Desde a divulgação das bombásticas gravações da JBS, em 17 de maio, os empresários vêm trabalhando com suas atenções divididas. Um olho acompanha o futuro do presidente Michel Temer e o outro não desgruda da tramitação das reformas no Congresso Nacional. Num primeiro momento, o pânico que tomou conta do mercado financeiro – com queda na Bolsa e alta no dólar e no risco-país – ameaçou contaminar o setor produtivo. Um exemplo concreto foi o movimento nas concessionárias de veículos, que minguou nos dias imediatamente subsequentes à eclosão da crise política.

“Nos dois primeiros dias, foi um baita susto”, diz um executivo ligado a uma montadora europeia. “Os clientes que estavam prestes a fechar a compra de um carro pediram mais tempo para pensar.” Foi apenas um susto. Já naquele fim de semana, as vendas voltariam ao patamar médio da quinzena anterior, de quase 9 mil unidades por dia, o que resultou num crescimento de 24,6% nas vendas em maio, em relação ao mês abril, e de 16,8% em comparação com maio de 2016. Passada a tensão política inicial, as recentes boas notícias da economia, como a alta do Produto Interno Bruto (PIB) e a queda da inflação, vêm animando o empresariado (leia reportagem aqui), que ainda aguarda um cenário menos nebuloso.

Protesto: manifestantes utilizam máscaras de políticos para protestar contra a corrupção e as reformas, em frente ao Congresso Nacional
Protesto: manifestantes utilizam máscaras de políticos para protestar contra a corrupção e as reformas, em frente ao Congresso Nacional (Crédito:Marlene Bergamo/Folhapress)

Os últimos dias trouxeram fatos positivos para o governo Temer. A reforma trabalhista avançou mais um degrau no Senado Federal. Na terça-feira 6, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou, por 14 votos a 11, o relatório recebido da Câmara dos Deputados. As etapas seguintes, que incluem a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), são as últimas antes de o texto ir para o teste de fogo no Plenário, o que deve ocorrer no dia 28 de junho, segundo previsão do presidente Eunício Oliveira (PMDB-CE).

Embora o governo precise apenas de maioria simples (41 dos 81 votos) para aprovar esse projeto de lei, um placar mais dilatado é importante para demonstrar coesão na base aliada – um termômetro fundamental para a tramitação da reforma da Previdência Social, considerada a mais polêmica e importante de todas. Conforme já havia antecipado à DINHEIRO no mês passado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está determinado a colocar o texto em votação, em 1º turno, antes do recesso parlamentar, de julho. Na Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que altera as regras das aposentadorias, o êxito governista requer 3/5 dos votos (308 dos 513 deputados federais).

Nas contas do núcleo político do Planalto, é preciso ter, pelo menos, 320 adesões à PEC para garantir uma margem segura. As dúvidas sobre a lealdade da base governista se intensificaram após as gravações de Joesley Batista, sócio da JBS. Muitos parlamentares aproveitaram uma aparente fragilidade do presidente Temer para pular fora do barco da reforma da Previdência, considerado um tema que gera perdas de votos em 2018. “O fiel da balança é o PSDB”, afirma Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria. “Se os tucanos desembarcarem do governo, o presidente da República ficará muito fragilizado.”

Calhamaço: funcionário do TSE leva ao plenário todos os volumes do processo sobre a cassação da chapa Dilma-Temer
Calhamaço: funcionário do TSE leva ao plenário todos os volumes do processo sobre a cassação da chapa Dilma-Temer (Crédito:Aílton de Freitas / Agência O Globo)

Rachado, o partido aguardava uma definição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o julgamento da cassação da chapa Dilma-Temer antes de tomar uma decisão. “Não precisamos ter cargos ou ministérios para continuar a apoiar as reformas”, disse Tasso Jereissati, presidente do PSDB, na quarta-feira 8, enquanto o presidente do TSE, Gilmar Mendes, e o relator Herman Benjamin, trocavam farpas no julgamento. O principal ponto da discórdia era a inclusão dos depoimentos de representantes da Odebrecht no processo eleitoral.

Até o fechamento desta edição, na tarde da sexta-feira 9, o relator Benjamin havia votado pela cassação da chapa. “Eu recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carregarei o caixão”, disse Benjamin ao votar. Enquanto isso, Mendes sinalizava a defesa de uma absolvição (confira o resultado do julgamento em www.istoedinheiro.com.br). A decisão do TSE deve influenciar a posição final do PSDB, prevista para a segunda 12. Em seus compromissos públicos e nas conversas privadas, Temer tem reiterado que não vai renunciar.

Nem mesmo a prisão do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, que pode fazer uma delação premiada, mudou a sua disposição de permanecer no comando. Além de contar votos para as reformas, a cúpula política tem planilhas que contabilizam quantos parlamentares estão dispostos a barrar um eventual pedido de abertura de investigação contra Temer. A solicitação, que pode ser feita ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela Procuradoria Geral da República (PGR), nos próximos dias, precisa ser aceita pela Câmara, com 2/3 dos votos (308 deputados). Neste cenário improvável, dado o tamanho da base governista, Temer seria afastado por até 180 dias.

Embate: o presidente do TSE, Gilmar Mendes (à esq.), e o relator Herman Benjamin trocaram farpas durante o julgamento
Embate: o presidente do TSE, Gilmar Mendes (à esq.), e o relator Herman Benjamin trocaram farpas durante o julgamento (Crédito:Daniel Teixeira /Estadão)

AGENDA POSITIVA Num cenário com Temer no cargo e o PSDB na base, os cientistas políticos acreditam que a aprovação das reformas seja factível, ainda que o texto da Previdência tenha de ser flexibilizado. A equipe econômica tem reiterado que não há mais espaço para mudanças. Na quinta-feira 8, em Paris, após encontro com investidores estrangeiros, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi questionado sobre o tema. “Evidente-mente que há uma preocupação com as questões políticas e com a possibilidade de prosseguimento da agenda econômica e das reformas”, afirmou Meirelles.

Para o setor privado, a crise política não pode prejudicar a equipe da Fazenda. “É absolutamente importante blindar a equipe econômica”, afirma Stefan Ketter, presidente para a Fiat da América Latina (leia entrevista ao final da reportagem). Com o objetivo de diminuir a pressão política, o presidente Temer aposta todas as fichas numa agenda econômica que traga notícias positivas (lei quadro na pág.22). Na quarta-feira 7, ele anunciou o Plano Safra 2017/2018, com um volume recorde de
R$ 190,25 bilhões e juros menores. “Nós já estamos lançando as bases para um 2018 muito mais próspero”, afirmou Temer.

Como estímulo ao setor aéreo, que vive uma grave crise, o governo pretende aprovar o projeto que libera a participação de estrangeiros em até 100% do capital das companhias. Além disso, para aumentar a renda disponível da população, Temer quer atualizar a tabela do Imposto de Renda. “Acreditamos que, após esse imbróglio político, a gente vai conseguir elevar a confiança e aumentar o consumo das famílias”, diz Rodrigo Mariano, gerente de economia da Associação Paulista de Super-mercados (Apas). Por enquanto, o foco econômico segue mesmo em Brasília: um olho no futuro de Temer e o outro nas reformas.

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“É absolutamente importante blindar a equipe econômica”

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A crise política pode atrapalhar o setor automotivo?
As últimas semanas não geraram um efeito imediato. Porém, quanto mais rápido tudo isso aqui se resolver, melhor. É sempre prematuro entrar num entusiasmo total, que é tipicamente brasileiro, mas também é importante manter a calma, a serenidade, neste momento difícil. Pelo menos parece que o fundo do barril já foi atingido.

Ao induzir o Banco Central a desacelerar a queda de juros, a crise política não atrapalha o setor?
Uma única coisa nunca vai resolver tudo. Não são apenas os juros que vão gerar o crescimento. São os juros junto com a inflação, a confiança, tudo junto. O importante é que tenha a sinalização [de queda de juros]. O Banco Central tem a independência, que é muito importante. Estamos vendo a inflação baixando bem, e depende agora da confiança para ver se retoma o crescimento, mas continuamos otimistas.

É importante preservar a atual equipe econômica?
É absolutamente importante blindar a equipe econômica. Seria uma pena muito grande se isso aqui fosse perdido. A agenda de reformas é ousada, corajosa, e tem muitos países que levaram anos para fazer tudo isso. Se perder esse momento, o Brasil não recupera mais, pelo menos nos próximos anos.

O setor automotivo investiu muito nos últimos anos, mas a demanda por veículos despencou no Brasil. Como lidar com a ociosidade?
Por um lado, estamos indo bem em Pernambuco [a empresa fabrica o Jeep no município de Goiana]. Já a realidade de Betim (MG) é outra, mais difícil. Nós sempre fomos uma empresa que lidou muito bem com a flexibilidade, pois fazemos vários modelos na mesma fábrica, o que nos permite “brincar” mais entre os modelos. É muito melhor do que ter fábricas exclusivas para só um modelo. Somos invejados por essa flexibilidade.

No caso da Fiat, a exportação compensa a retração do mercado interno?
Não. A unidade de Pernambuco já está exportando, mas, de uma forma geral, os números ainda são muito baixos. O importante é desenvolver os mercados na América do Sul, mas isso não se constrói de um dia para o outro.

As montadoras não erraram ao abandonar as exportações, no auge da euforia, antes da crise?
Claro. É importante que isso [resgate das exportações] seja mantido para sempre. A América do Sul tem de ser nossa, do Brasil, no mínimo.