A política de diversificação que os fundos de pensão queriam adotar em 2020 sofreu um duro golpe. Responsáveis por gerir no Brasil um patrimônio em torno de R$ 1 trilhão, as entidades do setor tinham, em um passado recente, o trabalho bem facilitado. Títulos públicos garantiam rendimento suficiente para que elas atingissem, com segurança, as metas atuariais definidas. E melhor: sem precisar se expor a muitos riscos. Com os juros básicos baixando fortemente desde 2017, a estratégia foi migrar parte dos recursos para a renda variável. Até o fim de 2019, a expectativa era de que o mercado de ações fosse viver um boom de valorização, com a possibilidade de o Índice Bovespa atingir 140 mil pontos. Tudo mudou em poucos dias.

Quando a pandemia da Covid-19 se instalou, o que se viu foi o derretimento dos ativos com acentuada queda dos índices em praticamente todos os setores da economia mundial. Começou ali a dor de cabeça dos fundos de pensão. De um lado, houve alívio por não ter passado tempo suficiente para o setor fazer uma migração mais forte para as ações e amargar perdas muito maiores com as quedas das bolsas. De outro, fica a questão: o que sobrou para garantir remuneração sobre o capital desses fundos?

Segundo Guilherme Benites, sócio da Aditus, consultoria especializada no setor, houve sorte porque o processo de diversificação dos investimentos foi iniciado de forma cautelosa. Uma solução que já estava sendo adotada por algumas instituições foi a busca por títulos públicos de longo prazo, um tipo de renda fixa conhecido pela sigla NTN-B, ou Nota do Tesouro Nacional Série B. Ela paga IPCA mais juro real, que para esse tipo de papel está em torno de 4,5%. “Está aí uma forma de pelo menos manter, com baixo risco, os objetivos de rentabilidade definidos”, afirma.

A crise contribuiu para a queda dos juros básicos e deu espaço para o juro de longo prazo ficar um pouco mais atrativo. Segundo a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), 74% dos recursos de suas associadas estão em renda fixa, basicamente em títulos públicos e em crédito privado. Outros 18% estão em renda variável (fundos multimercado e em ações). O presidente da associação, Luís Ricardo Marcondes Martins, diz que a ideia era elevar para 25% a alocação de recursos em ativos de risco. Agora, a regra é ter cautela.

Saber onde investir para recuperar o que foi perdido é só parte do problema. Com a economia parada, o faturamento de muitas empresas patrocinadoras desses fundos também sofreu um baque. Assim como seus funcionários, elas estão com dificuldades em manter suas contribuições mensais. O Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) se reuniu no dia 31 de março para discutir a possibilidade de autorizar a interrupção das contribuições por um determinado período como forma de ajudar empresas e trabalhadores. O presidente da Abrapp defende que essa pausa não prejudicaria a saúde financeira dos fundos por ser uma medida emergencial de curto prazo. “Está em fase de estudo. Teria duração de no máximo três meses, tempo que acreditamos ser suficiente para o mercado começar a se normalizar e que não vai gerar grande impacto nas contas dos fundos”, diz.

A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) fez um estudo técnico que mostra liquidez plena do setor. O nível de solvência seria superior a de países como Estados Unidos e Reino Unido, onde ela gira em torno de 95%. Isso significa, nas palavras do dirigente da Abrapp, que não há risco de as pessoas já aposentadas ficarem sem receber. Nem mesmo a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, preocupa Martins. O balanço apresentado na sexta-feira 15 apontou déficit de R$ 23,6 bilhões no primeiro trimestre de 2020.

“Os fundos de previdência têm cumprido seus compromissos. Mas, quando há déficit, todo mundo é obrigado a cobri-lo” Ana Paula Raeffray, coordenadora de Previdência Complementar da Cames.

Se o corte de repasses não preocupa por enquanto, outro problema pode agravar mais a situação dos fundos de pensão se a crise se estender. O setor, historicamente, sofre grande número de processos judiciais. Com a saúde financeira afetada pela pandemia é possível que haja aumento no número de processos, conforme prevê Ana Paula Raeffray, árbitra e coordenadora do Núcleo de Previdência Complementar da Cames (Câmara Privada de Mediação e Arbitragem). Atualmente, há cerca de 100 mil ações em andamento na Justiça.

Os motivos são diversos. De aposentados que buscam atualização dos valores de seus benefícios até empresas patrocinadoras contestando estratégias de investimentos que teriam gerado prejuízos. Fundos de estatais como Previ, Petros, Postalis, Funcef, entre outros, são os que mais sofrem com a judicialização por operarem com a proposta de benefício definido. Se ficou acertado em contrato que serão pagos R$ 6 mil mensais de aposentadoria isso tem de ser cumprido. “Esses planos de previdência têm cumprido seus compromissos, mas, quando há déficit, todo mundo (patrocinador, participante e aposentado) tem de cobrir”, diz Ana Paula. “Isso pode comer uma parte considerável do benefício recebido e gera brigas na Justiça.”