No mês passado, mais de 6 mil pessoas aguardavam o início do evento “Explosão de Vendas”, que seria conduzido no YouTube por Ricardo Nunes, 52 anos, fundador da Máquina de Vendas, a dona da Ricardo Eletro – varejista que dribla hoje repetidos pedidos de falência. Com um público inflamado no chat, o curso, de três dias em modelo híbrido, começou com ele dizendo que seu objetivo era passar o melhor de sua experiência em 30 anos de trabalho para “construir a segunda maior empresa de varejo desse País”.

Segundo fontes, o novo negócio de cursos e mentoria vem garantindo um bom dinheiro ao empresário. Procurado várias vezes pela reportagem, Nunes não deu entrevista.

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Com 182 mil seguidores no Instagram, rede social que ele também usa para vender seus cursos, o empresário foi denunciado, em junho, por suspeita de sonegação da ordem de R$ 86 milhões.

Nunes também já foi alvo de denúncias de lavagem de dinheiro e chegou a ser preso. “Ele mora nos Jardins, leva uma vida luxuosa e fica postando fotos em avião particular. Enquanto isso, mente sobre o que fez na empresa. Se ele hoje é bilionário, tirou esse dinheiro de algum lugar”, diz outra fonte ligada à Ricardo Eletro.

No curso, o empresário enaltece a varejista que construiu, e que chegou a empregar 40 mil pessoas e a faturar mais de R$ 10 bilhões ao ano, brigando com as grandes do setor, como Magazine Luiza e Casas Bahia.

Em recuperação judicial desde 2020, a rede tenta hoje driblar uma série de pedidos de falência, puxados pelos bancos Itaú, Bradesco e Santander. Todas as lojas físicas da companhia foram fechadas. Com um novo dono, o negócio tenta se reinventar como um e-commerce.

Frases de efeito

O jornal O Estado de S. Paulo acompanhou a “live” de Nunes no dia 18 de julho, que teve a participação especialmente de pequenos varejistas do interior do País. Logo de início, ele disse que queria ensinar os ouvintes a enfrentar a concorrência e a fazer caixa. As mensagens negativas que eram publicadas na caixa de comentários do YouTube, incluindo as de ex-funcionários, eram deletadas em segundos.

“Paga meus direitos, nem seguro-desemprego consegui por irregularidades suas”, escreveu um espectador, que não se identificou. “Ele é carismático, messiânico. Ele chora, transpira. Tem dom de vender, muita capacidade de envolver as pessoas”, diz um executivo que teve contato próximo com Nunes na época da Máquina de Vendas.

O executivo lembra que a empresa cresceu muito rapidamente, com aquisições, mas pondera que faltou planejamento. “Em menos de dez anos, ele foi do zero ao topo, e voltou ao zero”, diz o executivo, que pediu anonimato.

As dívidas cresceram rapidamente e, apesar de auditorias apontarem irregularidades nas finanças, Nunes teria omitido até o último minuto a dimensão das dívidas fiscais e trabalhistas, segundo fontes com acesso ao processo de sucessão do fundador.

A necessidade de capital intensivo é uma das características do setor de eletroeletrônicos no varejo. O ciclo de venda é longo e precisa de crédito. Aos poucos, dizem as fontes, o empresário deixou de pagar os credores.

Sempre muito preocupado com o marketing, produtos e estratégia de vendas, Nunes costumava se levantar da mesa se o assunto era contas e governança corporativa.

Estilo de vida

Em um dos processos movidos contra a Máquina de Vendas, os bancos destacaram uma viagem dele com a família em que teria se hospedado em um hotel de luxo, com diária de R$ 5,1 mil, por seis dias. Porém, os credores não encontram bens de Nunes passíveis de arresto.

Sem lojas físicas e com um time de 30 pessoas, o e-commerce aposta hoje na venda de produtos de terceiros e sustenta um faturamento mensal estimado em R$ 600 mil. Nunes vendeu a empresa em 2019, quando ela já afundava em dívidas.

Agora, como “coach” (treinador, em tradução livre), em vez de convencer os consumidores a comprar eletrônicos, ele dedica seu tempo a compartilhar lições que aprendeu na carreira, a um custo de até R$ 10 mil pelos ensinamentos, embora ofereça parte do conteúdo gratuitamente na internet. Nunes adota uma estratégia agressiva de engajamento, com grupos de WhatsApp, ligação via robôs e muitos SMS.

Histórico

A história de Nunes como empreendedor começou cedo, em Divinópolis (MG). No início dos anos 1980, ele vendia mexericas do sítio da família na porta de uma faculdade para completar a renda de casa. O pai morrera dois anos antes, em 1979, deixando uma joalheria como herança. Mas, após um assalto que deixou familiares feridos, sua mãe vendeu o negócio.

O empreendimento de mexericas evoluiu para uma banca na frente da faculdade e, pouco depois, Nunes começou a ir até a Rua 25 de Março, em São Paulo, para comprar produtos de moda e revendê-los em sua cidade. Foi aí que nasceu a Ricardo Eletro, quando ele tinha 18 anos. Oficialmente, a fundação da empresa data de dois anos mais tarde, de 1989, quando começou a ganhar escala.

O crescimento foi forte na década de 2000, quando a rede patrocinava programas na TV aberta para se tornar conhecida nacionalmente. Em 1999, a varejista começou a sua expansão em Belo Horizonte e, em 2002, chegou ao Espírito Santo. Outro marco importante foi a chegada ao e-commerce, em 2009, com 80 mil produtos à venda.

No ano seguinte, a empresa se uniu à concorrente Insinuante, negócio que deu origem à Máquina de Vendas. O grupo tornou-se o segundo maior do varejo de eletromóveis, atrás do Grupo Pão de Açúcar, que tinha Casas Bahia, Ponto Frio e Extra (o GPA, posteriormente, saiu do segmento).

No auge, em 2014, a Ricardo Eletro chegou a ter 1,2 mil lojas. A maré virou em 2015, com Nunes enfrentando as primeiras acusações de sonegação. Três anos depois, a varejista iniciou um processo de recuperação extrajudicial.

Em 2020, Nunes foi preso, acusado de sonegar R$ 387 milhões, e todas as lojas físicas foram fechadas, em parte por causa da pandemia. O negócio entrou em recuperação judicial e o empresário ficou apenas um dia na cadeia.

Foi nessa época que o empresário Pedro Bianchi – vindo da Starboard, empresa que investe em negócios em dificuldades e que tentava ajudar a varejista – assumiu o comando da Ricardo Eletro e uma dívida de R$ 6 bilhões. Ao mesmo tempo, Nunes partiu para sua nova vida de coach de vendas.

Hoje, a Máquina de Vendas segue em apuros: depois de um vaivém de liminares, a Justiça ainda não autorizou a empresa a sair do status de falência – o que a impede até mesmo de pagar os salários dos atuais funcionários. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.