Era ainda começo da tarde de terça-feira 11 quando o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, tentava contornar as acusações da oposição de ferir o regimento interno em seu esforço para alcançar o quórum para a votação do programa de recuperação dos Estados, de interesse do governo. Em poucas horas, a retórica dos deputados contrários dava lugar a uma avalanche mais poderosa para liquidar a sessão: a lista da abertura de inquéritos contra os políticos citados na delação da Odebrecht. Após a divulgação dos nomes, no final da tarde, a presença de parlamentares, que chegara a ultrapassar 400 deputados ao longo do dia, caiu para menos da metade e a apreciação do texto foi adiada pela terceira vez em menos de dez dias.

O avanço da Operação Lava Jato na Justiça pesa sobre o Congresso e acrescenta um complicador a pautas do governo que já eram desafiadoras no Legislativo. O episódio descrito acima dá o tom de alerta. O projeto de socorro dos Estados é urgente para aliviar a situação dos governadores com dificuldades em pagar obrigações básicas, como a folha de pagamento de servidores. Foi elaborado pela equipe econômica para evitar problemas fiscais de maior ordem e já vinha enfrentando resistências na Câmara. Com o esvaziamento da terça-feira 11, foi, mais uma vez, postergado. A lista de desafios do Executivo, porém, é mais ampla e encabeçada por reformas estruturais vistas como essenciais para sustentar a recuperação da economia. O risco que paira sobre elas é maior agora.

Silêncio: o Congresso nacional ficou vazio após a divulgação da lista de Fachin
Silêncio: o Congresso nacional ficou vazio após a divulgação da lista de Fachin (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)

Na esteira da divulgação da lista, o Senado e a Câmara aproveitaram a proximidade do feriado e cancelaram a sessão de quarta-feira 12. No mesmo dia, o deputado Fabio Ramalho (PMDB-MG) sugeria ao presidente Michel Temer recolher completamente a proposta de reforma da Previdência do Congresso. O governo tenta dissociar a pauta econômica da questão política e vem minimizando os impactos dos inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a atitude dos parlamentares. “O governo só funciona porque tem o apoio do Congresso”, afirmou Temer na quarta-feira 12, em cerimônia no Palácio do Planalto. “Não podemos jamais paralisar o governo, temos de dar sequência à atividade legislativa.”

Na mesma linha, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, indicou não haver impacto na tramitação da reforma da Previdência. “O trabalho continua normalmente dentro do cronograma.” A expectativa inicial do governo era conseguir sancionar as novas regras da aposentadoria até meados do ano. O relatório está em fase final de elaboração na comissão especial e deve ser apresentado na próxima semana. Para os economistas, a divulgação da lista de inquéritos deve impactar as datas, mas tem probabilidade menor de ameaçar a aprovação definitiva. “Tem um momento inicial em que os parlamentares vão prezar pela autopreservação, então algum nível de atraso tende acontecer”, afirma Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset. “Por outro lado, agora é que se torna ainda mais necessário apresentar uma agenda positiva.”

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A estimativa de Vieira, que antes previa a aprovação até agosto, agora sugere uma data mais próxima do terceiro trimestre. Investidores e empresários se agarram à tese de que o rito moroso do STF abra espaço para o Legislativo dar sequência às reformas e que o tema seja abraçado como a pauta preponderante dos parlamentares em meio às incertezas políticas do cenário atual. “A agenda que tem é essa, não há outra”, afirma Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores. “Os parlamentares sabem que se não aprovar é o fim do governo Temer e um tiro no próprio pé, porque a maior parte da base está dentro do governo.” Ribeiro, no entanto, admite que o risco aumentou e que um atraso maior pode frustrar a aposta majoritária do mercado.

O espaço de articulação do governo com o Legislativo é limitado. O presidente Temer vem promovendo a oferta de cargos desde que assumiu o poder e já tem a maioria dos ministérios ocupados por representantes partidários. Nas últimas semanas, sinalizou aos parlamentares com um conjunto relevante de concessões no texto da reforma da Previdência, para atender sobretudo demandas apresentadas pelos deputados nas emendas parlamentares. Na última semana, acertou, por exemplo, que a regra de transição se dará a partir de uma idade mínima progressiva que levará em conta as diferenças entre homens e mulheres, tema que vinha sofrendo enorme resistência no Congresso.

Reforma trabalhista: deputados avaliam o relatório que prevê a alteração as regras da CLT
Reforma trabalhista: deputados avaliam o relatório que prevê a alteração as regras da CLT (Crédito:Lucio Bernardo Jr)

Nas negociações, o Executivo também decidiu antecipar a liberação de R$ 1,8 bilhão em emendas parlamentares. Em paralelo, a reforma trabalhista avança. O relatório final foi apresentado na quarta-feira 12, com alterações em quase cem pontos da CLT. A previsão é que seja votado na comissão especial nesta semana. “A reforma da Previdência talvez leve até o final do ano para ser aprovada nas duas Casas, mas a reforma trabalhista talvez caminhe mais rápido”, afirma Marcel Solimeo, superintendente institucional da Associação Comercial de São Paulo. Para representantes do setor privado, a resposta ao avanço das reformas pode se dar num curto espaço de tempo.

“Perdemos quase 1/3 da força de trabalho e as empresas estão praticamente paradas”, afirma José Romeu Ferraz Neto, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP). “Sem as reformas, teremos um cenário horroroso no curto prazo. Tem empresa que não chega ao final do ano.” Um manifesto assinado pela entidade e outras 22 associações foi publicado na quarta-feira 12 para reforçar a importância das reformas. “Vemos com muita preocupação os acontecimentos da delação, mas por outro lado, o Brasil está acima de toda as acusações”, afirma Nabil Sahyoun, presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shoppings (Alshop), também signatária do documento.

Expectativa: o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, aposta todas as fichas na aprovação das reformas estruturais da economia
Expectativa: o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, aposta todas as fichas na aprovação das reformas estruturais da economia (Crédito:Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)

Reformas estruturais como as da Previdência só devem ter impacto mais claro no longo prazo, mas a aprovação pode antecipar os benefícios na forma de maior confiança. “Uma vez aprovadas as reformas, o Brasil entra num novo momento, resolvendo questões esperadas há muitos anos.” A perspectiva de uma conjuntura mais favorável à frente vem sustentando a melhora dos índices de confiança, o que tem potencial para se traduzir em mais investimento mais adiante. A leitura implícita das análises de economistas é que as reformas eliminam incertezas estruturais e abrem caminho para que o efeito positivo da redução da inflação e dos juros (leia mais aqui) finalmente se reflita na atividade econômica.

Em meio à pior recessão já registrada no País, os indicadores ainda são contraditórios e insuficientes para atestar uma retomada consistente. Em fevereiro, serviços (0,7%) e indústria (0,1%) tiveram avanço tímido, enquanto o varejo ainda se manteve em terreno negativo (-0,2%). A compensação vem do campo, com o agronegócio sustentado a expectativa de que o PIB do primeiro trimestre voltará ao terreno positivo após dois anos de quedas seguidas. O risco, a partir de agora, é de a paralisação do Congresso abortar a recuperação econômica.

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