As chamadas não passam mais pela telefonista. Caem direto na guarita da entrada principal, onde um último segurança guarda o patrimônio da empresa: ?Basf, bom dia?, ele diz. Mera formalidade. Na sexta-feira 24 de janeiro um caminhão cruzou o portão levando embora os derradeiros tonéis de matéria-prima. A gigante química alemã encerrava as atividades de sua fábrica de agrotóxicos de Paulínia, interior de São Paulo. Dos 184 funcionários, 20 foram realocados e 164, demitidos. Uma decisão difícil, que consumiu um ano de reuniões com a matriz. E que mesmo assim gerou polêmica. Por que a Basf passou o cadeado nas instalações de Paulínia?

Segundo a empresa, a medida faz parte de uma reestruturação mundial no seu negócio agroquímico, que registrou prejuízo de
US$ 188 milhões no terceiro trimestre de 2002 ? 27% a mais do que no mesmo período do ano anterior. A planta de Paulínia ?caiu no colo? da Basf nessa reestruturação, e justamente aí começou a dor de cabeça da companhia. A fábrica pertencia à americana Cyanamid, adquirida pelo conglomerado alemão em 2000 por US$ 3,8 bilhões. A Cyanamid havia comprado a área da Shell, que reconheceu ter contaminado o solo com pesticidas. Cristina de Mello, gerente de comunicação da Basf, diz que isso nada tem a ver com a decisão de fechar a fábrica. ?A compra da Cyanamid gerou duplicidade na produção?, afirma. ?Já fabricávamos em Guaratinguetá (SP) e Resende (RJ) os produtos feitos em Paulínia. Manter a fábrica representaria um custo desnecessário. A produção era irrelevante e foi transferida para outras unidades.? Entenda-se por ?irrelevante? 20 milhões dos 53 milhões de litros de herbicidas, fungicidas e inseticidas que a Basf formula anualmente no Brasil.

O fato é que o fantasma da contaminação aumentou o drama do processo, já bastante complicado por causa das negociações com os funcionários. Eles chegaram a acampar dentro da fábrica numa inútil tentativa de reverter a decisão da companhia. ?Aquela planta tem 25 anos e carece de modernização. Não faria mesmo sentido investir numa área com tamanho passivo ambiental. É perda de tempo e de dinheiro?, opina um analista. O Sindicato dos Químicos de Campinas vai além: ?A Basf se arrancou antes de ter a sua imagem arranhada?, diz Amarildo dos Santos, diretor do Sindicato. ?A Shell se comprometeu a sanear o terreno, mas fez pouco até agora. O problema pode respingar em qualquer um que ocupar a área.? Em nota enviada à DINHEIRO, a Shell afirma: ?Todas as medidas de avaliação e recuperação recomendadas estão sendo executadas conforme cronograma aprovado?.

Um problema idêntico tem tirado o sono dos executivos da concorrente Bayer. Ela assumiu recentemente uma fábrica de agrotóxicos em Portão (RS) que pertencia à Aventis. Técnicos vasculham a área em busca de poluentes. ?Se encontrarmos algo, ainda dá tempo para apontar o culpado. Se deixarmos para depois, será impossível desvincular o nosso nome de uma eventual contaminação?, diz um diretor da Bayer que prefere não ser identificado. ?Se o problema fosse esse não teríamos três companhias querendo comprar a fábrica?, rebate Cristina. A executiva da Basf diz que o negócio só não saiu até agora
porque o Ministério do Trabalho interditou a planta.

Seis meses antes de a Basf decidir bater em retirada, técnicos
do Ministério avaliaram a área e não gostaram do que viram. ?Encontramos 12 substâncias cancerígenas no solo?, conta o
médico João Amâncio, da Delegacia Regional do Trabalho de Campinas. ?Pedimos que a Basf fizesse exames nos funcionários,
mas ela se recusa?, diz o médico. E aí começou uma batalha
judicial. ?Submetemos o pessoal a exames no primeiro semestre de 2002 e nenhuma doença ocupacional foi detectada. Não há necessidade de repetir tudo?, afirma Cristina. O Ministério pede exames mais detalhados. ?Numa reunião comigo a Basf se dispôs a fazer novas avaliações médicas, desde que isso não viesse a público?, conta Amâncio. ?Ela pretendia repassar a verba para que o Sindicato dos Químicos encomendasse os exames. Parece que ela não quer ter o seu nome associado ao caso de jeito nenhum.?