No final do século 19, quando ainda não existia a vinícola Luigi Bosca (fundada em 1901 pelo imigrante espanhol Leoncio Arizo e hoje um dos maiores nomes do vinho argentino), 30 hectares de vinhedos foram plantados a uma altitude acima de 1 mil metros em Las Compuertas, terroir dos mais privilegiados de Luján de Cuyo, em Mendoza. Àquela época, não havia seleção de variedades por parcelas e era comum que um mesmo vinhedo fosse ocupado por plantas de diferentes variedades, que se misturavam de forma aleatória. Essa mescla espontânea de castas é que se conhece hoje por “field blend”, ou seja, um corte de uvas criado naturalmente pelo campo e não a partir de seleções do enólogo.

A combinação de castas, tanto de Cabernet Sauvignon com Bouchet (nome que então se dava à Cabernet Franc, conforme afirmou à coluna o sommelier Tiago Locatelli), quanto de Malbec com Petit Verdot, é uma das características que diferenciam os rótulos da linha Finca Los Nobles. Trata-se de um tesouro da vinícola Luigi Bosca que a importadora Decanter traz para o Brasil. A safra 2017 é vendida a R$ 705,90 (garrafa de 750 ml). Na Cabernet Bouchet, ainda segundo Locatelli, há predominância de cerca de 90% da variedade Cabernet Sauvingon. Esse vinho foi servido às cegas durante uma degustação da Confraria Adolar Hermann, em dezembro de 2021. A iniciativa que leva o nome do fundador da importadora Decanter é restrita a convidados e tem o objetivo de ampliar o conhecimento de vinhos por parte da crítica especializada. No caso do Cabernet Bouchet, a satisfação foi unânime. Para a maioria dos confrades, o rótulo despontou como o melhor da seleção apresentada, sendo que entre eles havia opções vendidas a preços acima de R$ 1 mil.

As razões para essa unanimidade, evidentemente, não se limitam ao fato de haver uvas distintas no mesmo vinhedo. Isso é parte do charme e da peculiaridade do vinho. Mas a alta qualidade que ele apresenta decorre de uma filosofia que desde o princípio orienta o trabalho da família Arizo: “Um grande vinho só pode ter origem em um terroir excepcional, e deve expressar da forma mais pura todas as virtudes naturais encapsuladas nas uvas”. Hoje, a Luigi Bosca possui sete fincas nas melhores localizações de Mendoza, cultivadas por métodos orgânicos e biodinâmicos. De estilo clássico, os vinhos que resultam da Finca Los Nobles revelam aromas refinados, textura e harmonia exemplares. Há muito trabalho envolvido para obter esse resultado.

A colheita das uvas ocorre nas primeiras horas da manhã, com seleção manual de cachos e grãos. Depois da maceração a baixas temperaturas (10-12°C) por 3 a 5 dias, a fermentação se dá em cubas de inox com leveduras selecionadas. Após a trasfega para barricas novas de carvalho francês, ocorre a segunda fermentação, malolática, que converte o ácido málico em lático, tornando os taninos mais macios e o vinho untuoso. O amadurecimento em barrica se dá por 18 meses. Antes de chegar ao mercado, ele permanece por mais um ano na garrafa.

Uma vez que ela é aberta, revelam-se aromas complexos, combinando frutas negras, violetas e especiarias, além de um toque mineral que lembra grafite. Na boca, agrada o grande volume, com taninos elegantes e final suculento. A recomendação do enólogo é sacar a rolha com uma hora de antecedência e decantar a bebida antes de servi-la, à temperatura de 18ºC. Para harmonizar, algumas sugestões: “cordeiro assado inteiro na brasa, carnes bovinas de longo cozimento, caças finalizadas com trufas e queijos duros curados”. Impossível não salivar.