A imagem que se vê na bola de cristal dos mercados futuros não é lá muito nítida quando se trata de prever o que vai acontecer nos meses seguintes. As cotações de contratos futuros de ativos como dólar e taxas de juros são sempre tomadas como referência, mas raramente os fatos confirmam as projeções que elas indicam. Quem podia olhar as taxas na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) e prever a turbulência que sacudiu as mesas de operações nas últimas duas semanas? Tarefa impossível, porque os sinais não estavam lá. Os contratos de juros, por exemplo, apontavam apenas a continuação da normalidade e a manutenção das taxas nos 15% que vigoravam no mercado interbancário. No entanto, vieram a crise política na Argentina e o freio na economia americana, e tudo o que os mercados futuros previam em janeiro ficou esquecido no passado. Sinal de ineficiência do sistema? Para quem conhece o mercado, não. Os futuros não se mostram eficazes para antecipar os próximos eventos do mercado simplesmente porque, como os filmes de ficção científica, eles projetam uma imagem a partir das expectativas e angústias do presente. Os fatos que mudam o aqui, agora jogam fora todas as sinalizações que as cotações dos contratos na BM&F emitiam até a véspera. ?Os mercados futuros não são bola de cristal. Mas isso não tira a capacidade deles de cobrir riscos de empresas e investidores?, explica o presidente da bolsa, Manoel Félix Cintra Neto.

As emoções são especialmente fortes em países emergentes. Maurício Zanella, diretor de derivativos do Lloyds Bank, explica que as taxas indicadas pelos contratos na BM&F refletem a expectativa que os investidores têm para o mercado caso o cenário econômico e político permaneça como está até o vencimento do contrato. Quadro raro em países instáveis como o Brasil e seus pares na lista dos mercados latino-americanos. Como conseqüência das alterações de percurso, as taxas vão sofrendo soluços até a data de seu vencimento. Os contratos futuros de juros, por exemplo, saíram dos plácidos 15% em que estavam nas primeiras dez semanas do ano e bateram subitamente acima de 19,5% no último dia 22, logo após o fracasso de Ricardo López Murphy à frente do Ministério da Economia argentino. Em seguida, recuaram para menos de 17% e nesse nível se mantiveram. O futuro não pode ter mudado tanto assim em tão pouco tempo. As alterações foram no presente.

Mesmo que a instabilidade não fosse tanta, os preços não poderiam ser tomados como previsões exatas de adivinhadores privilegiados. Alberto Gaidys, diretor de produtos de tesouraria do BankBoston, compara o preço de um contrato futuro de dólar ao de um carro que uma pessoa compre hoje, mas para receber somente dentro de um ano. O preço do carro, para começar, seria acrescido da taxa de juros que corresse no período. Mas, em contrapartida, seria descontado pelo fato de que o comprador não poria logo as mãos no veículo e, por isso, não poderia desfrutar de seu uso. ?É exatamente assim que se calcula preço nos mercados futuros?, explica. Isso vale sobretudo para contratos de dólar, DI (os juros interbancários) e Ibovespa. Mas tem peso também nos contratos não-financeiros, como os de petróleo e soja, nos quais influenciam ainda as informações sobre oferta e demanda no futuro, que alteram o preço dos produtos.

Mesmo que algum recurso extraordinário permitisse antecipar com exatidão o valor de algum ativo no futuro, como o dólar, as cotações dos contratos na BM&F provavelmente não seguiriam essa indicação. Isto porque investidores espertos aproveitariam a diferença entre o preço presente da moeda e a cotação futura, comprando a mais barata e vendendo a mais cara. Com esse movimento, chamado arbitragem, transformariam a diferença em lucro para seu bolso ? e provocariam o afastamento das taxas da previsão inicial.