A discrição é um traço marcante na trajetória recente da Fnac no Brasil. Um retrato desse distanciamento dos holofotes é a expansão local da varejista francesa. Dona de uma receita global de € 3,8 bilhões, a rede abriu apenas duas lojas desde 2012, totalizando doze unidades no País. Há uma semana, a companhia reforçou essa postura comedida. Um ano depois de ser contratada, a CEO Claudia Elisa Soares deixou o cargo. Em seu lugar, assumiu Arthur Negri, ex-presidente da Blockbuster. Em uma verdadeira “saída à francesa”, não houve um anúncio oficial sobre a mudança.

A comunicação ficou restrita a poucos fornecedores. Procurada, a empresa disse que não iria se manifestar. Segundo apurou a DINHEIRO, o descompasso entre a cultura conservadora do grupo e o perfil agressivo de gestão da executiva foi o principal fator por trás da decisão. “A Claudia, por essência, é acelerada. E a Fnac, como boa parte das empresas francesas, é exatamente o oposto”, diz um executivo do setor. “Ela pediu para sair quando viu que não teria acesso à velocidade necessária para reestruturar a companhia”, afirma outra fonte, que destaca o fato de Arthur Negri ter um perfil mais alinhado à varejista.

Não são poucos os desafios que Negri terá pela frente. O faturamento local da Fnac caiu de € 241 milhões, em 2011, para € 137 milhões, em 2015. À parte da queda nas vendas de livros e eletrônicos, alguns fatores contribuíram para esse desempenho. A aposta em lojas de grande porte, com uma média de 3 mil metros quadrados, é um deles. “Esse porte dificulta a expansão e a rentabilidade do ponto de venda”, diz Alan Kuhar, especialista em varejo da ESPM. Com cem metros quadrados, a loja inaugurada em 2014 no Aeroporto Internacional de Guarulhos foi um passo inicial para mudar esse contexto.

Durante sua gestão, Claudia começou a planejar a reformulação de algumas lojas, para torná-las mais enxutas. A lentidão para acompanhar o comportamento dos consumidores é outro ponto destacado. “Rivais como a Livraria Cultura souberam diversificar suas lojas, com serviços e atrativos que vão além da oferta de produtos”, diz Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese. “Já as lojas da Fnac pouco mudaram de dez anos para cá.” Presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra enxerga avanços modestos na estratégia multicanal.

“Não vejo a Fnac aproveitando a experimentação de produtos para capturar compras, seja na própria loja ou em seu e-commerce”, afirma. “Ela corre o risco de se tornar apenas um grande show room.” Outros componentes explicam a aparente falta de atenção da Fnac à operação brasileira. Em 2009, a Pinault-Printemps-La Redoute (PPR), controladora da empresa, decidiu se concentrar em seus negócios de luxo, como a grife Gucci. E não mediu esforços para se desfazer de operações como a Fnac. “Nesse contexto, países como o Brasil foram relegados a um segundo plano”, diz uma fonte do setor.

Em 2013, a Fnac abriu capital. No processo, o País seguiu à margem. Esse cenário foi reforçado em 2016, quando a Fnac concluiu sua fusão com a Darty, maior rede de eletrodomésticos da França. O acordo de US$ 934 milhões criou uma companhia com receita de € 7 bilhões e 600 lojas. Agora, a expectativa é que, após a integração, o Brasil volte a ganhar relevância no mapa. “A nova operação dá fôlego para a transformação da Fnac”, diz Eduardo Terra. “E, nesse movimento, o País certamente deixará de ser um filho abandonado.”