O jargão futebolístico brasileiro cravou dezenas – talvez centenas – de expressões, gírias e frases de impacto nas últimas décadas. Não é raro ouvir jogadores, técnicos e jornalistas esportivos dispararem os velhos bordões como “o jogo só acaba quando termina”, “o futebol é uma caixinha de surpresas”, “em time que está ganhando não se mexe”, “a melhor defesa é o ataque”, “quem pode mais chora menos”, entre tantos outros. Mas este último lema, a julgar pela relação entre os investimentos e as vitórias no Campeonato Brasileiro de 2017, especialmente os do Palmeiras, soa cada vez mais descabido.

O clube paulista, que está na 4ª na posição da tabela, é o que mais pode em termos financeiros. O alviverde possui a folha de pagamentos mais cara do futebol brasileiro atualmente, com despesa de R$ 11 milhões mensais, e também é o time que recebeu o maior patrocínio da temporada: R$ 100 milhões da instituição financeira Crefisa. Como comparação, a Caixa paga R$ 30 milhões para ter o mesmo espaço na camisa do Flamengo e o Corinthians está sem patrocinador máster. Neste ano, no entanto, o Palmeiras perdeu tudo o que disputou: Campeonato Paulista, Copa do Brasil, Copa Libertadores e praticamente disse adeus ao título brasileiro.

Uma vez flamengo…: o rubro-negro investiu R$ 160 milhões para trazer estrelas como Éverton Ribeiro, mas está apenas na 7ª colocação da tabela (Crédito:Alexandre Loureiro/Getty Images)

O desempenho apresentando em campo tem sido incoerente com seus cofres. “O Palmeiras é a maior prova de que fazer investimentos milionários, sem uma gestão competente, é o mesmo que rasgar dinheiro”, afirma Amir Somoggi, especialista em finanças de clubes de futebol. “Politicagem e salários de mais de R$ 300 mil para diretores, maior do que o rendimento de presidentes de bancos, explicam essa situação esquizofrênica.” A solução, segundo ele, seria um choque de gestão nos clubes, com menos troca de técnicos e jogadores, além de contratações mais profissionais. Procurados pela DINHEIRO, o Palmeiras e a Crefisa não atenderam os pedidos de entrevista.

A campanha instável do Palmeiras não pode ser justificada pela falta de contratações. Com o endosso da presidente da Crefisa, Leila Pereira, que também ocupa assento no conselho e não esconde sua ambição de chegar à presidência, o clube gastou R$ 35 milhões apenas para contratar o colombiano Borja, que ainda não conseguiu se firmar no time e está muito longe de repetir as boas atuações de quando defendia o Atlético Nacional, da Colômbia.

Dinheiro de sobra: sob o comando de Leila Pereira, a Crefisa investiu cerca de R$ 100 milhões no Palmeiras neste ano, mas o time perdeu todos os torneios que disputou (Crédito:Ale Cabral/AGIF)

O Palmeiras também pagou R$ 18,5 milhões para trazer o atacante Deyverson, do Levante, da Espanha; R$ 12 milhões pelo zagueiro Luan, do Vasco, e R$ 11,7 milhões por Alejandro Guerra, meia do Atlético Nacional, da Colômbia. “As empresas que decidem apostar no marketing esportivo precisam estar cientes que futebol vive de ciclos e que a exposição de sua marca, de forma positiva ou negativa, estará atrelada ao desempenho do time”, afirma Fernando Veloso, especialista em marcas e gestão de crise na FGV-SP.

Nos últimos anos, o Palmeiras também desfrutou de uma boa saúde financeira. O ex-presidente Paulo Nobre, em seu mandato de 2013 a 2106, injetou cerca de R$ 200 milhões no clube e com direito a juros bem menores do que os praticados pelos bancos. Mas o Palmeiras não é líder isolado na tabela dos times que investem muito e estão jogando pouco. O Atlético-MG mantém uma folha de pagamentos de R$ 10,5 milhões mensais, a segunda mais rica do País, mas ocupa apenas a décima colocação na tabela. Já o São Paulo, na terceira colocação em pagamento a jogadores, está na 11ª posição e passou o campeonato inteiro brigando para não ser rebaixado. O Flamengo, time de maior torcida do País, é também o que mais investe.

Time milionário: o PSG, de Neymar e Daniel Alves, chegou ao topo do campeonato francês após seis anos de grandes investimentos (Crédito:AFP Photo / Franck Fife)

Neste ano, o rubro-negro gastou quase R$ 160 milhões com o elenco, R$ 30 milhões a mais do que em 2016, mas ocupa apenas o 7ª lugar na classificação (ver tabela ao lado). “As gestões dos clubes brasileiros são, em geral, tão amadoras que todos os times estão nivelados por baixo nessa questão”, diz Cesar Grafietti, superintendente de crédito do Itaú BBA e autor de um estudo sobre finanças no futebol brasileiro. “O problema é que, apesar dos grandes investimentos, os clubes brasileiros são imediatistas e acreditam que o retorno virá no dia seguinte, algo que não acontece na Europa.”

Os times europeus, de fato, apresentam um projeto de longo prazo. O francês PSG é um exemplo. O time gerido pelo príncipe do Catar, Hamad bin Khalifa al-Thani, investiu € 2,8 bilhões (equivalente a quase R$ 11 bilhões) nos últimos seis anos, incluindo a contratação de Neymar por € 220 milhões (R$ 820 milhões), em agosto. Os bons resultados, porém, só começaram a aparecer nesta temporada, e o PSG lidera, com folga, o campeonato francês há nove rodadas. Nos últimos dez anos, o inglês Manchester City, do xeque Mansour bin Zayed Al Nahyan, vice primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos e proprietário do clube desde agosto de 2008, investiu € 1,43 bilhão em reforços, seguido pelo espanhol Real Madrid (€ 1,06 bilhão), Manchester United (€ 993 milhões), Chelsea (€ 938 milhões) e Juventus com € 888 milhões. A equipe italiana, depois de anos sem vencer nada, apesar do elenco milionário, conseguiu se consolidar como o melhor time do país, conquistando os últimos seis títulos nacionais – provas de que o dinheiro é importante, mas não vence jogo. É preciso, principalmente, ter gestão.