A nova chefe da Procuradoria Regional Eleitoral do Rio, Silvana Batini, afirmou que o combate a fake news, a impulsionamentos fraudulentos e a candidaturas laranjas será o principal desafio para a Justiça Eleitoral nas eleições municipais de 2020. Segundo ela, partidos têm de ser responsabilizados por seus atos e serão punidos com “bala de canhão”. “Estaremos preparados para entrar com essas ações para cassar a chapa toda”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo.

Professora de Direito Penal e de Direito Eleitoral na FGV-RJ e integrante da força-tarefa fluminense da Lava Jato, Silvana assumiu no mês passado a cadeira de procuradora regional eleitoral no Rio – terceiro maior colégio eleitoral do País.

No comando da Procuradoria Regional Eleitoral do Rio, qual maior desafio para 2020?

No plano político, é fazer uma eleição que de alguma forma traga legitimidade do voto. Nós estamos vivendo um momento de intensa polarização, são eleições muito conturbadas. E eu acredito que, quando o processo eleitoral é feito de maneira tranquila, mesmo aqueles que perdem têm uma tendência de aceitar melhor os resultados e, de alguma forma, garantir mais governabilidade. No plano jurídico, o desafio é enfrentar determinados problemas que começaram a aparecer nas eleições de 2018. Basicamente, é essa mudança radical na forma de se fazer campanha. Ainda não temos parâmetros seguros para enfrentar a campanha hoje das redes sociais e o tipo de abuso que pode surgir por aí. Então esse é um desafio grande. Há também o desafio da representatividade da mulher, a gente vai completar dez anos da vigência da lei das cotas, sem conquistar a efetividade.

Como a Justiça Eleitoral pode combater o abuso de poder na era digital?

A gente precisa pensar a partir das experiências que vivemos nas eleições de 2018 para ver o que é que pode acontecer numa campanha de rede social. O que a rede social pode trazer que altere a normalidade de uma eleição. A desinformação, a fake news, é um aspecto disso. Você disseminar mentiras na rede social, isso altera a visão do eleitor. O eleitor tem o direito de conhecer os seus candidatos em um ambiente de lealdade e de transparência. Não é apenas o que vai trazer de dissabor, de prejuízo para o candidato, temos que pensar o que isso significa para o eleitor. Mas existe também a questão do abuso do poder econômico nos impulsionamentos fraudulentos e ilegais. Porque o financiamento da campanha está bastante direcionado, delimitado pela lei, e esses impulsionamentos, quando são feitos à revelia da autorização legal, acabam se transformando no uso de fontes vedadas de financiamento. E isso gera desequilíbrio e falta de isonomia entre os candidatos. E aí falta um regramento mais específico. O TSE está buscando através de resoluções.

A sra. citou o problema das cotas para mulheres, que ainda é alvo de fraudes…

O TSE produziu uma jurisprudência nos últimos meses muito radical, muito dura, que foi uma conquista importante. Disseram que, “se ficar provado que partido usou candidatura falsa, fraudulenta, ou como se diz, candidatura laranja, a gente vai derrubar todas as candidaturas daquele cargo do partido”. É, digamos assim, responder com uma bala de canhão. Cassa todos os registros. Deixou todo mundo surpreso com esse avanço que o TSE fez, no sentido de sinalizar para os partidos políticos que agora é para valer, que essas cotas têm que ser respeitadas. E isso foi uma luta do Ministério Público. Agora, é preciso pensar que o ideal é que não precise esperar chegar a ter a eleição para identificar essas candidaturas, para aí entrar com uma ação e cassar todo mundo. O ideal é que tivéssemos mecanismos de acompanhamento das candidaturas femininas em tempo real. Precisamos observar e acompanhar as candidaturas femininas em tempo real para saber se elas estão sendo manipuladas ou não, se estão recebendo recursos do partido ou não, se elas recebem recursos ou estão sendo obrigadas a repassar o dinheiro, se são candidaturas de fachada ou não. Se a gente conseguir minimamente acompanhar em tempo real, consegue produzir um resultado melhor e evitar essa medida drástica. Agora, se não for possível, nós estaremos preparados para entrar com essas ações para cassar a chapa toda.

Nas últimas eleições vimos ações em alguns Estados contra candidaturas laranjas e fraudes. Qual a dificuldade de se aplicar punições aos partidos?

O que aconteceu foi uma virada recente na jurisprudência, por isso os resultados (de punições) não são expressivos. Mas a decisão recentíssima do TSE sinaliza como se deve, daqui para a frente, interpretar esses casos. Diante de uma candidatura laranja, não havia o que fazer, depois de consumada a eleição. Com relação às candidaturas femininas, é preciso buscar uma forma de responsabilizá-los (partidos). Porque essas candidaturas laranjas, elas são patrocinadas por partidos. Quem tem que cumprir a cota é o partido, então é ele que acaba, de alguma forma, arregimentando candidaturas falsas.

O poder das milícias e das facções no controle de territórios no Rio é um problema, são cerca de 15% do eleitorado vivendo nessas áreas. O Ministério Público Eleitoral tem como coibir a ação desses grupos nas eleições?

Milícia é crime organizado, não é infração típica da Justiça Eleitoral. Vai mexer com várias áreas do sistema de Justiça, Polícia Civil, Polícia Federal, Justiça Estadual, Justiça Federal e, claro, pode trazer reflexos para atividade da Justiça Eleitoral. Então a questão das milícias nas eleições exige integração de todos os órgãos de controle. A Justiça Eleitoral vai poder examinar os pedidos de registros de eventuais pessoas envolvidas com o crime organizado. A gente precisa se comprometer a fazer uma triagem muito rigorosa desses pedidos de registros, para barrar candidaturas que não preencham os requisitos legais. Isso é o papel da Justiça Eleitoral.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.