Sem o polêmico artigo 18 da medida provisória 927, que regulamenta a atividade trabalhista neste período de quarentena no Brasil, por conta do coronavírus, o governo de Jair Bolsonaro agora corre para indicar como vai ajudar as empresas e os trabalhadores durante a situação de calamidade pública. Para especialistas, é necessário agir com clareza junto aos empregados recolhidos em casa e respiro às empresas.

Uma nova redação do trecho retirado pelo governo deve ser publicada nos próximos dias, articulando uma forma de compensação remuneratória aos empregados e garantindo subsistência às empresas, afetadas em larga escala pela interrupção total ou parcial de suas atividades. O artigo, dizimado em críticas durante a manhã desta segunda-feira (23), e vetado mais tarde pelo presidente, permitia a suspensão dos contratos de trabalho por até quatro meses, sem indicar como a remuneração dos trabalhadores seria feita.

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Nos bastidores econômicos, rumores dão conta de que a engenharia adotada pelo governo trará um modelo simples, onde a empresa entra com 1/3 do salário e a União com o outro 1/3, além de promover o acesso ao seguro-desemprego.

Outra opção é a de reduzir a jornada de trabalho, cortando em 50% a remuneração, com uma ajuda do governo. Os detalhes ainda serão discutidos internamente, mas pode ser que os valores estejam limitados a quem recebe no máximo três salários mínimos.

Especialistas em Direito do Trabalho afirmam que o texto é o necessário para um momento atípico, onde as empresas precisam lutar para não quebrarem e os trabalhadores terão que renunciar a alguns entendimentos para seguirem com seus empregos ativos. Sem essa flexibilização de ambas as partes, a situação econômica do País tende a se agravar.

O professor de Direito do Trabalho das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) Ricardo Calcini avalia que o governo optou por uma espécie de “lay off” com o antigo artigo 18, adotando dispositivos já existentes na legislação trabalhista e criados no governo Dilma Rousseff (PT) para que os empresários suspendessem contratos em períodos de grave crise.

“Essa remodelagem que tinham colocado na MP não criou nada de excepcional no ordenamento jurídico. Mas diante do atual cenário, de total insegurança jurídica, principalmente dos trabalhadores que deixariam de ter uma renda mínima, me pareceu acertada essa revogação”, alertou Calcini.

Sócia do escritório Andrade Maia Advogados, Larissa Fortes de Almeida observa que é preciso adotar linhas semelhantes a outros países que passam por uma situação ainda mais complicada que a do Brasil, como os Estados Unidos e o Reino Unido, onde os governos apresentaram planos de contenção claros e estruturados quando o assunto foi emprego e ajuda financeira para as empresas.

As medidas adotadas abrangem desde transferências diretas de renda e subsídios temporários nos salários a licenças remuneradas para quem for contaminado e suporte às empresas que não demitirem funcionários.

“É preciso ter um valor mínimo de remuneração para seguir no período de crise”, indicou Larissa, observando que a MP de certa forma aproxima o empregado do patrão, uma vez que ele precisa negociar pontos pessoais de forma mais rápida do que em um acordo coletivo. “Um momento como esse seria difícil fazer assembleias com sindicatos. A medida permite uma negociação informal, direta com o empregador”, completou.

Uma pesquisa feita pelo Datafolha, realizada entre os dias 18 e 20 de março – antes da publicação da MP, portanto –, indica que 79% dos trabalhadores entrevistados temem que sua renda diminua por causa dos impactos econômicos gerados pelo coronavírus. Cerca de 16% acreditam que ela será pouco afetada e somente 3% desacreditavam nos impactos do vírus.

Em outro levantamento, divulgado nesta terça-feira (24) pelo Instituto Locomotiva/Data Favela, cerca de sete em cada dez famílias brasileiras que vivem em favelas já tiveram a renda reduzida devido a crise do coronavírus. Foram mais de mil pessoas ouvidas em 262 comunidades de todo o País. Aproximadamente 79% dos entrevistados tiveram de reduzir as despesas em casa, ainda que 84% afirmaram que os custos aumentaram, já que as aulas das crianças estão suspensas.

Claudia Ayabe, coordenadora da área de Direito do Trabalho no Tess Advogados, avalia que “se o texto for reformulado nesse sentido de subsídio ao trabalhador, o governo consegue cumprir a intenção inicial da MP de reduzir as demissões e retira o medo causado nos empregados com a redação do artigo 18”.

“Chegamos em um ponto em que é preciso esquecer tudo o que aprendemos no Direito do Trabalho e acontecer um entendimento comum de todos os lados. É um momento atípico”, argumentou Claudia.