 25, os papéis da Kroton e da Anhanguera subiram 9,64% e 7,14%, respectivamente, na Bovespa.Essa parceria também é apontada como um possível catalisador para o ingresso de novos fundos de investimentos no segmento. Anhanguera e Kroton cresceram, em boa medida, graças ao suporte de gestão e aos recursos injetados pelos fundos. A primeira com o brasileiro Pátria, a segunda com o Advent, dos EUA. A nova Kroton é um colosso por qualquer ângulo que se analise. Engloba 1,2 milhão de alunos, dos quais um milhão somente no ensino superior, distribuídos em 641 cidades pelo País. As duas estruturas se completam não apenas no quesito territorial como também nos produtos oferecidos. 

 

O forte da Anhanguera é a aprendizagem em sala de aula, enquanto a Kroton ganhou musculatura com a criação de sistemas de ensino, uma marca do DNA do Colégio Pitágoras, de Belo Horizonte, fundado em 1966, e com a educação a distância. Um nicho no qual se tornou relevante somente após a compra da paranaense Unopar, em 2012, pela qual pagou R$ 1,2 bilhão. A vantagem dessa modalidade é seu baixo custo, o que garante uma margem de ganhos de cerca de 30%. Índice maior até mesmo que o da Kroton (27,6%), a mais bem administrada do setor. Para o professor Olavo Furtado, da Trevisan Escola de Negócios, manter o nome Kroton para a rede, e Galindo como principal executivo, foi uma decisão acertada. 

 

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“A Kroton tem uma imagem mais identificada com a educação do que a Anhanguera, que é mais ligada ao mercado financeiro”, diz. A transação também deixa a Kroton pronta para enfrentar uma nova rodada de consolidação do setor. É esperado um maior ativismo por parte da Estácio, que virou uma “nanica”, por conta da nova configuração do segmento. Procurada por DINHEIRO, a direção da universidade alegou estar em “período de silêncio” para não conceder entrevista. A tendência é que as fusões, aquisições e trocas de controle acionário continuem em ritmo acelerado. Afinal, os grandes conglomerados educacionais detêm cerca de 30% do setor de educação e há muito espaço, ainda, para a concentração. 

 

Segundo a consultoria paranaense Hoper Educação, apenas as faculdades e universidades privadas movimentaram R$ 29,8 bilhões em 2012. Disputam fatias desse bolo perto de duas mil empresas familiares e de pequeno porte, espalhadas pelo País afora, alvo preferencial de aquisições. Quem não pretende se movimentar nessa direção é o grupo paulista Unip-Objetivo, comandado pelo empresário João Carlos Di Genio, que, a exemplo de Mares Guia e dos criadores da Anhanguera, começou a carreira como professor de cursinho. Di Genio afirma que prefere apostar no crescimento orgânico de seu grupo, e a fusão que acaba de ser anunciada não deve alterar seus planos. 

 

“O que eles estão fazendo agora, eu já fiz”, diz. “Já atuo em todo o Brasil” (leia quadro “A evolução dos grupos”). A firme disposição do governo federal de abrir as portas do ensino superior especialmente para os integrantes das classes C e D, combinada com o crescimento da renda dessas faixas da população, é que vem animando parte dessas tacadas empresariais. O Plano Nacional de Educação, desenhado pelo MEC, estabelece como meta a matrícula de 33% da população com idade entre 18 e 24 anos no ensino superior. Atualmente, apenas 14,6% desse contingente, estimado em cerca de 20 milhões de pessoas, está matriculado em faculdades e universidades. Galindo, o presidente da Kroton, diz que é hora de se antecipar à mudança no nível de exigência dessa massa que está chegando ao ensino universitário. 

 

Em sua visão, a qualidade ainda não é um quesito que faça parte de sua lista de cobranças. “Mas isso deve mudar muito em breve”, afirma. Para ajudar nesse processo, ele conta com outro trunfo. A Kroton possui um destacado time de educadores e gestores, em todos os níveis. Desde o gerencial até o estratégico, formado pelo conselho de administração. É nessa instância de decisão que Scavazza, da Anhanguera, irá atuar a partir da fusão, fazendo companhia, ao lado de Mares Guia, aos integrantes da família Laffranchi, ex-donos da Unopar, dos Galindo e de Antonio Carbonari, fundador da Anhan­guera. “Um time desses faz toda a diferença”, diz Galindo, uma espécie de menino de ouro do grupo.

 

Para se tornar realidade, no entanto, ainda falta ultrapassar uma etapa, tão importante quanto a escalação do time de gestores e conselheiros. É que uma fusão desse porte precisa do aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em março, os integrantes do órgão anunciaram a disposição de submeter o setor de educação a um “pente-fino”, para analisar o nível de concentração das empresas. Afinal, apenas no período setembro-dezembro de 2012, eles julgaram 40 casos de fusões e aquisições envolvendo o setor. Tanto Galindo quanto Scavazza se dizem tranquilos. “Estamos confiantes na aprovação do negócio”, afirma Galindo.

 

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“Subimos como um foguete”

 

Walfrido dos Mares Guia, fundador do Colégio Pitágoras e idealizador da Kroton

 

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Como começou a fusão da Kroton Educacional com a Anhanguera?

O processo nasceu durante a visita de cortesia que fiz, em São Paulo, ao professor Gabriel Mário Rodrigues, acionista da Anhanguera Educacional. Somos amigos de longa data. 

 

Em quanto tempo fechou o negócio?

Foi rápido. Depois desse encontro, chamamos nossos executivos e os fundos de investimento parceiros de cada empresa, para definir os detalhes. Em apenas quatro dias já estávamos assinando. 

 

O sr. imaginava ver seu cursinho Pitágoras, fundado em 1966 por um grupo de amigos, chegar tão longe?

Na época, nossa ambição era criar uma organização respeitável e séria. Mas nunca desse tamanho. Investir na área de educação era um sonho para mim. 

 

Quando aconteceu a grande virada da Kroton?

Abrimos o capital em 2007. A virada começou quando nos associamos ao fundo Advent. Com isso, ganhamos fôlego extra e voltamos a fazer aquisições. Por conta dessas transações, herdamos executivos talentosos, como o Rodrigo, filho de Altamiro Galindo, o fundador da IUNI, de Mato Grosso. Na posição de CEO da Kroton, ele nos ajudou a integrar os negócios e a fazer as aquisições que nos levaram à liderança do setor. O Advent foi fundamental e, com a administração do Galindo, subimos como um foguete.

 

 

 

Di Genio, o objetivo: “Não preciso de dinheiro”


Fundador do Grupo Unip-Objetivo insiste em crescer por conta própria 

 

O processo de consolidação do setor da educação está longe de terminar. A nova Kroton deverá continuar colocando pressão sobre as empresas de menor porte. Mas, para isso, terá de disputar com outras forças, como a carioca Estácio de Sá. Hoje, a Estácio conta com 74 campi em 20 Estados e 271,5 mil alunos. Outra que continua a expandir seus negócios no País é a rede americana de ensino Laureate, que anunciou no início do ano a compra da fatia de 49% da Universidade Anhembi Morumbi, da qual possuía 51%. Seu portfólio inclui 11 centros de ensino pelo Brasil. Correndo em raia própria, aparece o paulista João Carlos Di Genio, controlador do Grupo Unip-Objetivo.

 

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Ao contrário da maior parte dos concorrentes, Di Genio descarta qualquer possibilidade de se associar, seja a fundos de investimento, seja a outros grupos educacionais. “Não estou precisando de dinheiro”, diz. “Estou capitalizado e sem dívidas.” Pode ser. Mas o fato concreto é que, por sua posição dominante, Di Genio encontraria dificuldades em passar pelo crivo do Cade. Sob seu controle estão 27 unidades da Unip, 600 polos de educação a distância e 60 faculdades com diferentes nomes e marcas regionais, além de estar presente em mais de 500 cidades com o sistema de ensino Objetivo. O empresário diz que seu império estaria avaliado em R$ 5 bilhões. “Pelo menos é isso que já ofereceram pela minha empresa.”