Nos próximos meses, os consumidores de Campinas interessados em carros importados poderão contar com mais opções para comprar modelos na cidade. Kia e JAC, duas das maiores marcas asiáticas, negociam a reabertura de pontos de vendas fechados nos últimos anos no município do interior de São Paulo em meio às dificuldades do setor. Mais do que a recuperação de 11,7% esperada para o mercado neste ano, a decisão é motivada pelas perspectivas da nova política automotiva, em fase final de aprovação. Chamado de Rota 2030, o plano acaba com uma barreira tributária para os estrangeiros, que limitou a operação das importadoras nos últimos seis anos. O objetivo agora é tirar o atraso e acelerar a expansão da rede para resgatar as vendas a um nível próximo ao do período pré-proteção.

O empresário José Luiz Gandini, importador da sul-coreana Kia, espera adicionar 25 concessionárias até dezembro e alcançar um total de 115 pontos de venda. A previsão é de comercializar 20 mil carros neste ano, mais que o dobro das 8.431 unidades vendidas em 2017. No pico, a marca chegou a registrar um volume de 80 mil carros, em 2011, quando a rede contava ainda 180 lojas. Foi só depois do Inovar-Auto, a política automotiva com duração de 2012 a 2017, que a companhia teve de pisar no freio, diante da restrição de até 4.800 carros/ano permitidos para importação sem o adicional de 30 pontos percentuais no IPI, o que derrubou o número de lojas para 90 unidades. Nesse período, a chinesa JAC também se acostumou a fechar pontos de vendas. Em 2018, prevê inaugurar até dez concessionárias.

As duas marcas simbolizam as restrições de mercado do Inovar-Auto. A rápida evolução das importações asiáticas, numa época em que dólar caiu a menos de R$ 2,00, foi um dos fatores que motivaram a criação de um estímulo à produção local. Em 2011, a parcela de veículos estrangeiros alcançou o maior patamar já registrado, de 23% das vendas internas. Com a barreira, essa fatia caiu para 10,9% em 2017. Esses números incluem ônibus e caminhões de todas as origens, inclusive do Mercosul e do México, não impactados pelas barreiras. A expectativa de governo e indústria é de um novo incremento, para até 20%. “Não esperamos uma enxurrada de importações”, diz o secretário de Desenvolvimento e Competitividade Industrial do Ministério da Indústria e Comércio, Igor Calvet (leia entrevista ao final da reportagem).

Na espreita: representantes do setor automotivo se reuniram com o presidente Temer em novembro para tratar do Rota 2030. Impasse sobre renúncia fiscal e votação da reforma da Previdência adiaram divulgação do programa para fevereiro (Crédito:Marcos Corrêa/PR)

O temor é menor porque o patamar do dólar é outro e já dificulta a competição com a produção local. A indústria também destaca a evolução tecnológica dos modelos no período como um ponto a favor dos nacionais. De qualquer forma, as barreiras já não eram mais possíveis depois que a primeira política foi condenada pela Organização Mundial de Comércio (OMC), no ano passado. O Rota 2030 reabre o mercado para os veículos internacionais. Não há cotas ou distinções para importados e nacionais. Todas as empresas terão de cumprir obrigações de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), além de metas de eficiência energética e segurança veicular. O texto deveria ter sido anunciado no início do ano, mas está atrasado devido a divergências entre ministérios. Devido ao impasse e o desejo do governo de aprovar a reforma da Previdência primeiro, o lançamento está programado para fevereiro.

O principal entrave é a discussão acerca do incentivo fiscal para as empresas que investirem em pesquisa. O Ministério da Indústria e Comércio defende que os dispêndios nessa categoria possam ser abatidos de Imposto de Renda e CSLL ou qualquer tributo federal, se as empresas não tiverem lucro, caso comum atualmente. O Ministério da Fazenda quer limitar apenas ao IR e CSLL. A renúncia fiscal é estimada em R$ 1,5 bilhão. As montadoras e o Ministério da Indústria e Comércio alegam que, pela ideia da Fazenda, as empresas que puderem vão utilizar o benefício, mas não haverá investimento novo em pesquisa.

Para a indústria, os estímulos são relevantes principalmente para apoiar tecnologias locais, como as voltadas para o uso de etanol, por exemplo. “Acredito que todos os países que têm setor automotivo precisam de uma política forte”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale. A Fazenda enxerga que já houve uma flexibilização na questão do P&D e não mostra disposição para negociar. “Já cedemos e propusemos um desconto mais generoso – porque pode ser feito a qualquer momento do tempo – do que o disponível para outros setores por meio da Lei do Bem”, afirma o ministério, em nota.

Outra divergência parece resolvida. Os técnicos da Fazenda defendiam um aumento de IPI em dois pontos percentuais em todas as categorias e só quem superasse as metas mínimas de eficiência poderia abater o adicional. Ou seja, as alíquotas, que hoje variam de 7% a 25%, passariam a 9% até 27%. No entendimento da Pasta, trata-se de uma maneira de garantir o incentivo sem que haja impacto aos cofres públicos. “A proposta do Mdic é neutra hoje, mas implicará em renúncia fiscal daqui a quatro anos se o programa for bem sucedido, ou seja, se as empresas cumprirem a meta”, afirma o Ministério da Fazenda. O modelo em que há alta de impostos primeiro é contrário à regra do Inovar-Auto, em que os ganhos extras de eficiência geravam uma redução, para até 5% na alíquota mais baixa. O texto final deve manter essa versão, como defendida pelo Ministério da Indústria.

Na primeira política automotiva, a indústria conseguiu uma redução de consumo de 15,46% em relação aos níveis de 2012. A meta obrigatória era 12,08% com multas pesadas para quem não a cumprisse. Na versão atual, a economia será de 12,05% até 2022. Isso significa sair de um consumo de 15,93 km/l para 18,2 km/l. Haverá um incentivo específico para veículos híbridos e elétricos. A previsão é que antes mesmo do anúncio oficial do Rota 2030, o governo publique a redução do IPI de até 25% para 7%. 

Para marcas que oferecem esse produto, a medida pode abrir caminho para a fabricação local. “Será um apoio para continuar esse mercado e para a percepção de que estamos mirando ter algum dia produção no Brasil”, diz o diretor de assuntos governamentais da Toyota, Ricardo Bastos. Segundo ele, há potencial para que essas categorias alcancem no Brasil níveis semelhantes aos vistos em mercados no exterior, de 10% a 15% do mercado. “Para chegar nesses percentuais, é preciso ter produção local”, diz Bastos. Em 2017, os híbridos e elétricos representaram menos de 1% do volume total do País.

BAIXO VOLUME No desenho final da nova política, o governo estuda acrescentar um incentivo adicional para as marcas de luxo. Elas foram incentivadas a construir fábricas de baixo volume no País para poder vender mais do que a cota de importação permitia no Inovar-Auto. Audi, BMW, Mercedes-Benz e Jaguar Land Rover construíram unidades no Brasil e agora poderiam ver seus investimentos perderam sentido sem a proteção, com risco de fechar as linhas locais. A ideia, ainda preliminar, é oferecer uma vantagem para que elas possam exportar a partir do Brasil. Isso seria feito com uma alíquota mais favorável do Reintegra (benefício fiscal para exportações).

Ao rebater críticas do Banco Mundial, num evento no final do ano passado, o presidente da Mercedes-Benz no Brasil, Phillipp Schiemer, defendeu a abertura de mercado, mas reforçou a necessidade de uma mudança gradual. “Não é possível achar que depois de dois anos pode-se mudar completamente as regras do jogo”, afirmou Schiemer . A decisão sobre a regra adicional ao grupo deve ficar para um segundo momento. Não deve entrar no anúncio geral do programa, em fevereiro.


“Não acredito em enxurrada de importações”

O secretário de Desenvolvimento e Competitividade Industrial do Ministério da Indústria, Igor Calvet, detalhou à DINHEIRO o programa Rota 2030:

Como ficará a regra para importados? Acaba-se com os 30 pontos extras de IPI?
A proposta é que fique assim, sem proteção adicional. Pode importar o quanto quiser.

Há risco de uma explosão de importação, como se temia na época do Inovar-Auto?
Não acredito em enxurrada de importações porque a maioria já produz aqui. É óbvio que a gente vai ter entrada de importadores maiores, algumas sul-coreanas e chinesas, que vão entrar com mais força. Nossa projeção é de que vamos atingir, depois de cinco anos, uma penetração de importados da ordem de 15% a 20% do mercado nacional. Hoje, é de 10%.

Há risco de saída de fábricas instaladas aqui para fugir das cotas do Inovar-Auto?
O risco existe na ausência de qualquer política, porque o setor funciona a médio e longo prazo. Sem desenho de P&D, como alguns propõem, há risco das montadoras premium, de baixo volume. O risco maior de desinvestimento é delas.

Só o investimento em P&D garantiria a manutenção dessas fábricas?
Ajuda, mas acredito que a manutenção se dará por uma visão de que podem ser polos exportadores, que independam do mercado doméstico.

Na sua avaliação, o Rota 2030 garante isso?
Existe uma proposta sobre a mesa que daria essa possibilidade. Não é muito madura ainda, mas que pode, a partir disso, [permitir] que permaneçam, aliando P&D com a proposta para o viés exportador. Sem meta de exportação, porque isso não pode pela OMC, mas com possibilidade de atuar via Reintegra [benefício fiscal para exportações], aumentando a alíquota.

A tributação de híbridos e elétricos vai entrar no primeiro anúncio?
Acho que vai entrar antes do primeiro anúncio do Rota 2030. O que temos acertado com o presidente é que daríamos uma sinalização ao mercado sobre a direção em que estaria indo o Rota. O primeiro anúncio seria uma revisão das alíquotas para híbridos e elétricos. Hoje, está em 25% e a proposta é que os dois vão para 7%. Imagino que nas próximas duas semanas deve sair.