As forças curdas da Síria lutavam nesta quinta-feira para conter a ofensiva lançada pela Turquia no dia anterior no nordeste do país em guerra, aumentando o medo de uma nova crise humanitária.

A ofensiva da Turquia provocou protestos internacionais e uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU está programa para esta quinta.

Enquanto os ocidentais temem o ressurgimento do grupo terrorista Estado Islâmico (EI), cuja derrota na Síria se deve em grande parte às forças curdas, o presidente francês Emmanuel Macron pediu à Turquia que “encerre o mais rápido possível” sua ofensiva.

Mais de 60.000 pessoas foram deslocadas desde quarta-feira pela violência, fugindo das áreas na fronteira, segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH).

Empoleiradas em caminhonetes, carregando com eles geladeiras, botijões de gás, colchões e sacolas de juta, mulheres e crianças chegaram à cidade de Tall Tamr, mais ao sul e poupada dos combates, constatou um correspondente da AFP no local.

O objetivo declarado da operação de Ancara, realizada com o apoio de rebeldes sírios, é afastar da fronteira a principal milícia curda da Síria, as Unidades de Proteção do Povo (YPG).

Parceiras dos ocidentais na luta contra o EI, as YPG são consideradas uma organização “terrorista” por Ancara, por seus vínculos com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).

Na quarta-feira à noite, a Turquia lançou seu ataque terrestre e suas forças cruzaram a fronteira, concentrando suas operações nas áreas fronteiriças de Ras al-Ain e Tal Abyad, controladas pelas forças curdas.

O ministério da Defesa turco disse que a operação “foi conduzida com sucesso durante a noite, no ar e no solo”. “Alvos designados foram capturados”, disse no Twitter, sem mais detalhes.

As forças turcas conquistaram sete vilarejos perto de Ras al-Ain e Tal Abyad, segundo o OSDH, que relata ataques aéreos turcos.

– Desastre humanitário –

Segundo a imprensa turca, Ancara planeja assumir o controle da zona entre Ras al-Ain e Tal Abyad, que tem 120 quilômetros de extensão e 30 quilômetros de profundidade.

“Confrontos violentos estão em andamento nessas áreas”, de acordo com um oficial das Forças Democráticas Sírias (FDS), uma aliança de combatentes curdos e árabes dominada pelas YPG.

Desde quarta-feira, pelo menos 23 combatentes das forças curdas e 9 civis foram mortos nos ataques aéreos e disparos de artilharia do Exército turco, segundo o OSDH.

Do lado turco, ao menos seis civis, incluindo um bebê e uma menina, morreram e dezenas ficaram feridos nesta quinta por projéteis lançados contra cidades fronteiriças turcas pelas YPG, segundo autoridades locais.

Para Ancara, a ofensiva deve permitir a criação de uma “zona de segurança”, que poderá receber os 3,6 milhões de refugiados sírios que vivem em seu território.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ameaçou nesta quinta abrir as portas da Europa a milhões de refugiados em resposta às críticas europeias à ofensiva.

A ofensiva, realizada em cooperação com uma coalizão de ex-rebeldes financiada e treinada por Ancara, é a terceira maior da Turquia na Síria desde 2016.

E abre uma nova frente em um conflito que deixou mais de 370.000 mortos e milhões de deslocados desde 2011.

A ONG Save The Children alertou para um “desastre humanitário iminente”. “Com o inverno se aproximando, eles enfrentarão desafios adicionais”, advertiu.

– Reconstrução do califado –

Sem aviação, parece difícil para as FDS resistirem ao Exército turco. “As FDS não podem defender toda a fronteira”, disse Nicholas Heras, analista do grupo de reflexão Center for New American Security.

“A verdadeira questão é: até que ponto a Turquia pode avançar antes de uma tomada de decisão por atores regionais ou internacionais”, acrescentou.

Acusado de trair seus aliados curdos, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump tentou justificar a luz verde dada a Ancara com a retirada dos soldados americanos de certas áreas de fronteira na Síria, pouco antes do início da operação.

Diante do clamor internacional, Trump disse esperar que seu colega turco agisse de maneira “racional e humana”, prometendo destruir a economia da Turquia no caso de uma “ofensiva injusta”.

A ofensiva foi condenada por vários países ocidentais, que temem a incerteza sobre o destino dos milhares de prisioneiros jihadistas das FDS.

“Esse risco de ajudar o Daesh (sigla em árabe para o EI) a reconstruir seu califado é de responsabilidade da Turquia”, declarou nesta quinta Emmanuel Macron.

De acordo com a autoridade semiautônoma curda, os bombardeios turcos atingiram na quarta uma prisão onde estão jihadistas estrangeiros do EI.

Teerã, poderoso aliado do regime de Bashar al-Assad, por sua vez, pediu um “cessar imediato” da operação.

A Rússia, principal apoio de Damasco, enfatizou a “necessidade de estabelecer um diálogo” entre Ancara e o regime sírio.

Damasco, que denunciou o que chamou de ambições expansionistas da Turquia, tem uma visão negativa da autonomia estabelecida pela minoria curda.