Segunda maior economia da América do Sul, a Argentina se especializou nas últimas duas décadas em produzir crises com a mesma eficiência que doce de leite e alfajor. A mais recente turbulência, que instalou uma crise entre peronistas e kirchneristas dentro do governo de Alberto Fernández, explodiu após o acordo de refinanciamento de dívida assinado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) na sexta-feira (28).

+ Argentina decreta alerta epidemiológico por cocaína que deixou 20 mortos
+ Fernández diz que Argentina chegou a um acordo com o FMI

O pacto, sobre a dívida de US$ 45 bilhões contraída em 2018, prevê um refinanciamento por meio do chamado Programa de Facilidades Estendidas, um tipo de Refis para países em situação de colapso, durante os próximos 30 meses. Mas o acordo não vem de mão beijada e determina um arrocho fiscal. Entre as medidas, a Argentina terá de reduzir seu déficit a zero até 2025 e retirar subsídios a todos os setores da economia, como o da energia. Com isso, a inflação do país vizinho, de 50,9% em 2021, deverá ser nutrida por uma alta generalizada dos preços neste ano. Por essa razão, as ruas de Buenos Aires se tornaram nos últimos dias palco de manifestações sociais contrárias ao acordo.

No campo político, a insatisfação gerou um racha dentro da base governista. Na segunda-feira (31), o parlamentar Máximo Kirchner, filho do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) e da atual vice-presidente, Cristina Kirchner, renunciou à liderança do bloco governista Frente de Todos na Câmara dos Deputados. Ele alegou que discorda da estratégia nas negociações.

ACORDO SELADO, PESSOAS NA RUA Presidente argentino, Alberto Fernández diz que acordo deu fólego ao país. População não concorda (Crédito:MARCOS BRINDICCI)

A encruzilhada econômica, no entanto, não terá uma saída fácil e de curto prazo. O economista Guillermo Oglietti, diretor do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (Celag), avalia que o FMI é um mal necessário para a Argentina neste momento. “Pagar o empréstimo é difícil, mas não pagar é uma opção ainda pior”, disse. “Com a economia em queda, perder crédito com um calote só vai afundar ainda mais o país.”

A crise cria um ambiente de risco à retomada econômica. No ano passado, o PIB cresceu próximo a 9% (o resultado oficial deve sair em março). Pelas projeções do Ministério da Economia, a inflação tende a recuar para 33% neste ano e o PIB avançar entre 4,6% e 5%. “Tínhamos uma dívida impagável, que nos deixava sem presente e sem futuro, e agora temos um acordo razoável que nos permitirá crescer e cumprir nossas obrigações”, afirmou Fernández. Bonito discurso na teoria, mas recheado de percalços na prática.