Existe um ditado japonês que diz: se não entrar na toca do tigre, não pegará o seu filhote. Significa que, para conseguir o que se quer, é preciso correr riscos. A Fujifilm incorpora esse conceito de seu país de origem para se manter relevante em seus 88 anos, completados no último dia 20 de janeiro. Para conseguir se sustentar na prateleira onde estão as principais empresas do mundo — e não ter o mesmo destino da americana Kodak — é necessário enfrentar e superar modelos conservadores da cultura asiática e abusar da alta tecnologia. É assim que a companhia conhecida no mercado de máquinas e filmes fotográficos navega com desenvoltura por outros nichos não muito conhecidos dos consumidores. Ou você vai dizer que sabia que a Fujifilm tem uma linha de filtros voltada à produção de cervejas e vinhos? Ou tinha conhecimento que a empresa fabrica cosméticos, remédios e tem soluções para armazenamento de dados?

Tudo isso faz parte da diversificação de negócios colocada em prática nas duas últimas décadas. E tem ainda a divisão médica, de diagnóstico por imagens com aparelhos e serviços, segmento que tem se destacado no mercado brasileiro, onde a Fujifilm instalou sua primeira filial fora do Japão, em 1958, hoje comandada pelo executivo Shin Tagawa. “Esse setor foi um dos que a Fujifilm registrou, globalmente, avanços muito expressivos, com o Brasil tendo participação relevante nos resultados alcançados”, disse o presidente à DINHEIRO. “O Brasil segue tendo papel importante para a Fujifilm e figura como um dos mercados em que esperamos obter os maiores crescimentos em participação.”

A divisão médica da Fujifilm existe desde 1936. Dois anos após a fundação da empresa foi criada a linha de negócio com o desenvolvimento de seu primeiro aparelho de raio-x. Já a primeira máquina digital de radiografia foi lançada no início dos anos 1980. Apesar de décadas de expertise, o setor tornou-se mais preponderante para a companhia nos últimos anos. Hoje, os equipamentos e serviços médicos são responsáveis por metade do faturamento global, que em 2020 (ano fiscal fechado em março de 2021) fechou em US$ 20,1 bilhões, com lucro líquido de US$ 1,67 bilhão. No Brasil, essa divisão também é a mais importante e ganhou ainda mais expressão com a pandemia de Covid-19. Tanto a área pública quanto a privada promoveram investimentos para estruturar o sistema de atendimento. “O segmento de saúde foi um dos que a Fujifilm registrou, globalmente, avanços muito expressivos, com
o Brasil tendo participação relevante nos resultados”, afirmou Tagawa, sem expor os números que são estratégicos e cobiçados por concorrentes.

A linha de saúde da empresa dispõe de aparelho de raio-x portátil, chamado Xair, aparelhos para exame de câncer de mama (inclusive com possibilidade de biópsia) e o sistema digital proprietário de diagnóstico e diagnóstico remoto, o Dri-Chem, que entrega resultados completos de testes de sangue em apenas dois minutos. Todo o aparato pode ser conectado a computadores e, assim, funcionar com Inteligência Artificial embutida para diagnósticos mais rápidos e eficientes. Também há o sistema Synapse 3D, um software para visualização e análise avançada de imagens. Com ele é possível registrar imagens de órgãos do corpo humano, separá-los uns dos outros e vê-los em 3D na tela do computador. Outros equipamentos de ressonância magnética e tomografia devem chegar ao mercado brasileiro em breve, a partir da compra da Hitachi Diagnostic Imaging pela Fujifilm em meados do ano passado. Os esforços, agora, estão concentrados para a companhia expandir no mercado de saúde do continente europeu. Emerson Stein, diretor da Divisão Imagem e Gráfica da Fujifilm Brasil, está otimista com relação a futuros negócios que devem ser gerados por aqui. “Estamos olhando para o futuro.”

A Fujifilm joga sua luz também no mercado pet brasileiro, que movimentou R$ 50 bilhões em 2021, segundo projeção do Instituto Pet Brasil. A empresa japonesa tem buscado ampliar a participação nesse nicho com soluções para diagnóstico veterinário homologadas e adaptadas a partir de produtos de uso já consolidado na saúde humana.

DIVERSIFICAÇÃO Uma das linhas de negócio mais curiosa da Fujifilm é a de filtros para produção de cervejas e vinhos. Presente no Japão, está em testes de adaptação para chegar ao mercado brasileiro. A partir de estudos em filmes fotográficos, pesquisadores testearam microfuros na película. O produto avançou para uma membrana capaz de filtrar a partícula de fermentação da levedura e, assim, evitar o processo de pasteurização. Processo parecido é feito com o vinho. É possível ainda filtrar a água para deixá-la extremamente pura para ser usada em telas de cristal líquido.

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“A empresa se destaca por apostar nos negócios em vez de vender ou abandonar projetos ao longo do tempo” Emerson Stein, diretor de imagem e gráfica da Fujifilm.

Ainda no campo dos produtos que a gente nunca imaginou que a Fujifilm fabricasse está o Prescale, único filme de medição de pressão do mundo, muito usado na indústria automotiva para testes em junção de motores, freios e pneus. A película mensura o equilíbrio da pressão, a distribuição da força aplicada e o tamanho da superfície atingida. Assim, antes de montar motores em série, por exemplo, o Prescale revela se o encaixe das juntas está uniforme. O mesmo serve para o fechamento de smartphones flip.

Armazenamento de dados é outra vertente da Fujifilm. Em caixinhas de 10cm x 10cm, fitas magnéticas guardam até 30 terabytes compactados. São usadas por bancos, indústria cinematográfica, televisões e hospitais para gravar dados sensíveis. Há ainda a participação da empresa no ramo de medicamentos. Com parceiros, desenvolve remédio para ebola na África, de Alzheimer nos Estados Unidos e até insumos para vacina da Covid-19. Cosméticos também estão no portfólio da empresa, com a marca Astalift. “A empresa se destaca por apostar nos negócios em vez de ir vendendo ou abandonando projetos ao longo do tempo. Concentra-se em desenvolver várias fontes de receita”, disse Stein, que trabalhou na Kodak, empresa americana do mesmo setor da Fujifilm mas que não teve a perspicácia de entrar na toca do tigre para pegar seu filhote.

Ellen Salomão, especialista em gestão e autora do livro Gestão Digital, frisa que as empresas precisam olhar para as mudanças do comportamento de consumo e estarem abertas a tendências. “Investir em pesquisas e escutar clientes, como fez a Fujifilm, é importante para manter uma visão atualizada do mundo.”

Para Rubens Massa, professor do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV, a diversificação de negócios da companhia japonesa é positiva. Joga ao seu lado o fato de ser uma marca conhecida mundialmente, forte e com credibilidade, porém tem de definir sua vocação. “Pulverizar as divisões não pode ser o fim do processo. Tem de dar continuidade a essa transformação e voltar a ser símbolo de algo novamente.” É como ensina outro ditado japonês: uma árvore é conhecida por sua fruta, ou seja, as pessoas te reconhecem pelo que você faz.

DivulgaçãoIMAGEM Na linha de equipamentos portáteis da Fujifilm, um dos destaques é o ultrassom SonoSite. (Crédito:Divulgação)

FOTOGRAFIA Mesmo com inovações e ampliação do portfólio, a Fujifilm mantém-se ativa no mercado de máquinas fotográficas, filmes e revelações. Em 2022, a linha XSeries de máquinas digitais da marca completa dez anos. São equipamentos voltados a fotógrafos amadores, avançados e profissionais. Entre os lançamentos, no dia 14 de janeiro a empresa anunciou a Instax Mini 11 BTS versão Butter, uma pequena câmera com revelação instantânea de fotos do tamanho de um cartão de crédito. E em fevereiro começa a ser difundido no Brasil o Pic&Go, um totem de impressão fotográfica que vem suprir uma demanda do consumidor, ressaltou Emerson Stein, diretor da Fujifilm. “Antes havia uma estação ou uma loja de impressão em cada esquina. As coisas mudaram, mas existe uma lacuna para as pessoas que querem imprimir 5, 10, 20 fotos.” A solução, com download de imagens pelo site e ferramenta de pagamento embutida, foi desenvolvida no Brasil. “A Fuji investe em fotografia pois acredita que tenha espaço”, disse o executivo.

Um ditado japonês importante define: visão sem ação é um devaneio; ação sem visão é um pesadelo. Significa que pensar em oportunidades e não colocar em prática é inútil. Por outro lado, agir sem pensar gera grande risco de imprevistos e desastres. Com planejamento e criatividade, a Fujifilm segue a linha dos provérbios de seus conterrâneos. Para sair bem na foto.

ENTREVISTA:
“Buscamos adaptação e preservação da própria identidade”

DivulgaçãoShin Tagawa presidente da Fujifilm Brasil. (Crédito:Divulgação)

Quais as características do mercado brasileiro que fazem a empresa tratar o País como uma região importante?
O Brasil é um mercado importante para qualquer empresa que se proponha a ter uma atuação global, como é a da Fujifilm. Não apenas porque é um grande mercado, mas também porque é um país em franco desenvolvimento, que está entre as 12 maiores economias mundiais e certamente vai manter uma posição econômica de destaque nas próximas décadas. Nossa presença no Brasil já tem quase 70 anos e o País segue com papel de destaque na operação global da Fujifilm.

Qual a representatividade em termos de receita global e na América Latina?
A Fujifilm divulga apenas informações referentes à atuação global da companhia. O Brasil, no entanto, segue tendo papel importante nos resultados da Fujifilm e figura como um dos mercados em que esperamos obter os maiores crescimentos em participação. Em relação à América Latina, seguramente o Brasil segue como o principal mercado.

Quais os principais investimentos feitos nos últimos anos pela companhia na operação brasileira?
Temos buscado crescer organicamente, sempre atentos às necessidades do mercado brasileiro. O mesmo vale para a estrutura de pós-venda, crucial na manutenção do relacionamento com nossos clientes. O pós-venda da Fujifilm em todas as áreas de atuação da empresa recebeu investimentos expressivos no Brasil para assegurar a nossos clientes de que terão a assistência imediata em caso de problemas, seja na forma de serviços técnicos qualificados ou em disponibilidade de peças de reposição, para que suas operações tenham o menor downtime possível.

O que faz uma empresa de quase 90 anos manter-se relevante?
Certamente é a capacidade de inovar. E, além disso, acompanhar as transformações do tempo, buscando sempre a adaptação e a preservação da própria identidade. Em resposta ao rápido declínio da demanda por filmes fotográficos desde 2000, a Fujifilm se reinventou para alcançar o “Segundo Fundamento” (segunda fase da empresa) e mudou drasticamente sua estrutura de negócios utilizando seus ativos, como a variedade de tecnologias únicas, desenvolvidas ao longo de muitos anos, a cultura corporativa, a marca e a força financeira. A Fujifilm está empenhada em se tornar uma empresa que pode criar a mudança.