O sol nasceu para todos, mas dizem em Roraima que cada produtor tem o seu. Cortado pela linha do Equador, o Estado tem, em média, uma hora e meia a mais de insolação por dia do que outras regiões produtoras. Isso significa mais fotossíntese e um desenvolvimento acelerado das plantas. Nessa última fronteira agrícola do País, terras custam cerca de um décimo do valor cobrado em regiões com agricultura desenvolvida e há variedades adaptadas das principais culturas.

Existe água disponível para irrigação e as chuvas são regulares. Por ter sua área cultivável no Hemisfério Norte, o plantio começa entre abril e maio, época na qual o restante do Brasil já colheu grãos e fibras. O produtor escapa do choque de oferta e de preços baixos. “Mas Roraima não é para amador”, afirma o produtor Emílio Paludo. “Tem de usar tecnologia e enfrentar muita coisa se quiser produzir aqui.”

Em relação ao imbróglio fundiário iniciado em 1988, quando Roraima deixou de ser território da União e as terras ficaram sem dono, somaram-se questões indígenas e a recente crise energética. Único Estado não interligado ao sistema nacional, Roraima depende da Venezuela ou da queima de diesel em termoelétricas para ter energia.

Há 39 anos em terras roraimenses, Paludo faz parte da primeira geração do agronegócio a migrar para o Estado. Como outros, plantou arroz e foi expulso de sua fazenda. “Tinha título e certidão negativa da Funai de que a área não era pretendida”, diz. “Mas uma reserva indígena foi ampliada e precisei deixar a fazenda.”

O empresário concentrou a produção em 5,4 mil hectares em Mucajaí (RR), a 80 quilômetros de Boa Vista. A fazenda é exemplo de alta tecnologia aplicada nessa região com muito sol, mas com solos pobres em matéria orgânica necessária às culturas. Com 4,2 mil cabeças de gado, Paludo entrega animais para abate no Frigo10, frigorífico na capital do qual é sócio. Recentemente, iniciou o plantio de grãos, integrado com a pecuária. Em 2020, quer ter 1,5 mil hectares com o cultivo alternado entre pastagens, soja e milho.

Outro veterano do agronegócio em Roraima é Genor Faccio. Também gaúcho, de Barra do Rio Azul (RS), chegou ao Estado há 40 anos em busca de dinheiro para pagar um curso pré-vestibular. É hoje um dos maiores empresários rurais de Roraima, dono de uma fazenda modelo de 13,5 mil hectares, na qual cultiva 2,1 mil hectares de arroz irrigado. A produção é verticalizada. O grão é processado e embalado na indústria própria e vendido no atacado e no varejo.

Faccio também é sócio do Frigo10, cultiva mais 5 mil hectares com soja e 500 hectares com milho. As 2,5 mil cabeças de gado são alimentadas, além do pasto, com grãos da propriedade e subprodutos do arroz beneficiado. Faccio também não teve vida fácil em Roraima. Em 2009, foi obrigado a deixar a propriedade de 6 mil hectares na região da Raposa Serra do Sol, onde produzia arroz, perdida para a reserva indígena.

Grãos

A estimativa é que entre 80 mil e 100 mil hectares sejam cultivados em Roraima com grãos na safra deste ano, área que deve dobrar até 2025. A exportação da safra em Roraima é feita pelo terminal da Amaggi, em Itacoatiara (AM), a cerca de mil quilômetros de distância. O produto chega ao porto amazonense pela BR-174, rodovia com asfalto de boa qualidade – como a maioria das estradas locais. Mas o grande desejo dos produtores é que a BR-401, que liga Boa Vista a Lethem, na Guiana, tenha condições de tráfego nos 454 km não asfaltados no país vizinho e que os produtos saiam pelos portos locais.

“Temos vocação para ser um novo oeste da Bahia”, diz Alexandre Henklain, consultor da Federação da Agricultura e Pecuária local (FAERR), se referindo a um dos grandes polos produtores do País, na região de Luiz Eduardo Magalhães (BA).

É nessa região baiana que estava a família Fukuda, uma das representantes da segunda geração do agronegócio a chegar a Roraima, em 2002. Ao contrário dos arrozeiros, essa leva de agricultores já produzia, principalmente soja, em regiões consolidadas.

Mas as dificuldades enfrentadas por eles no extremo Norte foram piores do que as dos pioneiros. Entre o início e a metade desta década, as crises de preços e da economia brasileira obrigaram a maioria desses produtores a dar um passo atrás. “Poucos dessa geração sobreviveram aqui. Hoje é indiscutível que o agronegócio está consolidado em Roraima e novos investidores estão chegando”, afirma Fábio Jun-Ichiro Fukuda, agropecuarista e gerente de vendas da Green Máquinas, da John Deere, uma das duas concessionárias locais de tratores e colheitadeiras.

Pelo mesmo caminho pedregoso passaram os irmãos Vebber, Afrânio e Marciano. Eles deixaram a segurança da região de Rio Verde (GO) e se aventuraram em Roraima. “Tivemos muitos anos bons, mas entre 2013 e 2016 foi um desastre, com safras ruins e diesel caro, o que tornou a produção praticamente inviável, pois o combustível é utilizado para a produção de energia”, diz Afrânio. Sobreviventes, hoje aplicam alta tecnologia em 2 mil hectares cultivados na safra e outros 900 hectares irrigados onde o plantio e a colheita não para.

Os Fukudas e os Vebbers sofreram com as crises, mas deixaram definitivamente as regiões produtoras consolidadas na Bahia e em Goiás. Os pioneiros Paludo e Faccio perderam terras e lutaram com problemas fundiários em um Estado que nem sequer tem um zoneamento para o plantio. Mas todos apostam no avanço do agronegócio na última fronteira agrícola do País. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.