O comércio no Brasil tem caras bem familiares, e as franqueadoras são as maiores responsáveis por isso, arrastando suas marcas para mais de 171 mil pontos pelo País. Só as dez maiores redes têm mais de 22 mil lojas — e reforçaram sua presença em 2021. Na crise, as franquias se tornaram uma espécie de mola propulsora para as vendas. O segmento expandiu 9%, com 22,8 mil novas unidades no ano, o que levou o faturamento do mercado a crescer 10% (para R$ 185 bilhões), de volta ao patamar de 2019.

Por trás desse crescimento, setores menos tradicionais, como o agronegócio, apostaram no modelo para garantir sua penetração no mercado de forma segura e com menos custos. Na outra ponta, aparecem cada vez mais interessados em investir no negócio. “Com o desemprego alto, cresce o empreendedorismo por necessidade”, afirmou André Friedheim, presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF) e franqueado master da rede Café do Ponto. O formato tem a seu favor a força das marcas, que costumam atrair consumo, mas nem por isso é infalível.

SOLUÇÃO Antonio Carlos Nasraui, CEO do Rei do Mate, aposta em franquias da nova loja contêiner e no reajuste de preços para a rede se recuperar em 2022 (Crédito:Keiny Andrade)

Com a pressão inflacionária, queda do fluxo nas lojas físicas e aumento dos aluguéis, foi um ano hostil para os empreendedores, especialmente os pequenos. Os fracos resultados de 2020 — quando o faturamento das franquias caiu em média 10% — já haviam provocado o encerramento de 14,7 mil operações. Somado ao baque da nova onda de fechamentos no início do ano passado, 8,6 mil unidades desceram as portas em 2021.
Houve paralelamente outro movimento, ainda mais nocivo. Como é natural, a crise impactou de maneira diferente empreendedores de portes diferentes. E o mais fraco paga a conta. Na Chiquinho Sorvetes, a 32ª maior do País com 665 endereços, todas as 19 lojas fechadas no período vieram de contratos com franqueados únicos. Assim, o mercado se consolidou definitivamente nas mãos dos grandes franqueadores e de multifranqueados, investidores com pelo menos cinco unidades que costumam ter sua própria estrutura de backoffice e conseguem negociar melhores condições para crédito e com fornecedores.

9% de expansão da rede registrou o setor, mesmo com 8,6 mil fechamentos e a crise

A concentração chegou à média de 59 unidades por rede, 7% a mais que em 2019. Entre as 50 maiores, que têm O Boticário, Cacau Show e McDonald’s na liderança, respectivamente, o crescimento médio em número de unidades foi de 23% — 14 pontos porcentuais (pp) acima do mercado. Mesmo em 2020, ano de retração na rede, essas empresas já tinham conseguido crescer 5% sobre 2019. Na Cacau Show, que saiu da terceira para a segunda posição no ranking, 55% das 500 inaugurações (salto de 19%) foram capitaneadas por empreendedores que já tinham lojas na rede.

No grupo SMZTO, maior fundo private equity de franquias no País, fundada pelo empresário Carlos Semenzato, os números também estão bem acima do setor. Em 2021, sua rede cresceu 40% em relação ao ano anterior, chegando a 3,5 mil unidades. Dos 970 novos endereços, 50% foram inaugurados por multifranqueados, e 30% ficaram nas mãos de investidores de outros setores que acabam de se juntar ao grupo. Nessa configuração, o faturamento saltou 30% no ano (R$ 4,6 bilhões), 20 pp acima da média do mercado. O investimento em uma franquia na rede fica entre R$ 200 mil e R$ 2 milhões.

O período também foi marcado por fusões e aquisições, como a compra da TrendFoods, com Gendai e China in Box, pelo grupo Trigo, dono do Spoleto, que aumentaram a concentração do mercado. “Essas grandes são caracterizadas pela alta participação dos multifranqueados”, disse Friedheim, da ABF. E esses investidores se tornaram a principal aposta das franqueadoras para manter o crescimento em 2022.

MICROPLAYERS Uma realidade bem distante dos franqueados únicos, que são atraídos pelas microfranquias, de até R$ 105 mil. Mas este público também faz parte da estratégia de expansão do setor, tanto que as redes lançaram novos formatos de lojas, mais versáteis e acessíveis.

A loja contêiner por R$ 200 mil, metade do valor da tradicional, foi a saída para o Rei do Mate se recuperar. “O movimento caiu 60% nesses dois anos”, afirmou Antonio Carlos Nasraui, CEO da franqueadora. Com o faturamento 30% abaixo de 2019, 20 franquias fecharam. A rede já retomou o tamanho, com 21 inaugurações do ano passado para cá, mas, hoje, é a inflação que preocupa.

Apesar da alta geral, o cafezinho virou um vilão, com inflação acumulada em mais de 50%. A rede só repassou 10% do aumento de custos, por isso, Nasraui antecipa novo reajuste nos preços até outubro, mas descarta falar de um futuro mais distante: “Impossível pensar além de 2022, com toda a incerteza que ainda temos pela frente”.