O burburinho das conversas nas mesas, dos garçons anotando pedidos, dos copos e pratos tilintando se foi. Os bares e restaurantes da grupo Turn the Table estão fechados há mais de uma semana, assim como boa parte dos pequenos e médios negócios das grandes capitais brasileiras. Humberto Munhoz, sócio da holding dona de oito unidades em São Paulo e no Rio de Janeiro, foi precavido. Ele preparou um estudo para prever como seria passar 90 dias sem receita, de forma a entender os efeitos da parada geral dos negócios em decorrência do surto da Covid-19. “Trabalhei com o pior cenário e procurei o banco”, diz. “Tomei crédito que me garantiu taxa baixa e prazo maior de pagamento. Deixei o dinheiro na conta. Se precisar, eu vou usar.”

Se os impactos econômicos da nova crise são incertos devido a um cenário inédito no mundo globalizado, poucos duvidam que entre os mais afetados ficarão o micro, pequeno e médio empresário. “Estamos em um momento de solidariedade e o empresário deve perder a vergonha de pedir prazo para pagar o aluguel, fornecedores e negociar com os funcionários”, afirma Tirso Meirelles, presidente do Sebrae-SP, o serviço de apoio às pequenas empresas. “Em 20 dias, o capital de giro pode se esgotar e não há como pagar nenhuma obrigação”, diz. E o poder de contágio desses atrasos prejudica outras empresas em situação similar. Só no estado de São Paulo são mais de 4 milhões de microempreendedores individuais e empresas de pequeno porte. Elas são responsáveis por ocupar 10 milhões de trabalhadores e movimentam 27% do PIB.

CRIATIVIDADE: Juliana Pires, do salão Espaço Bela, vende serviços por WhatsApp, enquanto aguarda linha de financiamento de bancos públicos. (Crédito:Divulgação)

Para evitar estragos pesados na economia, o governo brasileiro, assim como os de diversos outros países no mundo que enfrentam a crise, estuda formas de garantir crédito a esses empresários. Os bancos privados consideram abrir linhas de financiamento que garantam o pagamento de dívidas das empresas, ao mesmo tempo que aumenta a pressão para o Tesouro também participar do esforço. Em videoconferência organizada pela XP, na semana passada, Guilherme Benchimol, fundador da plataforma de investimentos, defendeu a criação de um “Plano Marshall” para salvar a economia, em referência aos massivos aportes americanos para reconstruir a Europa do pós-guerra. Ele previu que a crise pode levar a um número de até 40 milhões de desempregados. Benjamin Steinbruch, presidente do conselho de administração da siderúrgica CSN, fez coro e propôs capital de emergência para pagar salários nas pequenas organizações.

Os bancos públicos parecem mais avançados nos anúncios, apesar de reclamações de clientes quanto à burocracia para conseguir os empréstimos. A Caixa anunciou a redução em até 45% nas taxas de juros para capital de giro de pequenas empresas. O Banco do Brasil terá um reforço de R$ 100 bilhões de linhas, sendo que metade disso deve ser direcionado às menores empresas. O BNDES prevê ajuda de R$ 55 bilhões. Fintechs também criaram ações especiais, caso do Lado a Lado na Crise, da Bcredi. “Grande parte dos empreendedores brasileiros se arriscaram para abrir os seu negócios”, diz Henrique Cantagesso, diretor de operações da fintech. “Por isso, criamos uma maneira de passar conhecimento e propor troca de ideias por meio de redes sociais.”

RESERVA: Humberto Munhoz, sócio do grupo de bares e restaurantes Turn the Table, tomou crédito privado e guardou para emergências. (Crédito:Divulgação)

FUTURO Mesmo com ajuda, não haverá caminho fácil para atravessar a crise. Proprietária do Espaço Bela, um salão de beleza com 60 funcionários na Zona Sul de São Paulo, a administradora de empresas Juliana Pires procura driblar as dificuldades com criatividade. Para garantir faturamento no futuro, ela oferta por WhatsApp pacotes de serviços de beleza, com descontos de até 50%, para quando o salão reabrir. “Meu faturamento mensal costuma ser de R$ 150 mil, mas está praticamente zerado nesses últimos dias”, diz a empresária. “Procurei linhas de crédito com a Desenvolve SP (agência de fomento do estado) e ainda aguardo o resultado para estudar a possibilidade de empréstimo. Sei que o negócio não vai se recuperar rapidamente. Posso resolver um problema agora para arrumar outro para os próximos meses”.