Quem acessa o perfil do empreendedor argentino radicado no Brasil Ariel Lambrecht na rede social LinkedIn não vai encontrar na descrição nenhum cargo pomposo. Ele não se apresenta como diretor, fundador ou qualquer outro título do ambiente corporativo. Naquele ambiente, ele se descreve simplesmente como “unicorn breeder” (criador de unicórnios), referindo-se ao jargão usado no setor de tecnologia para definir as startups que valem mais de US$ 1 bilhão. “Cargos nunca me atraíram. Me perguntam: qual é o seu cargo. Sempre digo que não sei. Eu cuido de produtos”, disse Lambrecht, nesta entrevista exclusiva.

Lambrecht fala com propriedade. O aplicativo de transporte 99, startup fundada por ele, Renato Freitas e Paulo Veras, foi o primeiro unicórnio brasileiro. No começo de janeiro deste ano, ela foi comprada pela chinesa Didi Chuxing, o Uber da China, sendo avaliada em US$ 1 bilhão. Lambrecht nem teve tempo de descansar. Ela já está envolvido em outro empreendimento. É a Yellow, um aplicativo de compartilhamento de bicicletas que estreará em julho em São Paulo, que tem como sócio, além dele, Renato Freitas, seu parceiro na 99, e Eduardo Musa, ex-presidente da Calói.

Saiba seus planos nessa entrevista em que ele fala da 99, da Yellow e dá dicas a empreendedores que querem criar startups bilionárias:

Depois de vender a 99 e ganhar um bom dinheiro com isso, você já está empreendendo. Não pensou em tirar um tempo para descansar?
Nunca pensei em outra coisa. Antes de terminar lá (na 99), eu já estava matutando o que fazer depois.

A Yellow começa a nascer quando você ainda está na 99?
A Yellow nasceu mais ou menos em julho e agosto do ano passado. Foi quando começamos a fazer as viagens para China para negociar o que ia acontecer com a 99. Lá, entramos em contato com as empresas grandes de bike sharing e vimos que era muito legal. Pensei: precisamos fazer isso no Brasil. A história é muito parecida com a 99. Eu viajei para a Alemanha e vi os aplicativos de táxi e quis fazer isso aqui no Brasil. Foi um repeteco. Consideramos se a 99 não deveria fazer isso, mas ela estava muito focada em dominar o mercado brasileiro. Então, pensei: vamos fazer a gente. E fizemos.

Quer dizer que a Yellow surgiu antes da venda da 99?
Não era uma negociação de venda. O objetivo inicial era levantar mais um round. A venda foi uma consequência. O principal motivo para criar a Yellow foi para olhar para outras coisas. A 99 estava madura, com tudo profissionalizado. Era outra etapa e eu e o Renato não conseguíamos mais aportar aquilo em que somos bons. Somos bons em pegar uma empresa do zero.

Quer dizer que você caminhava para deixar o dia-a-dia da 99?
Sim. Tinha a função de manter a cultura e os valores da 99. Não atuava mais no que adoro fazer que é desenvolvimento de produto. E como não consigo parar quieto, inventei uma coisa nova para fazer (refere-se a Yellow).

Com que tamanho nasce a Yellow?
Estamos crescendo rapidamente. Hoje temos 18 funcionários. Quando a empresa for lançada, em julho, devemos ter de 60 a 70 pessoas.

Você se lembra dos primeiros dias da 99 agora que está na Yellow?
Com certeza. A coisa que mais gosto de fazer é começar de novo. São várias sensações legais. Primeiro, sinto um frio na barriga, que você já não sente mais quando a empresa está grande, como era o caso da 99. Aqui precisa comprar de tudo, de mouse a caneta. Precisa começar do zero de verdade. É muito legal e gratificante.

O que você errou e o que acertou na 99?
Acertamos no time de pessoas que contratamos. Eram pessoas muito engajadas que acreditavam no propósito da empresa. Estamos montando um time legal na Yellow, inclusive com pessoas da 99. Outra coisa que acertamos foi a cultura que criamos na empresa. Ela sempre é formada com as primeiras pessoas que participam na companhia. Acertamos também no foco. Éramos muitos focados em atender os problemas do motorista no início. Também nos focamos em São Paulo. Das coisas que erramos, e aprendemos com isso, foi a relação com o governo. Na Yellow, conversamos com a prefeitura de São Paulo desde o início.

Seu perfil do LinkedIn não traz nenhum cargo. Apenas diz que é um “unicorn breeder” (criador de unicórnios). Por quê?
Estou atrás de todos os unicórnios (risasas). Mas, na verdade, cargos nunca me atraíram. Me perguntam: qual é o seu cargo. Sempre digo que não sei. Eu cuido de produtos. É o que gosto de fazer e é o que estou fazendo na Yellow. Quem sabe ela não seja o próximo unicórnio?

Você vai ficar 100% concentrado na Yellow ou espera investir em outras startups?
Estou 100% concentrado na Yellow. Vivo no escritório como na 99. Volto pedalando de Yellow para casa. Mas acho que investir em outras empresas ou apoiar outras empresas não requer tanto tempo. Não estou fazendo agora, mas vou acabar fazendo isso logo. Não pretendo também criar um fundo. Meu investimento de risco já é a Yellow.

Você, o Renato Freitas e o Paulo Veras já eram reconhecidos e se tornaram referência do mercado pelo fato de a 99 ser o primeiro unicórnio brasileiro. Qual o conselho que dá para quem quer criar uma startup bilionária?
Por que a 99 virou um unicórnio? O motivo é que a 99 teve muita perseverança em momentos difíceis. Foi uma montanha-russa. Ficamos um ano e meio tentando levantar capital e não conseguíamos. Era uma época muito decisiva para nós. Então, resolvemos mudar tudo e voltar às origens, que era totalmente sem dinheiro. Sabíamos como executar a operação sem grana. Portanto, as empresas que estão começando precisam saber que vai ter épocas de altos e baixos. É preciso ter perseverança e foco.