O mundo das fintechs não é só movido por dinheiro. Hoje, as startups do setor financeiro também querem explorar nichos – e causas. Hoje, há fintechs dedicadas a quem tem menos de 18 anos, a negros, à comunidade LGBTI+, a quem é de esquerda e para os interessados em apoiar organizações não governamentais (ONGs). Mas qual é o benefício dessas contas digitais de nicho? Diferentemente do que se pode pensar, uma fintech focada em um público específico não é só jogada de marketing. Esses negócios podem ajudar a financiar causas e a levar crédito para pessoas que são deixadas de fora pelos bancos tradicionais.

É o que explica Sergio All, presidente e fundador do Conta Black, um banco digital focado no público negro. A ideologia é a mesma de cem anos atrás, quando o movimento Black Money surgiu, nos EUA: negros ajudam negros, e a economia preta se fortalece. A própria história de All conta o porquê da necessidade de um banco focado nessa parcela da população. Empreendedor da área de videogames e de comunicação por 25 anos, ele precisou de empréstimo e foi aos bancos tradicionais. Depois de vários “nãos”, percebeu que o problema era ser negro.

E não aconteceu só com ele: 32% dos empreendedores pretos tiveram um ou mais pedidos de crédito negados por seus bancos, sem que fossem esclarecidas as razões, segundo o Estudo do Empreendedorismo Negro no Brasil, feito pela PretaHub em parceria com Plano CDE e JP Morgan.

“Por isso uma porcentagem dos nossos serviços vai para projetos de inclusão e ajuda a empreendedores negros. E também vamos lançar uma linha de microcrédito, consórcio e estamos fazendo uma parceria com a Mastercard, para lançar novidades tecnológicas para facilitar o acesso onde a internet é fraca”, conta All.

Banco de tudo

Com a Lei nº 12.865/13, que alterou o Sistema de Pagamentos Brasileiro, permitindo a criação das fintechs, surgiram os primeiros bancos digitais para o público geral. A consolidação desse modelo agora provoca uma segunda onda. Foi assim que, em 2017, All criou a Conta Black. Dentro do mesmo conceito, em 2020, surgiram o Pride Bank, para a comunidade LGBTI+ e o Impact Bank, focado em ONGs. Em janeiro último surgiu o Z1, conta digital para a geração Z (menores de 18 anos). Tem também o Leftbank, para simpatizantes de causas de esquerda.

“ONGs e coletivos têm muita dificuldade em levantar dinheiro. Quando a gente lança um cartão de crédito que reverte parte dos lucros para elas, ajuda a coisa mudar”, diz Marcio Orlandi Júnior, presidente do Pride Bank, lançado oficialmente em agosto do ano passado.

Ele conta que, antes da estreia da fintech no mercado, várias pesquisas foram feitas sobre a relação da comunidade LGBTI+ com o sistema financeiro. “Muitos tinham medo de ser maltratados nas agências. Outros não conseguiam colocar o nome social no cartão. Também tinham os que não eram tratados pelo gênero correto na comunicação com o banco.”

Crowdfunding

Em muitos casos, a fintech surge não só com o propósito de oferecer serviços bancários digitais. Ela trabalha um passo além do crowdfunding, o financiamento coletivo. É por isso que Gabriel Ribenboim, presidente do Impact Bank, diz que o objetivo de sua fintech é bem maior. “Revertemos 0,01% dos lucros para um fundo que apoia ações do terceiro setor na Amazônia”, diz. O Impact Bank oferece meios de pagamentos (maquininhas, por exemplo) e uma conta digital de pagamento. Seu público é, majoritariamente, formado por ONGs e negócios sociais.

Como instituição de apoio ONGs, além da doação de parte dos lucros, o Impact cria soluções que simplificam o repasse de recursos de entidades de fora do Brasil para organizações locais. Também ajuda a com microcrédito a pequenos empreendedores de comunidades amazônicas e promove a “bancarização” de clientes que nunca pisaram numa agência. “A gente tem uma capilaridade capaz de chegar e oferecer serviços bancários para esses empreendedores em comunidades ribeirinhas muito afastadas”, conta Ribenboim.

E para que serve um banco para menores de 18 anos? É esse o público do Z1, criado por João Pedro Thompson (ex-Vereda Educação), Thiago Achatz (ex-Yellow e Rappi), Sophie Secaf (ex-BOX 1824) e Mateus Craveiro (ex-Pagar.me). Com o Z1, a ideia não é promover filantropia, mas educação financeira. A fintech é uma versão brasileira da americana Greenlight.

O principal produto do Z1 funciona como um cartão de crédito comum na hora da compra, principalmente online, só que com saldo pré-pago. Ninguém consegue comprar além do valor depositado no cartão. “A geração Z foi criada em meio a crise e recessões. Eles viram os pais se enrolando com dívidas e não querem isso para vida deles”, diz Sophie. Ela explica que, como os clientes são menores de idade, a ativação da conta é feita pelos pais ou responsáveis.

É moda? Para quem é cliente de uma banco tradicional há décadas, as fintechs de nicho podem gerar até desconfiança. Nenhuma delas, por exemplo, revela quantos clientes têm. Dizem apenas que estão crescendo. “Crescemos, por exemplo, 30% por semana ou 200% ao mês”, diz Sophie, do Z1.

Mas elas não são uma moda que vai passar, diz Junior Borneli, fundador da StartSe, uma espécie de escola para startups. “Além de serem regulamentadas pelo Banco Central, são empresas que oferecem soluções que resolvem a dor de muita gente que o sistema financeiro comum não alcançava.”

Além disso, segundo Borneli, o fato do banco digital atuar num nicho e apoiar uma causa cria uma identificação muito forte com o público que ele atende. Hoje, segundo o especialista, o consumidor – principalmente o das faixas etárias mais baixas – não quer apenas um serviço bancário comum. Ele deseja consumir e ao mesmo tempo ajudar uma causa em que acredita. “Desse modo, os negócios que geram impacto social fortalecem a imagem. Com uma imagem mais forte, eles atraem mais clientes – que são fiéis – e o retorno é maior”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.